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Desmatamento alimenta incêndios que afetam toda a biodiversidade da Amazônia

Desmatamento alimenta incêndios que afetam toda a biodiversidade da Amazônia

Entre 2001 e 2019, 190 mil km2 de floresta queimaram. Chamas atingiram quase todas as espécies conhecidas de plantas e animais vertebrados do bioma, revela pesquisa

fogo na Amazônia, provocado pela ação humana, pode ter atingido 95,5% das espécies de plantas e animais vertebrados conhecidas da Amazônia, revelou um estudo publicado nesta semana na revista científica Nature que contou com a participação de cientistas brasileiros.

Os números da pesquisa demonstram como os incêndios e as queimadas atingem e agridem um dos principais biomas do Planeta, que guarda 10% da biodiversidade mundial. “Depois das fortes queimadas de 2019, um grupo de pesquisadores resolveu ir mais a fundo no trabalho de entender os danos à floresta amazônica. O objetivo era quantificar o número de espécies que foram impactadas por esse quadro recente de queimadas”, afirmou o pesquisador Paulo Brando, do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e da Universidade da Califórnia em Irvine, que foi convidado a participar do estudo.

Para Brando, as mudanças de 2019 mostram um retrocesso gigantesco na conservação da Amazônia: “se fizermos um paralelo com a indústria automotiva, seria como se tivéssemos retirado o cinto de segurança dos nossos carros em pleno século 21”.

A pergunta que norteou a pesquisa foi o quanto os altos números de desmatamento de 2019 afetaram a série histórica de incêndios, que se intensificaram nos últimos anos. “A partir daquele ano, houve uma mudança drástica nos efeitos positivos dos programas de conservação que vinham acontecendo desde 2005, 2009 mais ou menos. Foram décadas para reduzir o desmatamento que rapidamente se dissolveram”, explicou o pesquisador.

Queimadas na Amazônia: estudo aponta agressão a 95% das espécies da Amazônia, sendo 82,5% delas em extinção, alerta pesquisa — Foto: Paulo Brando/IPAM

Queimadas na Amazônia: estudo aponta agressão a 95% das espécies da Amazônia, sendo 82,5% delas em extinção, alerta pesquisa — Foto: Paulo Brando/IPAM

O monitoramento da trajetória da fauna e da flora do ecossistema amazônico foi feito em parte via satélites (que registravam focos de calor e de fogo) e parte pela coleta de dados de cientistas. Outra parte também foi realizada pela modelagem matemática a partir de mapas de especialistas que mostram a distribuição de plantas e de animais em cada região da floresta.

Foi por meio desta fórmula que o estudo conseguiu demonstrar a intersecção entre áreas desmatadas e a distribuição das espécies afetadas pelo fogo. “Os incêndios na Amazônia já afetaram o habitat de 85,2% das espécies de plantas e animais ameaçadas de extinção na região. As espécies não ameaçadas tiveram 64% de seu habitat impactado pelas chamas”, enfatizou o professor. Quase 190 mil quilômetros quadrados da floresta amazônica queimaram entre 2001 e 2019, período analisado pela pesquisa.

As espécies com maior abrangência e, portanto, maior distribuição em áreas da floresta e que não correm risco de extinção foram as menos afetadas. Enquanto aquelas que sobrevivem em áreas menores e, portanto, correm maior risco de extinção foram drasticamente afetadas pelas queimadas de 2019.

Das espécies listadas como ameaçadas de extinção na Amazônia pela IUCN (International Union for Conservation of Nature), foram atingidas pelo fogo 236 das 264 espécies de plantas, 83 das 85 espécies de pássaros, 53 das 55 espécies de mamíferos, 5 das 9 espécies de répteis e 95 das 107 espécies de anfíbios.

Ainda que o desmatamento leve a grandes perdas de área de habitat natural, o fogo que vem depois da derrubada exacerba esse impacto. “O desmatamento é o principal vilão da biodiversidade da Amazônia, com os incêndios florestais logo atrás”, explica Brando. O pesquisador ainda reforça que não existe fogo “natural” nesta região do Brasil (como pode acontecer no Cerrado, por exemplo) e que tanto os incêndios florestais quanto as queimadas seguidas de desmatamento são ocasionadas pela atividade humana, seja diretamente ou indiretamente pela seca em decorrência da crise climática.

Brando pontua que “‘é por meio dos desmatamentos que deixamos as florestas mais inflamáveis e com isso o fogo pode escapar e uma floresta inteira de sub-bosque pode entrar em chamas, ainda mais se o clima estiver muito seco. Mesmo que muitos animais consigam escapar desses incêndios, quando o fogo cessa, é mais difícil dessas espécies encontrarem recursos e alimentos para sobreviver”, diz.

Além disso, muitas espécies de plantas e animais da Amazônia possuem distribuições restritas, o que aumenta as chances desses incêndios florestais causarem grandes perdas em biodiversidade, afirma o pesquisador se referindo às espécies em extinção.

Os autores ainda ressaltaram que os números apresentados estão provavelmente subestimados, por não considerarem outras espécies do reino animal nem a perda de biodiversidade ocorrida antes de 2001, além de outros fatores.

Tanto o acumulado do território do bioma atingido por incêndios quanto o impacto no habitat de espécies continuaram a crescer em ritmo constante durante todo o período observado. E a cada novos 10 mil km² de floresta queimada, calculam os pesquisadores, até 40 espécies a mais podem ser prejudicadas.

“Se reduzirmos o desmatamento na Amazônia, podemos também reduzir o número de incêndios florestais e as perdas em biodiversidade associadas”, afirma Brando. “Ao perdermos a biodiversidade por incêndios, perdemos vários serviços ecossistêmicos; perdemos também um dos pilares da resiliência de florestas amazônicas.”