Comércio ilegal de macacos africanos é crescente ameaça para espécies em extinção
Relatório mostra que o problema é crescente e muito pouco vem sendo feito para combater esse mercado clandestino, que abastece zoológicos particulares
Rotineiramente vítimas da destruição de seu habitat e da caça ilegal, grandes símios na África enfrentam outra ameaça crescente: o sequestro por criminosos que os vendem para o mercado clandestino de animais de estimação e fornecimento de animais para zoológicos. Um relatório da Iniciativa Global Contra o Crime Organizado Transnacional, detalhado pela National Geographic, mostra que chimpanzés, bonobos e duas espécies de gorilas são alvo dessa atividade que é pouco monitorada internacionalmente.
Todas essas espécies estão ameaçadas de extinção e protegidas por leis nacionais e internacionais. Mas poucos grupos ou governos rastreiam as apreensões desses animais, tornando difícil saber a exata gravidade da ameaça que o comércio de animais vivos representa. Mas os casos têm crescido nos últimos anos, segundo Daniel Stiles, autor do relatório e investigador independente do comércio de vida selvagem no Quênia.
Trabalhando com uma rede de investigadores e informantes disfarçados, Stiles descobriu que os anúncios de bebês símios vivos estão aumentando no WhatsApp e nas redes sociais. Desde 2015, ele documentou 593 anúncios postados por 131 indivíduos em 17 países.
Hoje, os preços dos animais quadruplicaram em comparação com uma década atrás, com chimpanzés sendo vendidos por até US$ 100 mil, bonobos por até US$ 300 mil e gorilas por até US$ 550 mil. E o pior: para cada bebê chimpanzé sequestrado, os caçadores normalmente matam de seis a sete adultos. Além disso, muitos filhotes morrem de ferimentos, doenças ou maus-tratos durante o processo de transporte até o destino final.
Segundo Stiles, a maioria dos símios vai para a China, Paquistão, Líbia ou países do Golfo Pérsico (especialmente os Emirados Árabes Unidos), onde se tornam animais de estimação ou atrações em zoológicos particulares. Somente na China, cerca de 10 mil zoológicos foram abertos entre 2013 e 2020, quase dobrando o número total, diz o relatório.
A proliferação dos zoológicos não acontece pela intenção de aproximar pessoas e animais. Mas sim, afirma Stiles, porque é mais fácil para esses estabelecimentos obter licenças de importação para espécies protegidas do que para cidadãos individuais. “Os zoológicos registrados fornecem cobertura legal sob o disfarce de centros de resgate ou conservação”, diz ele. “Eles também oferecem instalações para ‘lavar’ animais contrabandeados”, complementa.
Monitoramento ineficiente
“Os formuladores de políticas internacionais, organizações de conservação e governos não compreenderam a extensão impressionante do comércio ilegal de grandes símios africanos”, diz Iris Ho, chefe de campanhas e políticas da Aliança Pan Africana de Santuários (PASA), uma coalizão sem fins lucrativos de 23 santuários de primatas em 13 países africanos, que foi entrevistado para o relatório.
A PASA exibe outro sinal do problema do comércio ilegal de grandes símios áfricanos: cresceu bastante o número de indivíduos abrigados pelos santuários ligados à organização, e eles já cuidam de mais de 1.100 chimpanzés, a maioria confiscada do comércio ilegal. A maioria dos santuários do PASA já está operando em capacidade máxima, e as instalações são subfinanciadas.
Segundo Daniel Stiles, pouco está sendo feito para impedir essa alta no comércio ilegal, em parte porque importantes grupos internacionais encarregados de proteger esses animais ainda não prestaram muita atenção ao problema.
A Parceria pela Sobrevivência de Grandes Símios (GRASP), uma aliança ligada à ONU, diz incluir o combate ao comércio ilegal entre suas prioridades. Mas, de acordo com Doug Cress, ex-líder do GRASP, o grupo “quase não funciona mais”. Cress renunciou em 2016 porque as agências da ONU que deveriam apoiar o esforço nunca o trataram como uma prioridade, diz ele. “Eu estava cansado de lutar contra a burocracia.”
Johannes Refisch, que assumiu a direção da GRASP desde então, diz que “coibir o comércio ilegal é uma prioridade”. Mas, para Daniel Stiles, o esforço ainda está muito distante de ser o suficiente para afastar a existência da caça e comércio ilegal dos grandes símios.