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Entenda o que é o fenômeno La Niña, que promete influenciar o inverno no Brasil

Entenda o que é o fenômeno La Niña, que promete influenciar o inverno no Brasil

La Niña faz com que haja mais chuva nas regiões Norte e Nordeste, enquanto o Sul tem períodos maiores de estiagem

Enquanto cientistas climáticos se dedicam a fazer projeções e entender os efeitos que a mudança do clima causará no futuro, muitos dos acontecimentos naturais que já são conhecidos são estudados há décadas, como o La Niña, por exemplo.

No final de 2021, o fenômeno La Niña se formou e passou a influenciar no clima de diferentes regiões do planeta. Neste inverno, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o La Niña deve contribuir para que as regiões Norte e Nordeste passem por três meses com chuvas acima da média.

O episódio é conhecido por ser o oposto do El Niño – enquanto a versão masculina representa o aumento da temperatura das águas no Oceano Pacífico Equatorial, a versão feminina ocorre quando caem as temperaturas das águas na mesma região.

A dupla faz parte do fenômeno atmosférico oceânico conhecido como El Niño Oscilação Sul (ENOS). Segundo a meteorologista do Climatempo, Josélia Pegorim, o La Niña é a fase fria do ENOS. “Isso significa que a água da porção central e leste do Oceano Pacífico Equatorial está com a temperatura abaixo da média”, disse. De acordo com o meteorologista e coordenador-geral do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Marcelo Seluchi, a atmosfera influencia o oceano e vice-versa. “Um potencializa o outro. O La Niña se manifesta por um esfriamento das águas do Pacífico Equatorial associado a uma mudança dos ventos. O vento possibilita o resfriamento das águas, enquanto as águas mais frias possibilitam a modificação dos ventos. É um círculo vicioso em que um elemento empurra o outro ao longo de meses”, afirma ele.

Quando o La Niña se forma, os ventos alísios, que sopram na região da linha do Equador de leste para oeste são mais intensos. De acordo com Seluchi, esse movimento dos ventos faz com que aconteça a ressurgência de águas profundas. A água sai das profundezas do oceano para a superfície – com a temperatura mais baixa, o ciclo interfere na queda da temperatura da superfície, o que caracteriza o La Niña. Além das alterações de temperatura, as águas que afloram para a superfície trazem um elevado teor de nutrientes e fitoplâncton, que atraem muitos peixes. Por sua vez, as águas quentes do El Niño são ruins para a pesca. E uma curiosidade: o fenômeno foi batizado dessa forma por pescadores que acreditavam que a falta de pescado era uma pausa necessária relacionada ao menino Jesus no período natalino.

Seja durante o La Niña ou o El Niño, a queda ou o aumento da temperatura das águas tem como referência as médias históricas de períodos sem as anomalias. Isso significa que a variação na temperatura interfere também no regime de chuvas global. Durante o La Niña, a região do Pacífico fica mais fria e o clima se torna mais seco e estável. Consequentemente, há menos chuva naquela área. Porém, a umidade se dissipa para outras regiões. “Por compensação, a chuva se distribui de forma diferente”, disse Seluchi. No Brasil, o La Niña faz com que haja mais chuva nas regiões Norte e Nordeste, enquanto o Sul tem períodos maiores de estiagem.

Apesar de serem anomalias, essas variações são conhecidas há muitos anos e é possível identificar com meses de antecedência quando os episódios vão ocorrer e preparar a sociedade para eles. Uma das áreas mais impactada é a agropecuária, que depende do regime de chuvas para prosperar. De acordo com o gerente sênior de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), André Ferretti, os agricultores devem acompanhar as informações sobre a intensidade do fenômeno e tomar medidas para sofrerem menos impacto. “Ao pensar em regiões que sofrem com ausência de água e solo mais quente e seco, é preciso que os produtores escolham sementes de melhor qualidade, acompanhem as temperaturas e a possibilidade de chuvas”, disse. “Além disso, é importante fortalecer o solo para garantir uma nutrição melhor das plantações. É indispensável optar por cultivar espécies mais resistentes e com mais tecnologia”.

Ferretti destaca que o La Niña pode durar entre 9 e 12 meses – em alguns casos, o fenômeno pode se estender por até dois anos. O intervalo entre as ocorrências costuma ser de 2 a 7 anos e os episódios nunca são iguais. Segundo Seluchi, do Cemaden, o El Niño e o La Niña são muito previsíveis. O que ainda é incerto é entender como esses sistemas se comportarão com o aumento da temperatura do planeta e as mudanças climáticas. Segundo Seluchi, há pesquisas que indicam que o El Niño será mais frequente, enquanto o La Niña aparecerá menos. “O próprio aquecimento da Terra poderá resultar no El Niño, pois o oceano tende a se manifestar dessa forma. É o que teremos para o futuro”, disse. Além da frequência, outra questão poderá ser a intensidade. Para Ferretti, a mudança do clima já demonstra a intensificação da força e da frequência de eventos climáticos extremos. “Poderemos ter, em anos de La Niña, secas ainda mais intensas na região Sul, com chuvas ainda mais fortes nas regiões Norte e Nordeste. E o cenário poderá se inverter em anos de El Niño”, disse.