Mudanças climáticas: a inesperada forma com que os tubarões podem ajudar
Na ponta mais ocidental da Austrália, na chamada Shark Bay, pelo menos 28 espécies de tubarões nadam em suas águas cristalinas e pradarias marinhas — as maiores do mundo.
Os tubarões-tigre, em particular, são frequentadores habituais da enseada de Shark Bay.
Estes enormes peixes predadores passam seus corpos de 4,5 m pelas ervas marinhas, pegando de vez em quando um imponente peixe-boi que está no caminho como refeição.
Embora a presença de tubarões-tigre seja uma ameaça para suas presas, esses predadores são cruciais para a saúde do ecossistema marinho que sustenta ambas as espécies.
Na verdade, apesar da conhecida reputação dos tubarões entre os humanos, eles também podem ser um aliado poderoso para conter as mudanças climáticas.
Tudo começa com os finos fios de ervas marinhas que balançam com as ondas na parte rasa de Shark Bay.
Esta erva marinha serve de alimento para os peixes-boi e dugongos — que consomem cerca de 40 kg de ervas marinhas por dia —, assim como para manatis e tartarugas-verdes.
Os dugongos, que podem pesar até 500 kg, são uma rica fonte de alimento para os tubarões-tigre.
Ao manter a população de peixes-boi sob controle, os tubarões-tigre em Shark Bay ajudam as pradarias marinhas a prosperar.
Uma pradaria marinha próspera armazena duas vezes mais CO² por milha quadrada do que as florestas normalmente armazenam em terra.
Mas, globalmente, o número de tubarões-tigre está diminuindo, incluindo algumas populações na Austrália.
Na costa nordeste de Queensland, estima-se que as populações de tubarões-tigre tenham caído em pelo menos 71%, devido principalmente à pesca predatória e à captura acidental.
Uma redução no número de tubarões-tigre significa mais ervas marinhas sendo consumidas por herbívoros, o que significa que menos carbono é sequestrado pela vegetação marinha.
No Caribe e na Indonésia, onde as populações de tubarões diminuíram, a pastagem excessiva por herbívoros, como tartarugas marinhas, já é uma ameaça profunda aos habitats de ervas marinhas — e levou a uma perda de 90 a 100% das ervas marinhas.
Além de significar que menos carbono é absorvido, a perda de ervas marinhas também torna o habitat menos capaz de se recuperar de eventos climáticos extremos causados por mudanças climáticas, como ondas de calor.
Uma das piores ondas de calor da Austrália Ocidental ocorreu em 2011, com a temperatura do oceano subindo até 5°C durante dois meses.
A onda de calor foi catastrófica para a espécie dominante de ervas marinhas da baía, a Amphibolis antarctica, que forma pradarias ricas e densas que retêm sedimentos e fornecem alimento para os herbívoros.
Mais de 90% da Amphibolis antarctica foi perdida, a maior perda conhecida em toda a baía.
Esta perda de ervas marinhas foi, perversamente, um deleite para os peixes-boi, que adoram um tipo de erva marinha tropical menor e mais difícil de encontrar, normalmente protegida pela alta e densa Amphibolis antarctica.
Quando as ervas marinhas tropicais estão mais acessíveis, os peixes-boi em seu entusiasmo são conhecidos por procurá-las de forma destrutiva, o chamado “forrageamento de escavação”, desenterrando os rizomas de suas ervas marinhas preferidas e tornando mais difícil para o denso leito da Amphibolis antarctica se recompor.
Em Shark Bay, os tubarões-tigre foram de alguma forma capazes de restaurar o equilíbrio, mantendo o número de peixes-boi baixo, e nem todas as ervas marinhas da baía foram perdidas.
Mas isso levantava a seguinte questão: e se os tubarões estivessem ausentes da baía — o ecossistema dominado pela Amphibolis antarctica sobreviveria?
Para descobrir, pesquisadores liderados por Rob Nowicki, da Universidade Internacional da Flórida, nos EUA, passaram um tempo no leste da Austrália, onde o número de tubarões era menor, e os peixes-boi pastavam praticamente sem serem perturbados.
Lá, os mergulhadores desceram e arrancaram as ervas marinhas, simulando a pastagem dos peixes-boi quando não havia predadores para detê-los— o entusiasmado e destrutivo forrageamento de escavação.
Sem dúvida, eles observaram uma perda rápida na cobertura de ervas marinhas, particularmente de Amphibolis antarctica, e o ecossistema começou a mudar para um cenário mais tropical, dominado por ervas marinhas tropicais.
“Aprendemos que, quando não é controlada, a pastagem dos dugongos pode destruir rapidamente grandes áreas de ervas marinhas quando realizam o forrageamento de escavação”, diz Nowicki.
Essas mudanças podem ser duradouras.
“Quando as ervas marinhas se recuperam, a comunidade de ervas marinhas parece diferente, com espécies diferentes dominando.”
Estas descobertas enfatizaram o papel que os tubarões estavam desempenhando em Shark Bay.
“Sem os tubarões-tigre controlando os dugongos, a baía provavelmente se converteria em sua maioria em ervas marinhas tropicais”, afirma Nowicki.
Se as populações de tubarões continuarem diminuindo no ritmo que estão ao redor do mundo, a resiliência dos ecossistemas oceânicos ricos em carbono a eventos climáticos extremos, como ondas de calor, provavelmente ficará comprometida, concluiu a equipe de Nowicki.
Dito isso, Becca Selden, professora assistente de Ciências Biológicas no Wellesley College, nos EUA, diz que as consequências para Shark Bay podem ser mais profundas do que para a maioria, devido ao seu ecossistema único.
“O forte efeito pode ter sido reforçado por sua cadeia alimentar comparativamente simples no ecossistema de ervas marinhas, em que os predadores limitam a pastagem por um megaherbívoro”, explica Seldon.
Em outras palavras, outros habitats costeiros podem não se sair tão mal quanto Shark Bay quando colocados sob pressão semelhante.
Além de manter o número de peixes-boi baixo e tornar os ecossistemas de ervas marinhas mais resistentes, os tubarões-tigre também desempenham outro papel crucial na manutenção da saúde do habitat.
Eles agem como fertilizantes potentes quando evacuam e quando morrem nas pradarias.
“Vertebrados longevos podem atuar como sumidouros de carbono quando o carbono consumido na superfície do oceano é transferido para o fundo do oceano por fezes e/ou carcaças que caem no fundo do mar”, diz Selden.
Esse fenômeno, conhecido como sequestro de carbono, é bem conhecido no caso das baleias, mas há pesquisas que mostram que os mesmos benefícios existem quando se trata de tubarões.
Um estudo conduzido por Jessica Williams, da Universidade Imperial College London, no Reino Unido, descobriu que os tubarões-cinzentos-dos-recifes, comumente encontrados em ecossistemas de recifes rasos, transferem nutrientes como nitrogênio para seus habitats por meio de matéria fecal.
Eles estimaram que a população de mais de 8 mil tubarões cinzentos no Atol de Palmyra fornecia cerca de 94,5 kg de nitrogênio por dia.
Como os tubarões-tigre em Shark Bay passam muito tempo caçando e se movendo pelos leitos de ervas marinhas, é provável que forneçam benefícios fertilizantes semelhantes a essas plantas.
“Os grandes tubarões pelágicos podem ser os colaboradores mais importantes para esse efeito, incluindo o tubarão-azul, o tubarão-mako e o tubarão-martelo”, afirma Selden.
Quando se trata de aumentar o número de tubarões, os conservacionistas enfrentam um adversário formidável: a indústria pesqueira.
De acordo com Nowicki e Selden, tem havido um movimento em direção a uma pesca mais sustentável, mas uma grande parte da indústria não modificou seus métodos, o que é um dos principais motivos pelos quais muitos superpredadores marinhos continuam em declínio.
A variação no rigor das leis de proteção animal entre os diferentes países também desempenha um papel nisso.
“Como muitos peixes predadores também são abrangentes, eles podem abranger as jurisdições de muitas nações, algumas das quais podem não protegê-los ou adotar práticas pesqueiras sustentáveis”, diz Nowicki.
Reduzir a pesca ilegal e não sustentável tem sido uma batalha difícil, embora os consumidores estejam se tornando mais conscientes do ponto de vista ambiental e escolhendo pescados sustentáveis, em vez de não sustentáveis.
“A gestão sustentável, coordenada e baseada no ecossistema da pesca é uma ferramenta importante para conservar esses predadores e seu papel ecológico. Os cidadãos comuns podem fazer isso se informando, lendo sobre ciência, exigindo que a pesca se torne ou permaneça sustentável e comprando frutos do mar sustentáveis”, sugere Nowicki.
Se você não tiver certeza de quais frutos do mar são realmente sustentáveis, o Marine Stewardship Council (MSC) avalia a pesca internacionalmente — portanto, se um distribuidor for certificado como sustentável, haverá um selo azul do MSC na embalagem.
E além de apoiar a pesca sustentável, Nowicki diz que a única maneira de proteger verdadeiramente a vida marinha é reduzindo nossas emissões globais de gases de efeito estufa.
“Em última análise, se vamos conservar nossos ecossistemas nos séculos que virão, precisaremos resolver as mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, cuidar da conservação das espécies.”
Mesmo se as populações de tubarões forem restauradas para números mais abundantes, sua contribuição para a mitigação e sequestro do carbono será apenas uma pequena parte no esforço para conter as mudanças climáticas.
Mas a abundância de tubarões tem um efeito em cascata inegável sobre os diversos ecossistemas marinhos que dependem de ervas marinhas abundantes e saudáveis de uma forma ou de outra.
Ao nivelar o campo de jogo ecológico, os tubarões estão fortalecendo esses ecossistemas contra a ameaça da mudança climática, para que possam viver para sequestrar carbono mais um dia.