Já peguei covid e me vacinei. Posso voltar à vida normal de 2019?

Infelizmente, segundo especialistas, a resposta é que não
Já se passaram dois meses desde que a identificação da variante ômicron no continente africano foi comunicada para a Organização Mundial da Saúde (OMS). Considerada como variante de preocupação, a cepa tem uma alta transmissibilidade e gerou uma nova onda de casos e de internações, mas se demonstrou menos agressiva do que as anteriores.
O vírus, cujos estudos indicam que pode ser transmitido de um a dois dias antes do aparecimento dos sintomas, chegou ao Brasil em um momento em que a vacinação de reforço já estava em andamento. A combinação de sintomas mais brandos do que outras variantes, na maioria dos casos, e o avanço da vacinação geram dúvidas sobre a necessidade da manutenção de tantos cuidados e se já não é possível de retomar o estilo de vida de antes de março de 2020.
Tânia Vergara, médica infectologista e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) é enfática. “Não estamos e não sabemos quando estaremos numa situação de normalidade como antes de março de 2020. A pandemia continua ativa, praticamente no mundo todo“. A posição é reforçada pela médica Flávia Bravo, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). “Para quem teve covid e passou o período de isolamento estando vacinado ou não, ou mesmo que tenha passado por covid no início da pandemia, é preciso ficar claro: Vida normal nos moldes que conhecíamos não vai voltar no curto prazo“, diz.
A necessidade da manutenção dos cuidados se deve, segundo a representante da SBI, pela presença da variante que, por ter muitas mutações, adquiriu uma capacidade de transmissão muito maior. “Apesar de a população não estar 100% susceptível, como no início da pandemia, não podemos esquecer que as vacinas foram desenvolvidas com base no SARS-COV-2 original e a ômicron consegue escapar e provocar infecção mesmo naqueles que se vacinaram. O que podemos fazer para reduzir a transmissão da doença é mantermos as medidas de proteção, como uso de máscaras, higiene das mãos e evitar aglomerações”, explica Tânia.
“Sabemos que nenhuma vacina tem 100% de proteção, e que existe uma duração de proteção do imunizante. Mesmo aqueles que tiveram doença e aqueles que já foram vacinados precisam continuar com as orientações de evitar lugares aglomerados e usar a máscara, principalmente em transporte público. Esse é o normal hoje“, complementa Flávia.
Então, quando voltaremos à vida que conhecíamos?
“Muitas pesquisas estão em andamento para o desenvolvimento de vacinas que impeçam a infecção e é com elas que contamos para que a covid-19 deixe de ser uma doença epidêmica como é hoje. Até lá, é preciso manter as medidas não farmacológicas de proteção e observar rigorosamente o calendário vacinal que vem livrando a maior parte das pessoas de doença grave e óbito”, esclarece Tânia Vergara.
Enquanto isso não acontece, quando estou liberado para realizar atividades caso teste positivo?
Pela última atualização do Guia de Vigilância Epidemiológica, o período de isolamento exigido de pacientes com quadro leve ou moderado de covid-19 passou de dez para sete dias. Ainda assim, para retomar o contato com outras pessoas, a médica Flávia Bravo defende que a recomendação mais segura é voltar ao convívio depois de dez dias a partir do início dos sintomas, desde que com a 24 horas sem febre. Ou dez dias a partir de ter o diagnóstico positivo por exame RT PCR ou teste de antígeno, ou em prazo, de ao menos cinco dias, somente se já tiver um novo teste dando resultado negativo.
“Existem protocolos que podem ser determinados por empresas e por serviços de saúde em que esse período pode ser abreviado para sete dias, desde que a pessoa durante esses três dias adicionais permaneça usando máscara adequada, a Pff2. Mas com a variante ômicron circulando, é preciso evitar sair de casa enquanto houver sintoma respiratório, evitar aglomeração e contato com pessoas vulneráveis, como idosos e pessoas com comorbidades”.
Tânia Vergara, da SBI, ainda ressalta outra razão para o cumprimento do isolamento. “A elevada transmissibilidade faz com que muitas pessoas adoeçam. Não há sistema de saúde que resista a um enorme afluxo de pessoas no mesmo momento. Além de tudo, ainda temos um enorme contingente de profissionais de saúde que estão doentes. Não há como reduzir o número de pessoas acometidas se houver desrespeito às regras básicas para reduzir a transmissão”.
Para pessoas que estejam em tratamento de quimioterapia ou hemodiálise, transplantados, portadores de HIV, entre outras doenças e condições clínicas, chamados de imunossuprimidos, há uma orientação adicional, especialmente para os casos de sintomas mais acentuados, segundo Ekaterini Simões Goudouris, diretora da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI).
“Se a pessoa está muito sintomática e com febre, o período de afastamento deve ser maior. Muitas pessoas imunossuprimidas propagam o vírus por mais tempo e necessitam repetir os testes para avaliar se já estão negativas antes de sair do isolamento. Estes pacientes devem estar sempre sendo acompanhados por médicos”, diz.
Vacinado e positivado: devo fazer algum exame de saúde para verificar possíveis sequelas?
Depende. A médica infectologista Bárbara Billwiller lembra que há estudos que indicam que uma das características da ômicron é o acometimento pulmonar mais leve do que as demais variantes, ou seja, o vírus se concentra nas células do sistema respiratório superior. Na avaliação da especialista, uma pessoa sem comorbidades, a princípio, não precisa passar por exames mais específicos depois do fim dos sintomas e passado os dias de isolamento.
Já no caso de pessoas imunossuprimidas, vai depender de cada paciente. O Grupo de Trabalho da Asbai para covid-19 explica a partir do seguinte exemplo: uma paciente que tenha trombofilia, tendência a formar trombos, e que tenha apresentado aumento importante da inflamação, deve ser monitorada clínica e laboratorialmente mais de perto e realizar exames específicos. “Cada paciente é diferente e deve ser abordado de maneira individual”, diz a médica da entidade.
Em relação às crianças, os pais precisam ter atenção especial. A médica infectologista Tânia Vergara salienta que mesmos em casos de doença leve ou mesmo sem sintomas, elas podem apresentar problemas de saúde como a Síndrome Inflamatória Multissistêmica- Pediátrica (SIM-P). “A SIM-P não aparece na fase aguda da infecção da criança e sim duas ou três semanas após e pode levá-la ao óbito”, alerta a médica.
Imunocomprometidos com covid antes da quarta dose de reforço exclui a necessidade da dose extra?
Para a população em geral com esquema vacinal completo, o reforço vem com a terceira dose do imunizante. Já para os imunocomprometidos, o Ministério da Saúde definiu, em dezembro, a aplicação da quarta dose.
Apesar de alguns estudos indicarem a possibilidade de uma “superimunidade” pela combinação da vacina e com a infecção, como apontado pela Universidade Oregon, nos EUA, a médica Ekaterini Simões Goudouris lembra que ainda não há um exame que detecte a presença de imunidade. “A resposta imunológica é individual. Ainda que seja provável que sim, na dúvida, vacinam-se todos”.