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Contaminação por fármacos em rios preocupa cientistas e ameaça a fauna marinha

Contaminação por fármacos em rios preocupa cientistas e ameaça a fauna marinha

Pesquisadores comentam que antibióticos, antidepressivos e substâncias hormonais encontrados nas águas podem contaminar animais e afetar também os humanos

Pesquisas científicas têm revelado uma nova ameaça aos ecossistemas aquáticos: a contaminação dos cursos d’água por medicamentos. Um estudo publicado na revista Science apontou que a presença de benzodiazepínicos – ansiolíticos comumente usados por humanos – tem afetado o comportamento de salmões do Atlântico. Os animais afetados pela substância têm demonstrado comportamento “ousado”, deixando de formar cardumes e atravessando estruturas como hidrelétricas sem os cuidados naturais da espécie. O fenômeno chama a atenção para um problema maior: a poluição farmacêutica. O professor Alexander Turra, do Instituto de Oceanográfico (IO) da USP, explica melhor as consequências desse processo.

Ele comenta que o conjunto de substâncias em questão pode ser chamado de contaminantes emergentes. Além de medicamentos, a categoria inclui entorpecentes, como a cocaína, e microplásticos. “Esses elementos acabam sendo consumidos pelos seres humanos, são processados parcialmente pelo corpo e parte desses produtos é liberada pela nossa urina, são excretados. E ao irem, então, para o sistema de esgoto, quando tem, eles podem ser parcialmente retirados e, mesmo assim, boa parte chega no ambiente marinho”, explica Turra.

Alexander Turra – IO. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Entre os medicamentos que mais preocupam os cientistas estão antibióticos, antidepressivos e substâncias hormonais. Segundo o professor, os efeitos desses compostos nos organismos aquáticos são semelhantes aos observados em humanos, podendo causar alterações comportamentais e fisiológicas. Um dos riscos mais alarmantes é o surgimento de bactérias resistentes aos antibióticos, além da possibilidade de alterações nas características sexuais dos animais. “Isso tem impactos, em longo prazo, no tamanho das populações e, obviamente, num segundo momento, um risco de consumo desses organismos. O risco para a saúde humana da ingestão desses organismos vai ser tão maior quanto maior forem as concentrações desses contaminantes, o que ainda é a maior lacuna. Há, sim, a possibilidade de translocação desses contaminantes da fauna marinha, do alimento que a gente consome de origem marinha, para os seres humanos.”

Estações de tratamento de esgoto

Apesar da gravidade, evitar esse tipo de contaminação ainda é um desafio. O professor Eduardo Bessa Azevedo, do Instituto de Química de São Carlos da USP, explica que as estações de tratamento de esgoto no Brasil não foram projetadas para remover micropoluentes. “O desafio é que as novas estações de tratamento, quando foram projetadas, elas não foram para esse fim específico de remover fármacos, remover micropoluentes, poluentes que têm concentrações em quantidades muito pequenas. Elas foram projetadas para remover matéria orgânica, que está em grande quantidade.”

Eduardo Bessa Azevedo – Foto: Henrique Fontes/IQSC

Azevedo também ressalta que os próprios medicamentos são desenvolvidos para resistir à degradação, o que facilita sua permanência no ambiente. Por isso, o cuidado com o descarte em todas as esferas da sociedade é fundamental. “Tem uma norma da Anvisa de que todas as cidades têm que ter pontos de coleta para pegar esses fármacos que estão em desuso, para eles não irem parar no meio ambiente. O poder público, por sua vez, tem essa importância de criar mecanismos para coletar os fármacos em desuso e fiscalizar, realmente, que eles sejam devolvidos sem ir para o lixo comum. Isso é muito importante. E a indústria, claramente, tem a sua grande parcela de procurar sempre realizar os processos, as sínteses dos fármacos, com o melhor rendimento possível, sem o mínimo de rejeitos de resíduos, porque facilmente vai parar no meio ambiente.”

Apesar da baixa concentração dos fármacos na água potável, os cientistas alertam para o risco do acúmulo ao longo dos anos. A contaminação, portanto, é considerada um problema crônico, e não agudo. Azevedo destaca algumas tecnologias promissoras, que podem levar a um avanço no tratamento da água, como o uso de carbono ativado. A técnica tem se mostrado eficiente e acessível. Já processos oxidativos avançados e tratamentos por membranas também apresentam bons resultados, mas ainda possuem custos elevados.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo