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MapBiomas revela perda mais de 10% de vegetação nativa na Caatinga em 37 anos

MapBiomas revela perda mais de 10% de vegetação nativa na Caatinga em 37 anos

Imagens de satélite mostram que a Caatinga passou por um profundo processo de transformação entre 1985 e 2021. Um quarto (25,59%) de todas as áreas do bioma que foram modificadas pela ação do ser humano nos últimos 37 anos. Mais de 15% da área do bioma foi queimada, num total de 13.770 hectares. A redução de áreas naturais superou os 6 milhões de hectares, representando 10,54% da área mapeada em 1985. Ao mesmo tempo, a Caatinga perdeu mais de 160 mil hectares de superfície de água – um decréscimo de 16,75%. Com exceção de Sergipe, todos os estados da Caatinga tiveram redução de superfície de água. A redução ao longo do Rio São Francisco é visível.

O principal motor de avanço sobre a vegetação nativa foi a agropecuária, que ganhou 6,7% de território, ou 5,7 milhões de hectares. Em 37 anos, a agropecuária cresceu um quarto da sua área. No Ceará, por exemplo, o ganho de áreas de pastagens nesse período foi superior a 320%. Na Paraíba e no Rio Grande do Norte, as pastagens mais que dobraram (125% e 172%, respectivamente).

“A rápida transformação da Caatinga está provocando a transformação do bioma em algumas regiões”, explica Washington Rocha, coordenador da Equipe Caatinga do MapBiomas. “Mapeamos a região de Irauçuba, no Ceará, e detectamos a expansão de um núcleo de desertificação. Padrão semelhante foi observado em outros núcleos de desertificação, como em Cabrobó (PE), com tendência de expansão para leste, no sentido de Alagoas, e em Seridó (RN), verifica-se expansão para sul em direção à Paraíba. Além dos núcleos de desertificação, é possível monitorar com os dados do Mapbiomas as ASDs (áreas suscetíveis à desertificação), como Jeremoabo, na Bahia. Este é um exemplo de como a transformação da Caatinga coloca o bioma em risco”, completa.

A Caatinga conta com 30,5% de seu território, ou mais de 26 milhões de hectares, classificados como Reserva da Biosfera. Porém mesmo essa área teve perdas de 7,6%, que foram ocupadas por agricultura (2%) e pastagens (5,6%). Já as Unidades de Conservação (UCs) ocupam 9,01% do bioma, ou 7,8 milhões de hectares, e perderam 3,3% de sua área. agricultura e pastagem ganharam 1,42% e 2,06%, respectivamente.

Terreno de terra vermelha desmatado com vegetação rala ao fundo sob céu azul com nuvens brancas
O principal motor de avanço sobre a vegetação nativa foi a agropecuária, que ganhou 6,7% de território, ou 5,7 milhões de hectares | Foto: Camila de Almeida

Com mais de 844 mil quilômetros quadrados, ou quase 10% do território nacional, a Caatinga se estende por nove estados estados. Destes, cinco têm mais de 50% de seu território no bioma: Bahia, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Este último é o único que fica integralmente dentro do bioma. O estado com maior área de Caatinga (40,7% do bioma) é a Bahia.

Pesquisadores mostram preocupação

O professor Bartolomeu Israel de Souza, do Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) vê com muita preocupação os dados apresentados pelo MapBiomas: “Essa perda, não apenas em cobertura vegetal nativa, mas também em superfície de água, infelizmente ocorre há vários anos, fruto de todo um processo de desmatamento e, consequentemente, intensificação dos processos erosivos que acabam assoreando cada vez mais os corpos hídricos, em especial açudes, o que acaba fazendo com que a capacidade de reter água diminua ao longo do tempo. Isso tem acontecido no bioma como um todo. É uma coisa perceptível por demais em todos os estados”.

O pesquisador acompanha de perto a variação da cobertura vegetal na Paraíba há décadas: “especificamente aqui na região do Cariri paraibano onde eu desenvolvo meus trabalhos, tal como o MapBiomas, desde a década de 1980 monitoramos essa questão de cobertura vegetal e recursos hídricos e percebemos isso também. As maiores áreas de perda recente de cobertura vegetal na Caatinga estão mais a oeste do bioma, no eixo formado pela Bahia e Piauí, onde tem avançado cada vez mais o agronegócio, desmatamento para poder substituir a cobertura vegetal nativa por soja, entre outras coisas, o que acaba requerendo também uma série de ações para poder obter mais água porque, de toda forma, é uma região que tem alguma seca. Enfim, os danos são terríveis”.

E alerta para o avanço do processo de desertificação: “Tal como constata o MapBiomas, nós também temos percebido aqui na Paraíba um aumento das áreas desertificadas e, necessariamente, desertificação não significa terra nua, embora em muitos casos também seja assim. Mas significa principalmente uma diminuição da biodiversidade. As perdas são a partir dessa redução da cobertura vegetal e da intensificação dos processos erosivos e de redução de corpos hídricos, o que é perigoso não só para o momento que estamos vivenciando, mas para as previsões climáticas futuras de diminuição das chuvas na Caatinga. Algo tem que ser feito para diminuir esses processos, tanto de desmatamento como erosão, o que implica em ações de gestão mais fortes e relacionadas a formas de uso econômico mais sustentável do desse bioma tão importante para o Brasil”.

Homem de costas vestido com calças jeans, camisa de manga comprida arregaçada azul clara, bota marrom e chapéu de palha, em terreno de terra avermelhada pedregosa em meio a vegetação rala
A extração de lenha, o uso do fogo e a pecuária extensiva têm tido grandes impactos e gerado desmatamento e desertificação no bioma Caatinga | Foto: Camila de Almeida

O professor Carlos Roberto Fonseca, do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), reafirma que o relatório ambiental publicado pelo MapBiomas deixa claro uma trajetória de destruição dos nossos bens naturais entre 1985 e 2021 e evidencia que o atual modelo econômico do agronegócio é insustentável a longo prazo e que evidencia também que todos os nossos biomas estão desaparecendo para dar lugar à pecuária extensiva e a agricultura.

“O ambiente seco da Caatinga tem protegido o bioma das grandes monoculturas, mas, em compensação, a extração de lenha, o uso do fogo e a pecuária extensiva têm tido grandes impactos, gerado desmatamento e desertificação. Segundo o relatório, nós perdemos 10% da Caatinga desde 1985, uma percentagem similar ao que foi perdido na Amazônia. Deve-se ressaltar, no entanto, que em outros biomas a situação foi ainda pior, como o Cerrado que perdeu 20% de sua área nativa e o Pampa que perdeu 30%”, constata.

O pesquisador também destaca a questão da desertificação e faz uma importante ressalva: “na Caatinga, as áreas desertificadas têm aumentado muito, o que inviabiliza qualquer uso econômico destas regiões. Ou seja, o nosso modelo atual de ocupação da terra está comprometendo o nosso presente e o nosso futuro. Na realidade, a situação da Caatinga é bem mais preocupante do que aparece no relatório, pois grande parte que aparece na análise como área nativa, na realidade inclui tanto ambientes preservados como também vegetação em regeneração e florestas secundárias”.

O pesquisador também faz um balanço das perdas de serviços ecossistêmicos em contraponto a uma aparente prosperidade do modelo econômico que avança sobre o bioma: “o agronegócio tem sido apresentado como um setor de grande sucesso para a economia brasileira, mas o relatório do Mapbiomas nos mostra que este ganho econômico é obtido com a perda de nossas matas nativas, da biodiversidade, de fármacos e produtos naturais ainda não explorados, do nosso potencial turístico e sacrifício da nossa segurança alimentar e hídrica”.

E propõe saídas para o desenvolvimento que permita prosperidade para as atuais e futuras gerações: “Para reverter esta situação temos que nos reinventar e repensar nossos valores e prioridades. Nossa Constituição determina que a natureza é um bem comum. Se vamos abrir mão deste bem, temos que estar convencidos de que vale a pena. Muitas vezes ouvimos que o Brasil é “celeiro do mundo”, mas o nosso agronegócio não está conseguindo alimentar nem mesmo a população brasileira. E o pior é que o recurso gerado pelo agronegócio, muitas vezes por meio de incentivos fiscais públicos, tem gerado mais concentração de renda e poucos benefícios socioambientais. O que precisamos é de novos modelos de produção desenvolvidos em harmonia com o meio ambiente e que gerem bem-estar social”.

Amplo monitoramento

O MapBiomas é uma iniciativa multi-institucional, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, focada em monitorar as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil, para buscar a conservação e o manejo sustentável dos recursos naturais, como forma de combate às mudanças climáticas. Esta plataforma é hoje a mais completa, atualizada e detalhada base de dados espaciais de uso da terra em um país disponível no mundo. Todos os dados, mapas, métodos e códigos do MapBiomas são disponibilizados de forma pública e gratuita no site da iniciativa.

SERVIÇO

Projeto MapBiomas – Mapeamento Anual de Cobertura e Uso da Terra no
Brasil – Coleção 7, acessado em 08/10/2022, por meio deste link
Saiba mais em mapbiomas.org