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Dia Internacional para a Conservação do Ecossistema de Manguezais: Conheça 5 projetos que protegem estes ambientes essenciais para a vida

Dia Internacional para a Conservação do Ecossistema de Manguezais: Conheça 5 projetos que protegem estes ambientes essenciais para a vida

Conhecidos injustamente como lugares de lama mal-cheirosa e mosquitos, os manguezais escondem belezas e funções ecológicas essenciais para o equilíbrio do planeta. Estima-se que eles sequestram cinco vezes mais carbono do que as florestas continentais, podendo estocar quantidades até dez vezes maiores.

Localizados na fronteira entre a terra e o mar, os manguezais não apenas mitigam os impactos negativos das mudanças climáticas, regulando o clima e estocando carbono, mas também ajudam as comunidades locais a se adaptarem aos seus efeitos, funcionando como uma barreira para protegê-las de enchentes, erosão, elevação do nível do mar e outros eventos climáticos extremos.

Os manguezais são ainda fonte de uma enorme biodiversidade, que se converte em alimentos e outros recursos naturais. Cerca de 70% das espécies comerciais marinhas realizam pelo menos uma etapa do seu processo de reprodução nesse ambiente.

“O que falta hoje é a sociedade entender que manguezal não é um lugar sujo. Manguezal é o berçário da vida, ajuda na regulação do clima, protege a linha de costa contra intempéries como grandes tempestades e tsunamis”, elenca o biólogo Pedro Belga, coordenador do projeto Do Mangue ao Mar.

Além da falta de conhecimento, o manguezal enfrenta ainda ameaças como a expansão imobiliária, construção de portos e descarte inadequado de resíduos e esgoto.

A cobertura de mangue foi reduzida pela metade nos últimos 40 anos e mais de três quartos estão em perigo atualmente, segundo a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). A velocidade com que os manguezais estão desaparecendo é de três a cinco vezes mais rápida do que as perdas globais de florestas, resultando em graves impactos ecológicos e socioeconômicos.

Neste 26 de julho, Dia Internacional para a Conservação do Ecossistema de Manguezais, conheça cinco iniciativas no Brasil e no mundo que protegem esse importante local de ameaças como poluição e desmatamento.

Nativo caiçara (Ubatuba-SP)

 

Jurandir Rosa da Silva, do projeto Nativo Caiçara — Foto: Divulgação

Jurandir Rosa da Silva, do projeto Nativo Caiçara — Foto: Divulgação

Jurandir Rosa da Silva, conhecido como Didi, de 56 anos, cresceu entre a praia e o mangue, na Barra Seca, em Ubatuba, litoral norte paulista. Antes dos 10 anos de idade, Didi já subia nas canoas de madeira maciça, seguindo a tradição da família caiçara com mais de quatro centenas de anos dedicados à pesca na cidade.

Ele recorda que, durante a sua juventude, a raiz do mangue vermelho era usada para fazer cortiça de rede enquanto a casca de uma vegetação chamada embira servia de corda para carregar e comercializar os peixes. “A gente usava os recursos naturais sem desperdício. Depois, era só descartar na natureza, que apodrecia e ia fazer parte do planeta de novo”, explica.

“Hoje, é tudo derivado de petróleo: nylon, isopor, plástico… E vem tudo parar aqui no manguezal. Também tem muito lixo imigrante, trazido pelo mar e pelo vento.” Há mais de quatro anos, Didi recolhe os resíduos que se acumulam no ecossistema. Só de garrafas PET já foram mais de 4.500, além de petrechos de pesca, embalagens e outros itens de lixo doméstico.

Em alguns locais onde o plástico sufocava as raízes do mangue, brotos da vegetação já começam a despontar. Tocas de caranguejo entupidas de lixo foram desobstruídas, permitindo que os animais completem seu ciclo natural. “Quando está recuperado, o manguezal não tem cheiro de esgoto. Tem cheiro de lama fresca, de manguezal mesmo. E nascem uns bichos muito bonitos”, diz.

As ações são realizadas por Didi de forma voluntária, nas folgas de seu trabalho como jardineiro e cuidador de casas de veraneio do bairro cada vez mais turístico e onde a pesca se tornou mais escassa devido à poluição marítima. A limpeza acontece a cada quinze dias, nas luas nova e cheia, quando a maré baixa permite a recolha dos resíduos. Com a falta de apoio público e privado, além da escassez de voluntários para ajudar na limpeza, Didi relata a dificuldade de dar conta do lixo que volta a ameaçar o ecossistema a cada dia.

O sonho dele é conseguir apoio financeiro para manter e ampliar o projeto, além de engajar a comunidade local em torno da importância desse serviço socioambiental. “O manguezal é o nosso quintal. Eu sou um guardião, isso aqui é a minha vida. Sem o manguezal não existia família, os antigos, os avós, os bisavós… Nosso mercado era isso daqui. Hoje, não usamos mais dessa forma, mas continua sendo preciso cuidar”, diz.

Além da limpeza, o projeto Nativo Caiçara atua na educação ambiental, com a exposição, na praia da Barra Seca, de banners informativos e de obras de arte produzidas com resíduos pelo próprio Didi, além de lixeiras para a destinação correta do lixo no local. O caiçara recebe estudantes para visitas educativas e vai às escolas da região compartilhar seus conhecimentos, na esperança de um manguezal mais protegido pelas futuras gerações.

Outra forma de aproximar as pessoas das belezas desse ecossistema e das dificuldades que ele enfrenta hoje é por meio de postagens das ações em suas redes sociais. “Pouca gente vem aqui dentro. Mas quem vem e vê a importância do que está aqui, toma consciência de que é preciso cuidado”, diz. “Já pensou acabar o manguezal? Acaba uma vida inteira, o território, a praia, o planeta.”

Do Mangue ao Mar (Rio de Janeiro-RJ)

 

Pedro Belga e Lenine no 1º Congresso Nacional de Manguezais do país, o Conmangue — Foto: Divulgação

Pedro Belga e Lenine no 1º Congresso Nacional de Manguezais do país, o Conmangue — Foto: Divulgação

Por meio de uma bolsa-auxílio mensal de R$ 800, o projeto prevê remunerar 63 catadores de caranguejo e pescadores artesanais pelo serviço ambiental de limpeza dos manguezais no recôncavo da Baía de Guanabara. Este é o último reduto remanescente de área contínua de manguezal do estado do Rio de Janeiro, onde restam apenas cerca de 30% da cobertura original do ecossistema.

A ação deve acontecer durante dez meses, se repetindo em 2024 e 2025. O objetivo da iniciativa, realizada pela ONG Guardiões do Mar em convênio com a Transpetro, é que a proteção dos manguezais seja protagonizada pelos povos tradicionais. A inspiração é a Operação LimpaOca, a maior limpeza dos manguezais da Baía de Guanabara, que ocorre no período de defeso do caranguejo-uçá. O trabalho, idealizado por Adílio Campos, catador de caranguejo da Ilha de Itaoca, em 2001, se tornou uma ação permanente da ONG.

Mais de 52 toneladas de lixo foram removidas dos manguezais da região até o momento. A meta é retirar mais de 35 toneladas de lixo nas próximas seis edições da LimpaOca. As ações envolvendo os pescadores prometem superar essas marcas. A estimativa é de que quase 100 toneladas de lixo sejam jogadas diariamente na baía, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

Idealizado em 2018 e colocado em funcionamento em 2022, o projeto Do Mangue ao Mar oferece também cursos de artesanato e de turismo de base comunitária, além de formações continuadas para adolescentes e jovens e eventos. Em julho, a iniciativa realizou o primeiro Congresso Nacional de Manguezais do país, o Conmangue, com a presença de pesquisadores, lideranças comunitárias e outros representantes da sociedade civil.

Outra frente da iniciativa mapeia grupos com ação continuada na região, arcando com os custos de oficialização e oferecendo kits de apoio à atuação da sociedade civil organizada, com itens de escritório, como computadores e impressoras.

O número total de participantes diretos do projeto é de 736 e a quantidade de participantes eventuais é estimada em 5 mil. As ações ocorrem nos municípios de Itaguaí, Mangaratiba, Angra dos Reis, Magé e Duque de Caxias. São 24 trabalhadores, entre biólogos, oceanógrafos e prestadores de serviço envolvidos no projeto.

Para o coordenador Pedro Belga, o manguezal não recebe o mesmo cuidado e atenção dada aos outros ecossistemas por estar em uma faixa de difícil acesso para a sociedade. “Por isso, o fomento ao turismo de base comunitária é tão importante. Sua principal função é que as pessoas percebam a beleza cênica que existe nesse local”, explica. “E também diminui a pressão sobre a pesca e os povos que vivem dela. Eles não vão precisar pescar ou catar caranguejo todos os dias porque o turismo é uma fonte alternativa de renda e preservar o mangue também passa a ser de grande interesse da própria comunidade.”

Mangues da Amazônia (Pará)

Projeto Mangues da Amazônia — Foto: Divulgação

Projeto Mangues da Amazônia — Foto: Divulgação

Com foco na recuperação e conservação de manguezais em três Reservas Extrativistas Marinhas (Resex) do Pará, o projeto recuperou 14 hectares do ecossistema desde 2021. A iniciativa, realizada pelo Instituto Peabiru e Associação Sarambuí, com apoio do Laboratório de Ecologia de Manguezal da Universidade Federal do Pará (LAMA/UFPA), e o patrocínio da Petrobras, envolve diretamente de 35 a 40 pessoas.

A região onde o Mangues da Amazônia atua fica na maior faixa contínua de manguezal do mundo, onde se concentram 80% desse ecossistema no Brasil, esclarece o coordenador John Gomes. “É um ambiente muito conservado, até porque as comunidades em área de Resex acabam cuidando muito mais desse manguezal do que em outros ambientes”, diz. “Nosso trabalho é de sensibilização e prevenção, para que não tenhamos um ecossistema tão degradado como no Nordeste e no Sudeste.”

Com a participação dos extrativistas locais, são mapeadas as áreas degradadas para as ações de recuperação. No eixo científico, são realizadas pesquisas para aprimorar o conhecimento sobre estoque e emissões de carbono nas áreas de manguezal, com estimativas de carbono fixado, estocado e emissões evitadas. Os resultados são discutidos com as comunidades locais e com os gestores das reservas.

Segundo Gomes, o projeto prioriza a conservação das reservas para que as comunidades tradicionais não sejam retiradas e jogada às margens, sem acesso a políticas públicas, para dar lugar a grandes empreendimentos. “Elas têm toda uma vivência aqui que queremos preservar, essa é a nossa principal causa.”

Com apoio dessas comunidades, o Mangues da Amazônia atua na recuperação de espécies-chave por meio de estratégias de manejo de madeira do mangue branco e do caranguejo-uçá. O projeto promove ainda ações de educação ambiental que atenderam mais de 5 mil pessoas nos municípios de Augusto Corrêa, Bragança e Tracuateua através de vivências no manguezal e no laboratório da UFPA.

Com a capacitação do grupo comunitário “Protetores do Mangue”, pescadores voluntários são formados para atuarem como parceiros no monitoramento e manutenção das atividades de pesquisa e manejo. A meta para o próximo ciclo do projeto é levar as ações também para o município paraense de Viseu.

No total, 50 mil pessoas já entraram em contato com a iniciativa de alguma forma. O financiamento ajuda com as questões de logística, que na região amazônica são mais complexas e custosas. No médio prazo, o objetivo é ampliar o projeto para mais cidades do Pará e incluir o Maranhão.

Mikoko Pamoja (Quênia)

 

Mulheres participantes do projeto Mikoko Pamoja, no Quênia, transportam mudas de plantas no manguezal — Foto: Divulgação

Mulheres participantes do projeto Mikoko Pamoja, no Quênia, transportam mudas de plantas no manguezal — Foto: Divulgação

No século 20, a exportação de mangue no Quênia formou uma grande indústria até que restrições ambientais foram impostas. O período sem proteção adequada ao ecossistema levou à degradação de grandes extensões dessa paisagem no país. Atualmente, a situação afeta a cultura e a segurança alimentar das comunidades que vivem do manguezal.

Na Baía de Gazi, estima-se que 80% da população dependa de atividades pesqueiras ligadas ao ecossistema. É ali que atua o projeto Mikoko Pamoja, que significa “manguezais unidos”, na língua suaíli. O projeto planta 4 mil mudas todos os anos em parceria com as comunidades locais.

A iniciativa começou em 2013 com a comercialização de créditos de carbono. O grupo se comprometeu a conservar 107 hectares de floresta natural e 10 hectares de plantações até 2033, além de colaborar com a restauração anual de 0,4 hectare em áreas degradadas da baía.

Esse é o primeiro projeto comunitário no mundo a vender com sucesso créditos de carbono através da conservação e restauração de manguezais. A estimativa é de que ações evitam a emissão de 3 mil toneladas métricas de CO2 equivalente por ano, que são vendidas no Mercado Voluntário de Carbono (VCM).

Como retorno, o projeto recebe US$ 12 mil por ano pelos serviços prestados. O valor é reinvestido na comunidade, beneficiando mais de 5 mil moradores por meio de projetos em educação, saúde, água, saneamento e proteção ambiental.

O ecoturismo é mais uma fonte de renda fomentada pela iniciativa, que espera ser replicada em outras localidades do país africano. Após sua conclusão, o objetivo é que os beneficiários do projeto sejam capazes de conduzirem por conta própria o monitoramento de manguezais.

Construindo com a Natureza (Indonésia)

Projeto Construindo com a Natureza (Indonésia) — Foto: Nathanial Brown/UNEP

Projeto Construindo com a Natureza (Indonésia) — Foto: Nathanial Brown/UNEP

A remoção do mangue para dar lugar a tanques de pesca e equipamentos de infraestrutura resultou em erosão, inundações e perda de terra em Demak, uma comunidade costeira de baixa altitude na ilha de Java, na Indonésia. Ao invés de replantar árvores de mangue, a inovadora iniciativa “Construindo com a Natureza” construiu cercas vivas ao longo da costa durante uma década.

O objetivo é deter as ondas e reter a terra, permitindo que o próprio ecossistema se recuperasse naturalmente. Nesses dez anos, quase 200 hectares de manguezais foram restaurados por meio da estrutura de 3,4 km construída com materiais naturais.

Usando essa estratégia, a taxa de sobrevivência do manguezal foi de 70% – bem mais alta do que os 15% entre os manguezais plantados. Com o tempo, o solo se fixa nas raízes da vegetação, impedindo que o aumento do nível do mar volte a inundar as comunidades.

A recuperação do manguezal ajudou também no aumento da biodiversidade, melhorando a pesca da região. O projeto envolve ainda educação ambiental, com o ensino de técnicas sustentáveis para que a produção de camarão possa coexistir com o manguezal. Dessa forma, um total de 277 participantes viram sua produção de camarão triplicar.

Um arquipélago de 17 mil ilhas, a Indonésia é repleta de manguezais que ajudam a proteger as comunidades costeiras da elevação do nível do mar e das tempestades, problemas que se aprofundam com o avanço da crise climática. Com o projeto, a ONG Wetlands International, junto com o governo da Indonésia e outros parceiros, pretende estender esta iniciativa por 20 km de costa. A estimativa é de que a obra atenda 70 mil pessoas.

“É um modelo que vale a pena replicar ao mostrar como os países podem usar a natureza para evitar os impactos severos das mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, criar novas oportunidades econômicas para as pessoas”, afirma o diretor executivo da UNEP, Inger Andersen. A instituição da ONU escolheu a iniciativa como uma das dez pioneiras da Década da Restauração de Ecossistemas.