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Indústria do plástico engana público sobre reciclagem há 50 anos, diz relatório

Indústria do plástico engana público sobre reciclagem há 50 anos, diz relatório

Investigação do Center for Climate Integrity revela que empresas sabem há décadas que o método não é tecnicamente ou economicamente viável, mas, mesmo assim, decidiram promovê-lo

As grandes petrolíferas e a indústria de plásticos têm promovido enganosamente a reciclagem como uma solução para a gestão de resíduos plásticos há mais de 50 anos, apesar do seu conhecimento de longa data de que este processo não é tecnicamente ou economicamente viável em escala. Essa é a conclusão do relatório “A Fraude da Reciclagem de Plásticos”, elaborado pelo Centro para a Integridade Climática (CCI, na sigla em inglês).

A investigação do grupo, que atua na defesa da responsabilização dos combustíveis fósseis, foi baseada em pesquisas novas e antigas e afirma que essas companhias, “de forma independente e através das suas associações comerciais e grupos de fachada, envolveram-se em marketing fraudulento e campanhas de educação destinadas a enganar o público sobre a viabilidade da reciclagem de plástico como solução para resíduos plásticos”.

O documento pontua que seus esforços protegeram e expandiram eficazmente os mercados de plástico, ao mesmo tempo que paralisaram a ação legislativa ou regulamentar que abordaria significativamente o problema do material no mundo.

As empresas de combustíveis fósseis e outras empresas petroquímicas usaram a falsa promessa de reciclagem de plástico para aumentar exponencialmente a produção de plástico virgem ao longo das últimas seis décadas, criando e perpetuando a crise global dos resíduos plásticos e impondo custos significativos às comunidades que são deixadas a pagar pelas consequências.
— Trecho do relatório “A Fraude da Reciclagem de Plásticos”

A organização complementa que os envolvidos devem ser responsabilizados pela sua campanha de engano. “As empresas mentiram”, afirmou Richard Wiles, presidente da organização, ao jornal The Guardian. “É hora de responsabilizá-los pelos danos que causaram.”

Indústria promoveu campanhas mesmo sabendo dos fatos

A reportagem destaca que, na década de 1950, os produtores de plástico tiveram a ideia da descartabilidade para garantir um mercado em constante crescimento para os seus produtos.

“Eles sabiam que se se concentrassem em [plásticos] de utilização única, as pessoas comprariam, comprariam e comprariam”, observou Davis Allen, investigador do CCI e principal autor do relatório.

Em uma conferência industrial em 1956, a Sociedade da Indústria de Plásticos, agora conhecida como Associação da Indústria de Plásticos, disse aos produtores para se concentrarem em “baixo custo, grande volume” e “dispensabilidade”.

Nos anos seguintes, informou ao público que os plásticos poderiam simplesmente ser jogados em aterros sanitários ou queimados em incineradores de lixo. Mas, a partir da década de 1980, quando os municípios começaram a considerar a proibição de sacolinhas plásticas e outros produtos feitos do material, a indústria começou a promover a reciclagem como solução.

E desde aquela época as empresas já sabiam que não se tratava de um processo viável, como demonstra o relatório. Por exemplo, documentos internos da associação comercial Vinyl Institute datados de 1986 já apontavam que “a reciclagem não pode ser considerada uma solução permanente de resíduos sólidos [para plásticos], pois apenas prolonga o tempo até que um item seja eliminado”.

Investimentos na reciclagem

Apesar disso, a Sociedade da Indústria do Plástico criou na mesma década a Fundação para a Reciclagem de Plásticos, que reunia empresas petroquímicas e engarrafadoras, e lançou uma campanha focada no compromisso do setor com a reciclagem.

Ao mesmo tempo, apresentou o símbolo da reciclagem (“flechas de perseguição”) – hoje mundialmente conhecido – e estabeleceu um centro de pesquisa em reciclagem de plásticos na Universidade Rutgers, em Nova Jersey.

Outros grupos também fizeram seus movimentos, como o Council for Solid Waste Solutions, que criou um projeto-piloto de reciclagem em Minnesota, onde o conselho municipal havia votado pela proibição do plástico poliestireno (isopor).

Mas, a portas fechadas, o que se pregava era que a reciclagem não era uma solução real. Segundo o The Guardian, em 1994, um representante da Eastman Chemical falou em uma conferência da indústria sobre a necessidade de uma infraestrutura adequada para a reciclagem de plástico.

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“Comprometidos com as atividades, não com os resultados”

“Embora algum dia isso possa ser uma realidade, é mais provável que acordemos e percebamos que não vamos reciclar para sair da questão dos resíduos sólidos”, disse ele.

No mesmo ano, um funcionário da ExxonMobil, maior produtora mundial de polímeros plásticos descartáveis, disse o seguinte aos funcionários do Conselho Americano de Plásticos: “Estamos comprometidos com as atividades [de reciclagem de plásticos], mas não comprometidos com os resultados”.

O relatório do CCI não alega que as empresas violaram leis específicas, mas a coautora e advogada Alyssa Johl suspeita que violaram as proteções contra incômodo público, extorsão e fraude ao consumidor.

Nos últimos anos, grupos de pressão da indústria promoveram a chamada reciclagem química, que decompõe os polímeros plásticos em pequenas moléculas para produzir novos plásticos, combustíveis sintéticos e outros produtos.

Mas, de acordo com o documento, as companhias também sabem que este método não é a solução ideal para os resíduos plásticos. Tanto que, em uma reunião comercial em 1994, Irwin Levowitz, vice-presidente da Exxon Chemical, o classificou como “processo fundamentalmente antieconômico”.

“Este é apenas mais um exemplo, uma nova versão, do engano que vimos antes”, pontou o investigador Allen, do CCI.

O setor criticou o relatório. Matt Seaholm, presidente e CEO da Associação da Indústria de Plásticos, comentou que ele foi criado por uma organização ativista anti-reciclagem e desconsidera os incríveis investimentos em tecnologias de reciclagem feitos pela nossa indústria.”

“Como é típico, em vez de trabalharem juntos em busca de soluções reais para lidar com os resíduos plásticos, grupos como o CCI optam por lançar ataques políticos em vez de soluções construtivas”, analisou. “Infelizmente, eles usam informações desatualizadas e alegações falsas para continuar a enganar o público sobre a reciclagem.”