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“O futuro da alimentação está no passado”: chefs e cientistas defendem insetos na culinária

“O futuro da alimentação está no passado”: chefs e cientistas defendem insetos na culinária

Para alimentar 10 bilhões de pessoas até 2050, a cultura alimentar global e o comportamento do consumidor precisam mudar. E, para empreendedores, chefs e cientistas reunidos no South by Southwest (SXSW), um dos maiores e mais longevos festivais de inovação do mundo, o futuro de uma alimentação global mais sustentável passa por retomar hábitos que nossos ancestrais mantinham no passado. Especialistas defendem que é preciso explorar e popularizar alternativas como, por exemplo, pratos que utilizam insetos.

Conhecer as diferentes maneiras como esses alimentos podem ser preparados e servidos poderia ajudar a normalizar algo que, de outra forma, a maioria das pessoas em países ocidentais – onde a alimentação à base de insetos é menos comum – hesitaria em experimentar. E há cada vez mais gente disposta a influenciar os corações, mentes e estômagos dos consumidores para isso.

Para além da carga cultural envolvida nesse tipo de alimentação, vale ressaltar que o peso ecológico do consumo humano de alimentos representa um grande desafio para a mitigação das mudanças climáticas. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a produção de alimentos contribui para cerca de um quarto das emissões antropogênicas globais de gases de efeito estufa, e a tendência, com o aumento da demanda por alimentos, é de que esse total aumente ainda mais. Estima-se que carne e laticínios, por exemplo, respondam, sozinhos, por metade das emissões provenientes da produção de alimentos no mundo.

“Temos exemplos importantes de mudança na cultura alimentar. Há não muito tempo, tomate, lagosta, sushi e couve eram alimentos considerados estranhos, indesejáveis. Mas não demorou a passarem a fazer parte da alta cozinha e chegarem às casas das pessoas. Por que, então, a cultura alimentar ocidental perdeu o contato com ingredientes de insetos, quando tantas outras culturas ao redor do mundo ainda os consideram um alimento perfeitamente normal?”, questiona Jessica Ware, curadora do Museu Americano de História Natural e uma das participantes de um painel no SXSW 2022 sobre “A psicologia envolvida em popularizar a culinária de insetos”.

A entomofagia, que é o consumo de insetos comestíveis, também passou a atrair cada vez mais a atenção do público devido a recentes progressos na tecnologia agrícola e segurança alimentar, conforme o holandês Arnold Van Huis, professor da Universidade de Wageningen e um dos primeiros cientistas a defender perante o grande público ocidental o consumo de insetos.

“Automação, redução da contaminação microbiana e melhorias na utilização de espaço finalmente tornaram os insetos uma opção viável para uso industrial e produção privada. Além disso, a desregulamentação que permite a produção e comercialização de insetos comestíveis permitiu que inovadores de empresas e cozinha de alto nível entrassem nesse mercado de alimentos à base de insetos”, garante o pesquisador.

Foi assim que Sarah Schlafly, CEO da Mighty Cricket, uma empresa dedicada à produção de suprimentos de proteína à base de insetos, começou sua jornada. Em entrevista à Época Negócios diretamente de Austin, a empreendedora explicou que, apesar da resistência tradicional das pessoas em geral ao consumo de insetos, ela tem visto mudanças para melhor.

“O futuro da alimentação está no passado. Comer insetos é a dieta paleolítica definitiva. As pessoas comem insetos há muito tempo: não é uma tendência de agora, mas algo que os humanos sempre fizeram. Se 10% de nós comêssemos insetos uma vez por semana, isso teria um enorme impacto positivo no meio ambiente”, defende ela.

No entanto, apesar de desenvolvimentos favoráveis e das vantagens ecológicas desse consumo, a predileção, nas populações ocidentais, por comer alimentos contendo insetos ainda é muito baixa. Para Arnold Van Huis, essa é uma questão predominantemente psicológica.

Mighty Cricket é uma empresa dedicada à produção de suprimentos de proteína à base de insetos. — Foto: Divulgação

Mighty Cricket é uma empresa dedicada à produção de suprimentos de proteína à base de insetos. — Foto: Divulgação

“As pessoas em geral ainda acham isso nojento. E não é. É nutritivo, saudável e saboroso. Nosso maior desafio é passar de um lanche casual para incluir essa alternativa na nossa dieta regularmente. Também ajudaria se os chefs, em programas populares de televisão, por exemplo, cozinhassem mais com insetos. E se as notícias que lemos em relação a isso contivessem menos imagens perturbadoras e mais uma aproximação com a realidade”, define ele.

“A imagem coletiva de que precisamos para popularizar o ato de comer insetos é ter mais pessoas fazendo isso, como algo coletivo, mais do que uma bandeira individual. Em um grupo de três pessoas, por exemplo, sabemos que uma pessoa vai provar um alimento à base de insetos, outra vai esperar a reação da primeira e a última não vai nem experimentar. E duas pessoas em três dispostas a mudar sua dieta já seria um avanço enorme para o mundo”, garante Sarah.

Para os especialistas, a sociedade ocidental sempre comeu outros tipos de alimentos fortemente associados à decomposição (por exemplo, queijo mofado) e a entomofagia é difundida em vários países asiáticos e africanos, o que indica que a repulsa evocada por insetos é principalmente cultural – e pode ser modificada.

“Nem todo mundo vai adotar essa alternativa, mas se conseguirmos que as pessoas curiosas façam isso, já seria incrível”, diz Jessica Ware. “Basta lembrar que comer insetos está em nossa herança cultural: podemos não fazer isso tanto agora, mas historicamente nós fizemos. É hora de retomar”, pondera a curadora do Museu Americano de História Natural.