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Energia limpa e reciclagem: o olhar estratégico para o lixo

Energia limpa e reciclagem: o olhar estratégico para o lixo

O Brasil precisa de um olhar mais estratégico para o lixo. Dados do SINIR (Sistema Nacional sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos) apontam que apenas 37% dos municípios brasileiros dão destinação ambientalmente adequada para seus resíduos.  Em paralelo a este desafio, há o aquecimento global provocado pelas emissões de carbono. Cerca de 79% das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) no planeta são de empresas de energia, indústria e transporte. A solução para os dois problemas está justamente no gerenciamento de resíduos sustentáveis, tanto nos centros urbanos quanto nos setores agropecuários.

Os números da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren) reforçam a necessidade deste olhar estratégico. Mais da metade do lixo produzido no país, levando em consideração apenas os grandes centros urbanos, poderia gerar energia elétrica para cerca de 100 milhões de pessoas, segundo pesquisa realizada pela associação. Mas o potencial do lixo não para na geração de eletricidade para o consumo das famílias.

Os aterros sanitários urbanos são a matéria-prima para a produção do biometano, um combustível 100% renovável, fabricado a partir de resíduos sólidos urbanos. Autoridades como a ONU o consideram a principal opção para as empresas avançarem em suas jornadas Net Zero e reduzirem suas emissões, principalmente nas operações de suas fábricas e no transporte logístico de seus empreendimentos.

No maior aterro sanitário da América Latina, localizado em Seropédica, município do estado Rio de Janeiro, o biometano já é realidade. A partir de 10 mil toneladas de lixo que chegam diariamente da Região Metropolitana do Rio, são produzidos cerca de 130 mil m³/dia do biocombustível. Além de evitar que o metano, gás 25 vezes mais poluente do que o dióxido de carbono (CO₂), chegue na atmosfera, o tratamento correto ao resíduo abastece carros e caminhões. E, também, fornece energia a parques industriais complexos, como os cervejeiros e metalúrgicos. Tudo isso sem emissão de gases de efeito estufa.

Estudos da Associação Brasileira do Biogás (ABiogás) apontam que o biometano tem potencial para substituir quase 40% da demanda nacional de energia elétrica. E vai além: poderia suprir até 70% do consumo de brasileiro de diesel, evitando novas emissões. Em um país movido basicamente pelo modal rodoviário, a substituição é o ponto de virada rumo à transição energética e à jornada Net Zero.

Falando em transição, os números oficiais sobre o potencial nacional deixam o Brasil em vantagem global. Atualmente, o país apresenta o maior potencial energético de biogás do mundo, ainda de acordo com a ABiogás. Levando em consideração os setores sucroenergético, proteína animal, produção agrícola e saneamento, a produção pode chegar a 43,2 bilhões Nm³/ano de biogás, que pode ser transformado em biometano ou utilizado para a geração de energia elétrica.

Em Mato Grosso, numa área de 430 km2, os dejetos de mais de 550 mil suínos por ano são transformados em cerca de 3MW de energia elétrica. Com a destinação correta dos resíduos, a propriedade rural chega a produzir quase a totalidade da energia que consome, evitando mais de 3.600 toneladas por ano de metano na atmosfera.

Vale ressaltar os benefícios da geração de energia elétrica a partir de dejetos da agropecuária. Quando transformados em energia limpa e renovável, o biogás promove a economia circular na propriedade e passa a ser a solução correta para tratar passivos ambientais e acelerar a transição da matriz energética.

Mas, para chegar no patamar dos 43,2 bilhões Nm³/ano de biogás que o Brasil tem condições de produzir, seja a partir de resíduos de propriedades rurais ou urbanas, é preciso adotar práticas de gerenciamento mais sustentáveis para esse “lixo”. São soluções simples e inovadoras, que podem nortear nossa política energética e de saneamento, como a triagem, a reciclagem, a compostagem e a própria valorização do potencial energético do lixo. Isso sem mencionar que a correta separação dos resíduos ajuda na reinserção de matéria-prima no ciclo produtivo, evitando a produção de novos plásticos e metais, e promovendo a economia circular. É preciso ter políticas públicas adequadas para o manejo dos resíduos e incentivo para o desenvolvimento de tecnologias ainda mais eficientes.

O mundo, e em especial o Brasil, precisam pensar de forma estratégica e responsável para o lixo. A recuperação energética de resíduos oferece solução imediata aos principais desafios do planeta: dar destinação eficiente e renovável ao lixo produzido por uma população mundial que não para de crescer e, ao mesmo tempo, criar uma fonte de energia limpa, considerada 100% renovável. Tudo em prol de um planeta mais limpo e sustentável. As futuras gerações agradecem.