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Muitos países falam em produzir hidrogênio — mas Brasil tem vantagem real, diz alto executivo do governo dos EUA

Muitos países falam em produzir hidrogênio — mas Brasil tem vantagem real, diz alto executivo do governo dos EUA

David Turk, secretário adjunto de Energia dos EUA, acredita que haverá um forte comércio global de hidrogênio e metano como fontes limpas, e que governos e empresas precisam se mexer para aproveitar a oportunidade

A agenda foi bem intensa. David Turk, secretário Adjunto do Departamento de Energia dos Estados Unidos, participou no Brasil de dois dias de reuniões que envolveram pelo menos 16 empresas, cinco associações empresariais e sete entidades de pesquisa, a fim de tratar de cooperação entre os dois países em energia limpa. As conversas incluíram hidrogênio verde, metano, energia solar e eólica, armazenamento e combustível de aviação. Participaram, entre outras, AES, Boeing, Cargill, Embraer, Enel, GM, Honeywell, Neoenergia, Pepsico, Petrobras, Shell, Unigel, Vale, WEG e Yara. Turk já ocupou outras posições na Agência Internacional de Energia e no governo dos EUA, relacionadas a energia e a segurança nacional. Por isso, já presenciou momentos anteriores de empolgação com energia limpa que acabaram tendo pouco resultado. Desta vez, ao se preparar para deixar São Paulo rumo a Santiago do Chile, em março, pareceu confiante que há uma mudança global em andamento, com o Brasil bem posicionado para aproveitá-la – e conversou a respeito com Um Só Planeta:

P) Alguma fonte de energia foi a sua principal prioridade nessa visita ao Brasil? Energia eólica?

R) Há muitas prioridades na nossa agenda de energia limpa, não só no que estamos trabalhando domesticamente, nos Estados Unidos, mas também no que trabalhamos com países-chave ao redor do mundo. Quando você olha para quais países no mundo são atualmente potências em energia limpa, o Brasil se destaca numa posição muito boa. (Nos EUA) Implementamos muito mais políticas de energia limpa e investimento, a Lei de Redução de Inflação (de 2022), a legislação de infraestrutura bipartidária (de 2021)… estamos no meio de uma transição para a energia limpa como nunca houve nos EUA, com todo o investimento, os incentivos tributários, os programas que o nosso departamento coordena. Mas não basta termos uma estratégia doméstica. Queremos ter uma estratégia internacional muito robusta, parcerias verdadeiras. O Fórum de Energia Brasil-EUA (criado em 2019) tem sido uma parceria muito forte há anos e queremos fortalecê-la mais, não só na relação de governo para governo, mas com o setor privado também.

P) As companhias estão se envolvendo?

R) Estão se envolvendo. Tivemos uma sessão ótima com várias empresas de energia limpa, algumas baseadas nos EUA, algumas no Brasil, algumas com operações nos dois países. Conversamos sobre energia eólica, eólica offshore, que nós estamos construindo e o Brasil também; sobre energia solar, solar distribuída, que nós estamos construindo e o Brasil também. Podemos aprender muito uns com os outros. Falamos sobre biocombustíveis. Há uma boa conversa em andamento sobre combustível de aviação sustentável. Há oportunidades imensas em hidrogênio, inclusive para exportação, e também em minerais críticos e na cadeia de suprimentos de minerais, por causa dos volumes que vamos precisar para painéis solares fotovoltaicos e baterias.

P) Quais devem ser os resultados concretos dessas conversas?

R) Estamos abordando isso como uma parceria de longa duração, entre os dois países e com o setor privado fortemente envolvido. Conforme fazemos investimentos domésticos em níveis recorde históricos na transição para a energia limpa, baixamos custos, o que torna mais fácil para o Brasil fazer sua transição – e vice-versa. Há oportunidades para investimento, pelo DFC (braço do governo americano para investimento no exterior) ou outras partes do governo, e pelo setor privado. Está se tornando claro que as definições têm sentido para novos mercados, para um mercado global de hidrogênio, para a exportação de hidrogênio limpo. Há interesse nessas conversas para termos bons padrões de segurança e integridade ambiental, conforme avançamos nesses mercados. Haverá conversas anuais entre ministros e com CEOs do setor privado envolvidos, mas além disso, no dia a dia, há muito trabalho sendo feito nessa parceria.

P) Há muita expectativa neste momento a respeito da difusão de hidrogênio e metano como fontes limpas. Como você vê a evolução dessas duas fontes?

R) Tenho me dedicado ao hidrogênio, no meu trabalho atual e no anterior, fazendo algumas análises muito detalhadas. Muitos países ao redor do mundo falam muito sobre hidrogênio, mas alguns em particular têm vantagens comparativas reais. Alguns poucos têm o potencial real para ser grandes players nessa arena. O Brasil é um desses. Coloco EUA e Brasil entre os relativamente poucos países que têm um monte de vantagens comparativas para produzir hidrogênio limpo, construir a infraestrutura, fazer uso doméstico e explorar oportunidades de exportação de forma significativa. É bom para o meio ambiente, para a economia e para os empregos.

EUA e Brasil são potências em biocombustíveis em geral e biometano. O Brasil, como os EUA, é abençoado com uma variedade de fontes renováveis, e algumas já são parte importante da geração de energia – hidrelétrica, no caso do Brasil. A Energia eólica onshore tem crescido de forma significativa e a energia solar fotovoltaica também. Assim, há oportunidades imensas (no hidrogênio verde). Uma das vias para capturar essa oportunidade é usar eletrólise (a partir de uma fonte renovável, como hídrica, eólica ou solar) e produzir hidrogênio, para exportação e para a indústria doméstica, para reduzir emissões de carbono. Não é fácil, exige muito planejamento e esforço. Sei que há esforços reais em andamento, por parte do novo governo e do setor privado para desenvolver esses planos. Claro, precisamos conduzir (o processo) com atenção ao impacto ambiental, com certeza que (a produção de biocombustível) não está competindo com produção de comida, elevando preços de comida. Acredito que há um jeito de criar uma relação de ganha-ganha.

P) É realista imaginar um novo segmento do mercado global de exportação e importação, com navios cheios de hidrogênio e metano cruzando o mundo?

R) É uma boa questão. Já vimos hidrogênio passar por períodos de interesse, nos últimos 30 ou 40 anos, e depois por períodos de esvaziamento. Acho que o que mudou é o compromisso com a descarbonização e com a busca do net zero. Não vai ser fácil chegar a net zero – não apenas no setor de energia, mas também na indústria, na construção, nos transportes. Mas acho que o impulso é nessa direção. O comprometimento político dos líderes e, mais importante, da população, empurra nessa direção. Vão ser necessárias várias tecnologias, especialmente para os setores que emitem mais carbono. Biocombustíveis, combustível sustentável para aviação e hidrogênio vão se tornar mais versáteis e atraentes. São parte da busca pelo net zero.

Estamos fazendo grandes investimentos nos Estados Unidos, como nunca antes. O congresso está dando ao nosso departamento US$ 8 bilhões para construir hubs de hidrogênio limpo (o programa foi lançado em 2022 e aceita inscrições de projetos até este mês). Nunca antes tivemos esse tipo de dinheiro sendo colocado em hidrogênio. Temos também créditos tributários muito generosos sendo colocados em hidrogênio, US$ 3 por quilograma, dinheiro muito significativo para fazer esse mercado avançar.

Um ministro da Alemanha (Robert Habeck, ministro da Economia e Ação Climática da Alemanha) esteve no Brasil (em março). Sei que a Alemanha está avançando para ter hidrogênio limpo que possa usar na indústria. Querem importar esse hidrogênio de qualquer país que se apresente e ofereça o melhor negócio. Quando olho para os números, vejo o Brasil numa posição muito invejável.

Não está determinado que vamos ter uma grande volume de comércio global, mas há razões para ser otimista. Acredito que teremos um comércio global significativo de hidrogênio limpo – é apenas questão de quais países e quais companhias vão capturar os benefícios. O Brasil e alguns outros países ao redor do mundo estão em posição competitiva muito boa. Mas o governo nacional (do Brasil) e as companhias precisam agir para tirar vantagem dessa posição.

P) A guerra da Ucrânia mudou definitivamente como os países procuram seus fornecedores de energia?

R) É realmente interessante que 2022 vai se tornar um marco na história mundial da energia. Tivemos a saída da pandemia de Covid-19, as questões com as cadeias de suprimentos, os esforços de descarbonização e tudo que aconteceu quando a Rússia invadiu a Ucrânia.

Os países vêm reforçando sua segurança energética por causa disso, principalmente na Europa, mas não só na Europa. Já vimos e acho que veremos ainda mais este ano um monte de países, de lideranças políticas, de tomadores de decisão realistas, se empenhando ainda mais em uma diversificação abrangente de fontes renováveis e outras partes do espectro de energia limpa. Não apenas porque é a coisa certa a fazer, pela descarbonização e para tentar salvar o planeta, mas porque um monte dessas tecnologias têm benefícios inerentes para a segurança nacional. Se um país contar com mais energia solar, eólica, incluindo offshore, com armazenagem (baterias de grande porte), com hidrogênio verde vindo de países confiáveis como o Brasil, seu país estará em um lugar muito melhor do que quando importava um monte de petróleo e gás de países como a Rússia, que no fim das contas não era um parceiro confiável. Diversificação é bom em termos gerais. Depois que um país constrói sua rede solar fotovoltaica, sua rede eólica, nenhum ditador estrangeiro vai bloquear o sol ou o vento.

A Agência Internacional de Energia estima a cada ano quanto haverá de aumento na energia solar fotovoltaica instalada. O relatório mais recente, de meses atrás (outubro de 2022), a partir dos dados de 2022, estimou 30% a mais (de avanço na capacidade) do que era estimado no ano anterior. Isso é apenas um dado para mostrar como o interesse dos governos é um fator de incentivo, ajudando a acelerar a difusão (da energia limpa). A ciência afirma que precisamos chegar a net zero até o meio do século. Temos menos de 30 anos e não estamos no rumo de conseguir isso. Temos de acelerar (o processo). Certamente há um interesse renovado em ter reservas de petróleo e gás natural confiáveis, mas há também um forte interesse, renovado, por hidrogênio verde, energia solar, armazenamento, por contar com fornecimento de fontes variadas. Não digo que será fácil, diferentes governos farão diferentes escolhas, mas há um impulso bem claro na transição para as energias limpas.