Anchor Deezer Spotify

Dia Mundial do Combate à Desertificação e à Seca: conheça cinco projetos de restauração do solo

Dia Mundial do Combate à Desertificação e à Seca: conheça cinco projetos de restauração do solo

Até 2050, as secas poderão afetar mais de três quartos da população mundial.

Atualmente, 40% da área do planeta está degradada, impactando mais de 3 bilhões de pessoas, cerca de metade da humanidade, de acordo relatório da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação.

Até 2050, as secas poderão afetar mais de três quartos da população mundial. Em duas décadas, cerca de 135 milhões de pessoas poderão ser deslocadas como resultado da desertificação, que causa mais mortes e deslocamentos do que qualquer outro desastre natural, e 1,8 bilhão sofrerão com escassez absoluta de água, segundo a ONU.

Metade do PIB mundial (cerca de 44 trilhões de dólares) está em risco pela perda da qualidade do solo e os serviços prestados por ele, como regulação do clima, fornecimento de água e de alimentos, de acordo com a pesquisa.

O setor de uso da terra representa quase 25% do total de emissões globais. As principais causas da desertificação e da seca são humanas, incluindo a mudança climática, a expansão da agricultura, das cidades e das infraestruturas.

Para combater o aumento global de temperatura e os demais impactos da desertificação e da seca, é preciso conservar, restaurar e usar a terra de forma sustentável. Segundo a ONU, a restauração dos solos de ecossistemas degradados tem o potencial de armazenar até 3 bilhões de toneladas de carbono anualmente.

Governos em todo o mundo mantêm a promessa de restaurar 1 bilhão de hectares degradados até 2030 a um custo de 1,6 trilhão de dólares nessa década. A mudança poderia gerar 1,4 trilhão de dólares extras na produção agrícola por ano.

Neste 17 de junho, Dia Mundial do Combate à Desertificação e à Seca, a temática das Nações Unidas destaca o papel das mulheres. A seguir, conheça iniciativas que buscam restaurar a saúde dos solos e de seus ecossistemas. Elas vão de planos robustos e transfronteiriços de restauração de milhões de hectares de terras, passando pelo resgate de conhecimentos ancestrais agrícolas e pela construção de corredores verdes para espécies migratórias em extinção.

1. Grande Muralha Verde – Sahel africano

A proposta liderada pela África é épica: construir a maior muralha natural do mundo, com 8 mil quilômetros de extensão ao longo do continente. Lançado pela União Africana em 2007 e contando atualmente com apoio de 22 países africanos, o enorme cinturão de terras verdes e produtivas deve abarcar toda a extensão do Sahel, do Senegal ao Djibouti.

A mudança climática está tendo um impacto devastador nessa faixa que separa o deserto do Saara da savana do Sudão, tornando as secas mais comuns e aprofundando o avanço do deserto, o que resulta em mais pobreza, conflitos e migrações.

Desde a década de 1970, o Sahel tem sido fortemente afetado pela seca recorrente. A estimativa é de que a nova cobertura vegetal contribua para dobrar o volume de chuva nessa área, além de diminuir a intensidade dos ventos e a média da temperatura na região.

A iniciativa ajuda a mitigar os efeitos da mudança climática, e evita que a desertificação continue ameaçando comunidades e ecossistemas já vulneráveis, garantindo habitat para plantas e animais silvestres, além de segurança alimentar, hídrica e financeira através da criação de empregos.

Até o momento, o projeto soma cerca de 20 milhões de hectares de solos degradados recuperados, entre savanas, pastagens e terras agrícolas. Suas atividades contribuíram para a criação de 350 mil empregos, a participação de 10 milhões de pessoas em treinamentos de práticas sustentáveis de gestão de terra e água e a geração de 90 milhões de dólares.

Para 2030, as metas são restaurar 100 milhões de hectares, sequestrar 250 milhões de toneladas de carbono e criar 10 milhões de postos de trabalho. Quando estiver pronta, a Grande Muralha Verde será a maior estrutura viva do planeta, com o triplo do tamanho da Grande Barreira de Corais.

O projeto, que inspirou um documentário produzido em colaboração com o cineasta brasileiro Fernando Meirelles, arrecadou mais de 8 bilhões de dólares com organizações internacionais, como o Banco Mundial. A ONU estima que cerca de 30 bilhões de dólares ainda serão necessários para atingir as ambiciosas metas.

Em Burkina Faso e no Níger têm ganhado destaque práticas como o replantio de vegetação nativa, o controle de espécies invasoras e a contenção do deserto. No Níger, por exemplo, a população de girafas aumentou para 730 animais, em 2021, ante 50 cinco anos antes. Por lá, 1,2 milhão de hectares de terra foram restaurados e a meta é chegar a 2,5 milhões de hectares em sete anos. Já em Burkina Faso, 835 mil hectares de terra foram restaurados e o plano é atingir 2,6 milhões de hectares até 2030.

Nos dois países, agricultores empregaram uma técnica tradicional para recuperar terras degradadas e prevenir a desertificação. Eles cavam buracos ou valas em forma de meia-lua. Também chamadas de “poços zai”, as valas captam a escassa água da chuva e a direcionam para o crescimento das plantas.

Outro método comprovado é a regeneração natural assistida que envolve o cercamento de áreas de terra para proteger árvores e outras vegetações de animais que pastam e de desmatadores. Preservadas, essas áreas e suas sombras promovem condições ideais para a agricultura e a criação de abelhas, garantindo renda e subsistência à população local.

2, 20×20 – América Latina e Caribe

Lançada em 2014, durante a COP 20, realizada em Lima, no Peru, a iniciativa 20×20 abrange 18 países da América Latina e Caribe. Seu objetivo é restaurar 50 milhões de hectares até 2030, uma área equivalente à soma da Nicarágua e do Paraguai.

Atualmente, são mais de 100 projetos ativos compreendendo 23 milhões de hectares em restauração do solo e conservação, com apoio de governos, empresas e organizações técnicas. Fundos aportam 3 milhões de dólares de investimento privado no projeto.

Segundo a iniciativa, a região é chave para avançar na questão da recuperação do solo e o combate à mudança climática no mundo. Isso porque, apesar da América Latina e do Caribe concentrarem alguns dos ecossistemas florestais mais valiosos ecologicamente do planeta, 40% dos bosques da região estão totalmente desmatados ou degradados. As principais causas disso são a expansão agrícola, infraestrutura mal-planejada e o garimpo.

Estima-se que 58% das emissões de gases de efeito estufa na América Latina e no Caribe são provenientes da mudança de uso da terra e da agricultura. Apenas em 2020, a região perdeu 5,8 milhões de hectares de cobertura florestal, uma área superior à da Costa Rica, segundo o Global Forest Watch.

Para resolver esses problemas, a iniciativa se baseia em uma série de estratégias. Nas áreas naturais, o reflorestamento (natural e assistido) e evitar a degradação e o desmatamento ajudam a proteger a biodiversidade e armazenar carbono. Em terras agrícolas, o projeto trabalha para aumentar o rendimento dos cultivos enquanto protege as fontes de água e a saúde do solo através de sistemas de agrofloresta e silvopastagem (criação de animais em áreas arborizadas), o manejo sustentável de pastagens e outras técnicas de baixo carbono.

De acordo com a ONG World Resources Institute (WRI), uma das apoiadoras, as práticas agrícolas e florestais sustentáveis podem agregar até 1.140 dólares ao valor de um hectare de terreno restaurado. Assim, seriam capazes de sustentar a crescente demanda por produtos básicos e, ao mesmo tempo, gerar empregos em atividades que mantêm e aumentam a cobertura florestal, defendem os organizadores da 20×20.

Além disso, o uso sustentável da terra pode contribuir para a resiliência de comunidades vulneráveis diante da mudança climática, aumentando sua adaptabilidade a climas extremos e mitigando o impacto de desastres naturais.

A iniciativa cita pesquisas científicas segundo as quais metade da biodiversidade mundial está na América Latina. Dessa forma, a proteção de seus ecossistemas é fundamental para preservar a flora e fauna endêmicas, ou seja, que só existem no continente. A restauração pode ainda aumentar a produtividade e a segurança alimentar de aproximadamente 49 milhões de pessoas desnutridas na América Latina e no Caribe.

Faz parte da 20×20 a Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg), projeto brasileiro de 2017 cuja meta é recuperar 12 milhões de hectares, principalmente em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal (RL), mas também em áreas degradadas com baixa produtividade agrícola, até 2030.

A restauração florestal ativa no Brasil tem capacidade de gerar um emprego a cada dois hectares restaurados, segundo estudo publicado pela revista People and Nature, em 2020. Com a Proveg, que também prevê implementar 5 milhões de hectares de sistemas agrícolas integrados, combinando lavoura, pecuária e florestas, seria possível gerar de 1 milhão a 2,5 milhões de postos de trabalho.

3. Altyn Dala – Cazaquistão

A saiga é um antílope nômade que habita o planeta com seu enorme focinho desde os tempos dos nossos ancestrais neandertais. No Cazaquistão, onde está concentrada 95% da população mundial desse animal, a Iniciativa de Conservação Altyn Dala (Estepe Dourado, em português) vem trabalhando desde 2005 para restaurar os ecossistemas de pastagens que são fonte de vida para a espécie.

As pastagens estão entre os ecossistemas mais degradados em todo o planeta. Fatores como mudança climática, pastagem excessiva, expansão da agricultura e desenvolvimento industrial ameaçam a estepe no país, onde está localizada a maior extensão de pradaria semidesértica do mundo. O declínio dessa vegetação rasteira, localizada em áreas de clima seco, colocou a saiga à beira da extinção na década de 1990.

O que começou como uma missão para salvar o antílope se transformou em um dos maiores projetos de conservação do mundo. Com o apoio de ONGs nacionais e internacionais e do governo, a Altyn Dala já revitalizou 5 milhões de hectares de estepe (área superior à da Dinamarca) no Cazaquistão, contribuindo para que a população de saigas saltasse de 20 mil indivíduos em 2003 para quase 2 milhões hoje. Ao mesmo tempo, as comunidades rurais se beneficiam da recuperação da estepe da qual dependem.

“As pastagens em geral desempenham um papel vital na biodiversidade global e também são um importante sequestrador de carbono”, afirma Vera Voronova, diretora executiva da Associação para a Conservação da Biodiversidade do Cazaquistão (ACBK), uma das entidades à frente da iniciativa, em parceria com o Ministério de Ecologia, Geologia e Recursos Naturais da República do Cazaquistão, Fauna & Flora International, Frankfurt Zoological Society e Royal Society for the Protection of Birds.

A saiga vive em enormes manadas que migram até mil km por ano. Os narizes grandes são uma adaptação às condições duras da estepe, aquecendo o ar frio ao inspirar durante os invernos de -40°C e ajudando a filtrar a poeira durante os verões secos de mais de 40°C.

Outra espécie beneficiada pela recuperação das estepes foram os kulan (jumentos selvagens), trazidos de volta à região central do país, originalmente ocupada por eles, após 100 anos sem conseguirem migrar, concentrados no sul do Cazaquistão. A vegetação refeita também proporciona boas condições de reprodução para espécies de aves, incluindo a águia estepária e o quero-quero, ambos em perigo de extinção.

Com apoio da tecnologia, pesquisadores estudam a quantidade, o comportamento e os movimentos das espécies e a qualidade do solo, entendendo melhor como restaurar o ecossistema. A partir dos dados coletados, a iniciativa definiu novas reservas naturais, ampliou as existentes e construiu o primeiro corredor de vida selvagem do país. Foram estabelecidas também patrulhas florestais e aéreas para combater crimes contra a vida selvagem, como caça ilegal, e estratégias de manejo de habitat.

A iniciativa também auxilia na conservação das áreas úmidas, ponto de parada obrigatório para cerca de 10 milhões de aves migratórias, incluindo o abibe sociável, o ganso de peito vermelho, o grou siberiano e o pato de cabeça branca. Para o futuro, o plano é trazer de volta outras espécies perdidas da estepe, como o cavalo de Przewalski.

“Nossa ambição é restaurar e manter um funcionamento saudável de pastagens de estepe, zonas úmidas e ecossistemas desérticos que forneçam habitats de alta qualidade para a vida selvagem e mantenham serviços ecológicos vitais que beneficiem as comunidades rurais e suas vidas. Criar um lugar onde as pessoas e a vida selvagem possam coexistir, beneficiando-se mutuamente”, declara a iniciativa em seu site oficial.

O projeto mantém ainda uma frente de educação ambiental, levando grupos de crianças de escolas locais a campo para mostrar de perto a vida selvagem das estepes, com o uso de binóculos e telescópios. Por meio dessas excursões, as crianças aprendem sobre o valor da vida selvagem ao seu redor e o que é preciso fazer para protegê-la.

4. Shan-Shui – China

Utilizando equipamentos de poda e até as próprias mãos, moradores de Yunhe, na província de Zhejiang, leste da China, têm limpado campos de arroz abandonados. O objetivo é retomar a produtividade retirando plantas invasoras e construindo muros para evitar a erosão do solo.

O trabalho, que coloca em prática conhecimentos agrícolas ancestrais, está fazendo renascer grandes terrenos próprios para plantação, além de áreas de beleza natural. A restauração atrai visitantes em busca de natureza, criando um novo destino de ecoturismo na China.

A transformação em Yunhe é apoiada pela iniciativa Shan-Shui. O nome, que significa montanhas e rios, remete a um estilo tradicional de pintura de paisagem chinesa que retrata o equilíbrio entre terra e água, muitas vezes perturbado por atividades humanas, como a indústria e a agricultura.

A campanha reúne 75 projetos de larga escala para restaurar ecossistemas inteiros, de montanhas e florestas a pastagens e estuários costeiros na China. Lançada em 2016, já restaurou cerca de 3,5 milhões de hectares e a meta para 2030 é ainda mais ambiciosa: recuperar 12 milhões de hectares.

Outro projeto em destaque é o Oujiang River Headwaters, localizado nas áreas montanhosas da província de Zhejiang. Ele conecta métodos científicos e ancestrais, como terraplenagem em declive e combinação de culturas com criação de peixes e patos.

A partir da recuperação dos ecossistemas, a iniciativa pretende restaurar também as indústrias locais, criando mais de 3,2 milhões de empregos do turismo à produção de vinho. A estimativa é que 360 milhões de pessoas do país mais populoso do globo sejam ajudadas. Entre as espécies ameaçadas que estão sendo beneficiadas estão o esturjão chinês, o pássaro pochard de Baer e a planta conífera mais rara do mundo, o abeto de Baishanzu.

A iniciativa traz uma abordagem sistêmica para a restauração. Os projetos se encaixam nos planos nacionais de uso da terra, trabalham na escala da paisagem ou da bacia hidrográfica, incluindo áreas agrícolas e urbanas, assim como ecossistemas naturais, além de buscar impulsionar as economias rurais.

Entre as estratégias utilizadas estão o estabelecimento de áreas protegidas e a integração do conhecimento científico com métodos agrícolas tradicionais para tornar o uso da terra mais sustentável, de modo a evitar a aplicação de agrotóxicos e fertilizantes químicos.

5. Pacto Trinacional da Mata Atlântica

Mais de 80% da Mata Atlântica, bioma que se estende pelo Brasil, Paraguai e Argentina, foram perdidos por séculos de expansão da agricultura, extração madeireira e urbanização. Com o objetivo de combater a fragmentação deste bioma, criou-se o Pacto, uma coalizão multissetorial e transfronteiriça que reúne mais de 300 organizações internacionais e locais, como SOS Mata Atlântica, The Nature Conservancy (TNC) e World Wide Fund (WWF).

As instituições têm trabalhado pelo bioma há mais de 30 anos. Até o momento, cerca de 700 mil hectares foram restaurados e a meta é chegar a 1 milhão de hectares até 2030 e 15 milhões em 2050 (uma área maior do que a da Grécia). O projeto garante o abastecimento de água e segurança alimentar para as pessoas e a natureza, além de criar milhares de empregos. Cerca de 154 milhões de pessoas na região já foram beneficiadas.

A Mata Atlântica é um dos ecossistemas com maior prioridade para a restauração no planeta quando se leva em conta os benefícios para a mitigação da mudança climática e para a conservação da biodiversidade, segundo estudo publicado na revista Nature. De acordo com a pesquisa, o bioma integra o grupo de ecossistemas no qual a restauração de 15% da área evitaria 60% das extinções de espécies previstas e sequestraria o equivalente a 30% do CO2 lançado na atmosfera desde o começo da Revolução Industrial.

As iniciativas do Pacto incluem ainda a criação de corredores de vida selvagem para ampliar o habitat de espécies ameaçadas, como a onça-pintada e o mico-leão dourado. O número de onças-pintadas no Alto Paraná, na tríplice fronteira, aumentou cerca de 160% entre 2005 e 2018, como resultado das ações.

A Mata Atlântica é o bioma mais devastado no Brasil. Um dos esforços para a sua recuperação foi a restauração de bacias hidrográficas próximas a São Paulo, após a cidade ser atingida por uma forte seca. A 111 km da capital paulista, as autoridades públicas de Extrema (Minas Gerais) pagam taxas aos proprietários de terras que cultivam e mantêm árvores ao redor de nascentes e riachos. As ações ajudam a prevenir a erosão do solo e a proteger a qualidade da água no sistema de reservatórios que abastecem regiões próximas, como a Grande São Paulo e seus mais de 12 milhões de habitantes.

As abordagens para restaurar a Mata Atlântica incluem ainda pesquisa científica, construção de parcerias, educação ambiental, captação de recursos e desenvolvimento de políticas governamentais.