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Descoberto o primeiro antídoto contra o cogumelo mais mortal do mundo

Descoberto o primeiro antídoto contra o cogumelo mais mortal do mundo

Segundo testes conduzidos com animais, a toxina do fungo pode ser combatida a partir de um corante já amplamente utilizado pela medicina para obtenção de imagens

O cogumelo Amanita phalloides, popularmente chamado de “chapéu-da-morte”, é uma espécie de fungo extremamente tóxica. Com seus efeitos manifestando poucas horas depois de sua ingestão, estima-se que seja a responsável por mais de 90% dos falecimentos por envenenamento por cogumelos.

Um tratamento para além do suporte

O chapéu-da-morte é originário da Europa, mas, hoje, também pode ser encontrado em florestas na América, Oceania e Ásia. Com até 15 centímetros de altura e topo de coloração bronzeada ou verde-amarelada, é facilmente confundido com espécies comestíveis.

De acordo com pessoas que os comeram acidentalmente e sobreviveram, inclusive, os gorros têm um sabor bastante bom. Mas, entre 6 e 72 horas depois da ingestão, a sua toxina (alfa-amanitina) começa a afetar o organismo, causando vômitos, convulsões, danos hepáticos graves e, em grande parte dos casos, levando ao óbito.

Apesar da convivência durante séculos com a A. phalloides e o longo histórico de envenenamentos, os médicos tinham, até então, pouco a oferecer aos pacientes afetados pela toxina para além de cuidados de suporte. Foi a partir disso que Qiaoping Wang e Guohui Wan, pesquisadores da Universidade Sun Yat-sen, decidiram investigar a fundo a sua natureza.

O método empregado foi o mesmo que já havia sido utilizado no desenvolvimento de um antídoto para o veneno de água-viva. Por meio da tecnologia de edição de genes CRISPR-Cas9, eles criaram um pool de células humanas, cada uma com uma mutação em um gene diferente, para testar quais mutações ajudaram as células a sobreviver à exposição à alfa-amanitina.

A triagem revelou que as células que não possuem uma versão funcional de uma enzima chamada “STT3B” são capazes de sobreviver à alfa-amanitina, isso porque essa faz parte de uma via bioquímica que adiciona moléculas de açúcar às proteínas. Dessa forma, a sua interrupção bloqueia a entrada da toxina nas células, impedindo os estragos do envenenamento.

“Não sabíamos que o STT3B desempenhava um papel na toxicidade da alfa-amanitina e estamos totalmente surpresos com nossas descobertas”, afirma Wang à Nature. Assim, o segundo passo na estratégia dos pesquisadores foi peneirar cerca de 3.200 compostos químicos, procurando por um que bloqueasse a ação da enzima.

Nesse levantamento, a equipe deparou-se com o verde de indocianina (ICG). O corante fluorescente medicinal, já amplamente utilizado para a obtenção de imagens dos vasos sanguíneos no olho e do fluxo sanguíneo no fígado, demonstrou grande eficiência em quadros de tratamento de envenenamento pela toxina do cogumelo.

Os pesquisadores testaram o antídoto primeiro em células do fígado em uma placa de Petri e depois em camundongos. Com os animais, atingiu-se uma eficácia de 50%, ante 90% de morte no grupo controle não tratado.

A Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) têm o uso da indocianina verde aprovado, bem como as suas dosagens seguras conhecidas. Assim, Wang e Wan acreditam que, em breve, poderão começar os testes deste novo tratamento em pessoas — limitados à condução dos experimentos em indivíduos que vierem a ingerir a substância acidentalmente.

“O verde de indocianina tem um imenso potencial para o tratamento de casos de envenenamento humano por cogumelos e pode ser o primeiro antídoto específico com uma proteína-alvo. Isso poderia salvar muitas vidas se fosse tão eficaz em pessoas quanto em camundongos”, conclui Wang, em entrevista à AFP.