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Mundo está próximo de pontos de inflexão ambientais

Mundo está próximo de pontos de inflexão ambientais

Novo relatório da ONU alerta para riscos de desastres interligados com impactos irreversíveis nas pessoas e no planeta

Um novo relatório da Universidade das Nações Unidas conclui que o mundo está se aproximando rapidamente de pontos de inflexão ambientais em múltiplas frentes. Apesar de não haver uma solução fácil, o documento aponta que ações decisivas podem ser tomadas para evitar o pior.

O “Relatório de Riscos de Desastres Interligados 2023” alerta para seis pontos de inflexão de risco interligados: risco de extinções, esgotamento das águas subterrâneas (que coloca em risco o abastecimento de alimentos), derretimento glacial, detritos espaciais (causando perda de vários satélites), calor insuportável (dificultando a vida em algumas regiões) e futuro não segurável (uma vez que as seguradoras não vão cobrir os danos nas construções causadas por eventos climáticos extremos).

De acordo com o relatório, os pontos de ruptura são alcançados quando os sistemas em que confiamos deixam de funcionar conforme concebido, ampliando o risco de impactos catastróficos.

pontos de inflexão
Foto: Chirag Saini | Unsplash

Ao extrair indiscriminadamente os recursos hídricos, danificar a natureza e a biodiversidade, poluir a Terra e o espaço e ao mesmo tempo reduzir as opções para lidar com catástrofes, as ações humanas introduzem novos riscos e aumentam os já existentes.

“Com esses pontos de inflexão de risco, é como se estivéssemos nos aproximando de um penhasco que não podemos ver claramente à nossa frente e, uma vez que caímos do penhasco, não podemos voltar facilmente”, disse a Dra. Zita Sebesvari, uma das principais autoras do relatório e vice-diretora da UNU-EHS (Universidade das Nações Unidas – Instituto para o Ambiente e a Segurança Humana). Segundo ela, estamos perigosamente à beira de múltiplos pontos de inflexão que poderão destruir os próprios sistemas dos quais a nossa vida depende.

O que é o ponto de inflexão

Ecossistemas, sistemas alimentares, sistemas hídricos. Estes são sistemas que estão à nossa volta e intimamente ligados a nós. Quando se deterioram, normalmente não é um processo simples e previsível. Em vez disso, a instabilidade aumenta lentamente até que, subitamente, é atingido um ponto de virada e o sistema muda fundamentalmente ou mesmo entra em colapso, com impactos potencialmente catastróficos.

Um ponto de inflexão de risco é definido no relatório como o momento em que um determinado sistema socioecológico não é mais capaz de amortecer os riscos e fornecer as funções esperadas, após o qual o risco de impactos catastróficos para esses sistemas aumenta substancialmente.

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UNICEF Ali Raza

Vamos a um exemplo prático trazido pelo relatório: o esgotamento das águas subterrâneas. Os reservatórios subterrâneos de água chamados aquíferos são um recurso essencial de água doce em todo o mundo e fornecem água potável a mais de dois bilhões de pessoas. Cerca de 70% das retiradas de águas subterrâneas são utilizadas para a agricultura, muitas vezes quando não há água suficiente disponível a partir de fontes acima do solo. Hoje, os aquíferos ajudam a mitigar metade das perdas na agricultura causadas pela seca, um fenômeno que só deverá aumentar no futuro devido às alterações climáticas. Mas o relatório alerta que agora são os próprios aquíferos que se aproximam de um ponto de inflexão.

Mais da metade dos principais aquíferos do mundo estão se esgotando mais rapidamente do que podem ser reabastecidos naturalmente. Se o lençol freático cair abaixo de um nível acessível aos poços existentes, os agricultores podem subitamente ficar sem capacidade de acesso à água, o que coloca sistemas inteiros de produção de alimentos em risco de fracasso. Alguns países, como a Arábia Saudita, já ultrapassaram este ponto crítico do risco das águas subterrâneas; outros, como a Índia, não estão longe disso.

Ação imediata

Se os pontos de inflexão do risco forem compreendidos, será possível que decisões e ações evitem o pior, alerta o documento. “Devido à natureza interligada destes pontos de inflexão de risco, dos seus motivadores, causas profundas e influências, evitá-los exigirá mais do que uma única solução”, afirma Sebesvari. “Teremos de desenvolver soluções que reúnam diferentes setores e abordem os impulsionadores e as causas de uma forma sistêmica”, completa.

O relatório categoriza as soluções de mitigação de risco em quatro tipos com base na sua abordagem: Evitar (prevenir o risco), Adaptar (lidar com o risco), Atrasar (retardar a progressão do risco) e Transformar (revisão do sistema). Esta última envolve uma reimaginação fundamental de um sistema em algo mais forte e sustentável do que antes.

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Foto: Piyush Priyank | Unsplash

A estrutura lista acima ajuda a avaliar os possíveis resultados e compensações de uma solução. Neste sentido, por exemplo, abordar o ponto crítico do “calor insuportável” devido às alterações climáticas pode envolver uma abordagem “Evitar-Transformar” para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, enquanto uma abordagem “Adaptar-Atrasar” poderia passar pela instalação de aparelhos de ar condicionado, embora tal medida não seja ideal, uma vez que, se alimentada por combustíveis fósseis, pode contribuir para o aquecimento global.

O relatório conclui que as soluções que estão sendo implementadas hoje tendem a centrar-se em Atrasar e não em Transformar e que serão necessárias mais soluções revolucionárias para nos afastar de um futuro de multiplicação de pontos de inflexão de risco.

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Foto: UNICEF | Juan Haro

As soluções transformadoras também exigirão um esforço pessoal de cada um de nós. “A verdadeira mudança transformadora envolve todos”, diz Sebesvari. “O relatório serve como um lembrete oportuno, antes da Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, de que todos devemos fazer parte da solução.”

“No nosso mundo interligado, todos podemos fazer mudanças e inspirar outros a transformar a forma como utilizamos os nossos sistemas para reduzir o risco”, diz Caitlyn Eberle, outra autora principal do relatório e investigadora sênior do estudo.