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Crise climática global pode fazer anfíbios desaparecerem em Mato Grosso do Sul

Crise climática global pode fazer anfíbios desaparecerem em Mato Grosso do Sul

Espécies já enfrentam 40% em ameaça de extinção

A seca histórica na região amazônica assusta em dimensão internacional e, apesar de ser um problema geograficamente distante de Mato Grosso do Sul, o reflexo da crise climática global pode provocar a extinção de anfíbios no Estado.

É o que mostra uma pesquisa com participação de professores da  (Universidade Federal de MS). O coautor do estudo e professor do Instituto de Biociências da UFMS, Diego Santana, explica que o colapso no ecossistema é perceptível, de maneira direta ou indireta, em várias partes do mundo.

A situação afeta o ciclo todo. No Estado, o Pantanal enfrenta nova frequência de incêndios, mesmo que historicamente comuns em períodos com menos chuvas. Entretanto, entrelaça a redução da água na maior planície terrestre do mundo.

“Essas mudanças climáticas em escala global afetam os ecossistemas, com consequências
diretas para os anfíbios. A reprodução dos anfíbios é afetada, pois em locais onde a disponibilidade de água diminui, algo vital para a reprodução, sobrevivência e até respiração da maioria dos anfíbios, eles podem enfrentar dificuldades”, explica.

O pesquisador detalha que, além disso, as mudanças nos padrões de chuva podem impactar o ciclo de vida desses animais. “Em algumas regiões do país, inclusive em MS, podemos observar esses efeitos. Por vezes, em vez de uma chuva distribuída ao longo do verão, temos chuvas intensas e torrenciais em apenas um ou dois dias. Isso leva a inundações catastróficas e desastres climáticos significativos.”

Estudos com anfíbios

Segundo o professor, existem diversos estudos de levantamento de anfíbios no Estado, envolvendo vários pesquisadores ao longo de muitos anos. A região abriga várias espécies de anfíbios, e todas elas estão ativas na região. Inclusive, algumas dessas espécies já constam na lista de ameaçadas de extinção. Por exemplo, no município de Porto Murtinho, existe uma pequena porção de charco que, curiosamente, não é oficialmente reconhecida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

“Teoricamente, esse é um ecossistema distinto, mas sua dimensão é tão reduzida que o IBGE não o considera. Nessa região, encontramos algumas espécies que são exclusivas desse local, como o sapinho da barriga vermelha, que também é ameaçado de extinção e consta na lista nacional do Ministério do Meio Ambiente”.

“Na região do Taquari e da Bodoquena, temos descoberto recentemente algumas espécies que ainda não foram nomeadas pela ciência e estão em processo de descrição. No entanto, o Taquari já perdeu 50% de sua área devido a incêndios nos últimos anos, o que coloca em risco essas espécies”, acrescenta.

Não é só o Pantanal

Ainda que um dos mais importantes biomas, Mato Grosso do Sul não se limita apenas ao Pantanal. Há também o Cerrado, que é uma região rica em biodiversidade e ameaçada – mais da metade do Estado é composta por Cerrado, com animais potencialmente na lista de extinção.

Também há vestígios de mata atlântica, chacos e os bosques chiquitanos. Essas diferentes regiões abrigam uma variedade de espécies únicas, tornando a riqueza da diversidade biológica assolada as chances da destruição.

“Em nosso grupo de estudos, estamos realizando pesquisas sobre as mudanças nos ecossistemas. Recentemente, concentramos nossos esforços no estudo dos incêndios, devido à abundância de incêndios ocorridos no Estado nos últimos anos”.

O trabalho está sendo conduzido em colaboração com o professor Geraldo da Marcena, do Departamento de Botânica, do qual Santana também faz parte. Diversos grupos de pesquisadores estão investigando o impacto do fogo na biodiversidade. No projeto deles, estão estudando como o fogo afeta os anfíbios.

O grupo deve concluir e publicar em breve uma pesquisa que demonstra que o fogo no Pantanal acontece em momentos diferentes. Santana relata que há o fogo natural, que historicamente é desencadeado por relâmpagos e extinto pela chuva que se segue. O Pantanal evoluiu com esse tipo de fogo. No entanto, o problema surge quando o fogo é desencadeado em pleno período de seca, pois a chuva que normalmente apagaria as chamas não está presente, resultando em incêndios problemáticos.

“Estamos analisando os diferentes impactos e regimes de fogo nos anfíbios. Embora não possamos afirmar que o fogo cause a extinção das espécies, ele altera certamente as espécies presentes na área afetada. A curto prazo, o impacto é significativo e direto, mas ao longo do tempo, à medida que o ambiente se recupera, diferentes espécies passam a predominar naquela região. Isso pode resultar em mudanças nas funções do ecossistema”.

Ou seja, a mudança nos padrões de incêndio representa uma ameaça séria para os anfíbios. Em outro estudo, os especialistas observaram que, ao longo dos anos e levando em conta as mudanças climáticas projetadas, as espécies no Pantanal e na região da Bacia do Alto Paraguai, no Oeste do Mato Grosso do Sul, arriscam desaparecer.

O professor reforça que isso representa um sério problema, uma vez que o Estado possui poucas unidades de conservação, poucos parques nacionais e estaduais que poderiam servir como refúgio para essas espécies.

Rã-buraqueira
Rã-buraqueira (Diego Santana)

Impacto econômico e na saúde

Com as mudanças climáticas, é possível que entre 20 e 40 anos o MS enfrente a extinção de diversas espécies de anfíbios e, infelizmente, essas espécies não contam com a proteção proporcionada pelas unidades de conservação. Do ponto de vista prático, eles desempenham um papel crucial na manutenção do equilíbrio ecológico, principalmente em benefício dos seres humanos, por exemplo, na regulação de doenças transmitidas por vetores, o controle de populações de insetos como os transmissores da zika, chikungunya, dengue e leishmânia. Ainda ajudam a combater insetos que prejudicam plantações, como cana-de-açúcar, soja e mudas de eucalipto, bem como as formigas que destroem as mudas. Sem os anfíbios, a quantidade de pragas agrícolas seria tão alta que nenhum pesticida seria eficaz.

“Todos os organismos merecem proteção; qualquer espécie merece ser preservada, pois cada uma carrega consigo toda uma história evolutiva que faz parte da história do nosso planeta. É como se olhássemos para um ecossistema como se fosse uma obra de arte. Quando um pedaço dessa ‘pintura’ é danificado, ele permanece, mas percebemos que não é mais o mesmo. Torna-se irrecuperável, e não podemos olhar para ele da mesma maneira. Perdemos um pedaço da natureza, algo irreparável, como rasgar uma obra de arte, deixando uma marca que nunca desaparecerá. Portanto, quando perdemos uma espécie, causamos uma alteração permanente na natureza”, enfatiza.

A perda desses animais não caracteriza apenas danos no meio ambiente, mas econômicos, já sem o controle natural de pragas e doenças, o poder público deverá desembolsar políticas. A ausência dos anfíbios poderia levar ao declínio ou até à extinção de muitos desses animais. Portanto, é crucial protegê-los para preservar a harmonia dos ecossistemas.

“Estamos descobrindo que a pele dos anfíbios contém substâncias úteis, como alcaloides e peptídeos, que podem ser transformadas em medicamentos para benefício humano. Muitas dessas substâncias têm potencial farmacológico e são valiosas para a pesquisa médica. Na natureza, os anfíbios desempenham um papel importante na cadeia alimentar, pois servem de alimento para muitos outros animais, como tuiuiús, jaguatiricas e jacarés”, finaliza.