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Como o comércio ilegal de abelhas coloca em risco o futuro da Mata Atlântica

Como o comércio ilegal de abelhas coloca em risco o futuro da Mata Atlântica

Essenciais na polinização das árvores, espécies do inseto típicas da floresta litorânea do país estão em declínio agravado pela venda irregular entre diferentes estados, o que gera desequilíbrio ambiental

Árvore nativa da Mata Atlântica, o ipê-amarelo está em quase todas as regiões do país. Suas flores amareladas compõem um cenário de contraste com o verde da floresta, o que remete à Bandeira Nacional. Tamanha imponência deu à flor do ipê-amarelo o posto de símbolo do Brasil, em um decreto de 1961. Seu valoroso tronco é cobiçado internacionalmente e, por isso, a espécie está ameaçada de extinção. Mas é um outro processo que representa até um risco maior de colapso: a mortandade de populações de abelhas no país.

Assim como diversas árvores, o ipê-amarelo depende da polinização das abelhas para se reproduzir. Entretanto, populações de abelhas brasileiras estão em perigo devido ao desmatamento, ao uso excessivo de agrotóxicos e à intensificação do comércio ilegal de ninhos entre estados do país, principalmente na região da Mata Atlântica.

— Sem abelhas, nem o cafezinho que a gente toma seria produzido. Se há colapsos nas populações das abelhas, instantaneamente não teremos árvores — afirma o biólogo Antônio Carvalho, que explica o impacto do comércio ilegal: — Muitas vezes encontramos espécies amazônicas na Mata Atlântica, por exemplo, o que pode dizimar várias populações. As abelhas da Amazônia convivem com muitos simbiontes, que são os parasitas e organismos que coabitam o ninho. Quando levadas para a Mata Atlântica, os simbiontes vão juntos, carregando doenças para as outras espécies que não estão adaptadas a eles.

País tem uma das maiores indústrias de meliponicultura do mundo

Desde então, Carvalho explica, alguns vendedores foram autuados pela Polícia Federal, mas o problema não cessou. Há, inclusive, manobras legislativas, como na alteração do Projeto de Lei 4.429/2020. Originalmente, o texto vetaria o comércio de abelhas para estados onde não há ocorrência daquela espécie, uma forma de proteger as populações. Nas discussões na Câmara, porém, esse veto foi suprimido do PL, que ainda não foi votado.

O impacto à biodiversidade afeta os produtores, pois a introdução não autorizada de espécies pode acarretar perdas, diminuindo a renda de meliponicultores.

Há um ano, o pesquisador Antônio Carvalho, coordenador do Programa de Combate ao Tráfico de Vida Silvestre da Wildlife Conservation Society Brasil, identificou parte dessa rede de comércio ilegal de abelhas no país. Em um artigo, publicado no periódico Insect Conservation and Diversity, ele mapeou vendedores de 85 cidades brasileiras, a maioria em área de Mata Atlântica, que comercializam colônias de abelhas a preços que vão de R$ 70 a R$ 5 mil. Nesse universo, havia 308 anúncios de vendas ilegais. Entre as mais procuradas havia espécies em extinção, como as uruçus (Melipona).

— O Brasil tem a maior indústria de meliponicultura do mundo, porque temos mais quantidades de espécies manejadas. O problema é a tendência atual de comércio irrestrito, sem respeito às regras e ao manejo responsável — afirma Antônio Carvalho.

Presidente da Associação dos Meliponicultores do Espírito Santo, Adailton Gonçalves Pinheiro diz que a entidade ajuda os 262 associados a venderem o excedente de enxames em operações legalizadas. Pinheiro afirma ser contra a comercialização de abelhas entre áreas não naturais e diz que a associação defende as “boas práticas de manejo”, especialmente da Melipona-capixaba, em risco de extinção. Mas, na sua visão, o comércio legal é positivo.

— O crescimento do comércio de abelhas está, sim, acontecendo e é salutar para toda a cadeia da meliponicultura e para o ecossistema desde que com abelhas de ocorrências naturais entre os locais que estejam sendo comercializados — explica Pinheiro, que defende a regulamentação do mercado pelo PL 4.429/2020. — Hoje, não existem dados desse comércio no país, porque há poucos meliponicultores devidamente registrados.

Desmatamento e agrotóxicos também ameaçam abelhas

À questão do mercado irregular, se somam os problemas que o país já enfrentava: o desmatamento e o uso excessivo de agrotóxicos, que também impactam as populações de abelhas. De 2021 a 2022, 20 mil hectares de Mata Atlântica foram desmatados, e o patamar alto também se estabeleceu, nos últimos anos, na Amazônia e no Cerrado. Enquanto isso, o Brasil vem intensificando o uso de agrotóxicos. Somente durante a gestão de Jair Bolsonaro, mais de 2 mil novos agrotóxicos tiveram autorização para uso, e o Projeto de Lei do agrotóxico, que pode ser votado em breve no Senado, flexibilizaria as exigências de autorizações.

— O desmatamento resulta em perda de habitat para as abelhas. Sem árvores para construírem seus ninhos e sem flores para coletarem alimento, os colapsos são inevitáveis. E o desmatamento muitas vezes vem acompanhado da produção agrícola em larga escala. Apesar da inegável dependência financeira e alimentar que nós temos por alimentos produzidos em culturas que demandam agroquímicos, é inegável que essas substâncias são prejudiciais às abelhas. Se, nas cidades, nossos meliponários urbanos são afetados pelo fumacê de combate à dengue, por exemplo, no campo, tanto as abelhas silvestres como as manejadas sofrem com o uso excessivo de agrotóxicos — explica Antônio Carvalho.