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Das coisas supérfluas

Das coisas supérfluas
Recentemente, fiz a leitura do livro Aprendendo a viver, do filósofo espanhol Lúcio Anneo Sêneca. É uma coletânea de cartas que ele escreveu para Lucílio, seu amigo e interlocutor. 

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Segundo Lúcia Sá Rebello, tradutora de latim, não se sabe se Lucílio existiu ou se seria apenas um interlocutor imaginário criado por Sêneca. Fato é que o livro traz cartas que são valiosas reflexões a respeito da vida, da morte e das virtudes humanas. O texto a seguir é uma das cartas de minha autoria onde também dialogo com Lucílio. Considero as cartas que escrevi pequenas intromissões nas conversas entre este e Sêneca. Confesso que foi um prazer escrevê-las.

Indicação de leitura: SÊNECA. Aprendendo a viver. Porto Alegre, RS: L&PM, 2020.

Das coisas supérfluas

Quantos sentidos cabem na palavra supérfluo? Para todas as idades, faz-se necessário pensar essa palavra expandida para além de seus próprios limites. Penso nisso, caro Lucílio, pois a ideia que esta palavra me traz é a de algo que se expande por si só. O que se tem não parece suficiente e a busca por mais, a fim de preencher os vazios, confirma a necessidade de saciar os desejos.

Mott Rodeheaver

Se estes forem insaciáveis, infinita é a busca por aquilo que ainda não se tem. Quisera eu que os meus contemporâneos abraçassem os valores do estoicismo e o supérfluo se questionaria a respeito da própria existência. Leio a pergunta que Sêneca te fez e respondo que prefiro ter o suficiente do que ter muito. O exagero compromete os sentidos e joga no abismo quem muito quer. Ficam cegos os que muito possuem ou possuem coisas e objetos dos quais não abrem mão. Esse parágrafo é apenas para introduzir o tema e ainda não consigo entender o porquê do gosto pelo culto ao exagero.

Ao considerar que “o faminto não se ofende com nada”, sigo faminta na tentativa de explicar a mim mesma como alguém que escolheu o caminho da saciedade dos desejos sem exageros. O que na alma fica ao longo das experiências da vida não mantém correspondência com a retórica superficial do consumo desnecessário. O dinheiro não nos define, caro Lucílio, e aí reside a questão principal de meus questionamentos. Uma casa construída com vestes de ouro impressiona os olhos das pessoas, mas sabe-se lá o que sente quem mora nela.

Mott Rodeheaver

É feliz pelo fato de poder comprar o supérfluo? Não estariam em ruínas sua contabilidade e outros setores da vida íntima? Falar de coisas que muitos preferem esconder debaixo do tapete me instiga e, para isso, espaço não faltará na folha em branco. Neste caso, o supérfluo é tema indispensável e um pouco de sabedoria acumulada na cabeceira da cama me faz dar as boas-vindas a um supérfluo de caráter mais literário e menos tosco. É a forma que encontrei para refletir a respeito de quantos sentidos cabem na palavra que aqui busco entender.

Sêneca afirma que “A fome não é pretensiosa, ela quer apenas ser aplacada, não importando com o quê”, então, que nossa fome seja saciada por meio da palavra. Colocar as cartas na mesa, agora, me parece necessário. Ainda tenho várias para ler.