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Cientistas descobrem abelhas-múmias de 3 mil anos que podem apontar caminhos de resistência às mudanças climáticas

Cientistas descobrem abelhas-múmias de 3 mil anos que podem apontar caminhos de resistência às mudanças climáticas

O estudo das múmias oferece um vislumbre do clima no mundo antigo e destaca a importância de compreender o passado para garantir a sobrevivência desses polinizadores no presente e futuro

Em 2019, durante pesquisas em um sítio paleontológico no sudoeste de Portugal, cientistas fizeram uma descoberta surpreendente: eles encontraram abelhas mumificadas preservadas em sarcófagos subterrâneos por quase 3.000 anos. Esses polinizadores da época dos faraós pertenciam a um grupo chamado Eucera e passaram a maior parte de suas vidas gestando no subsolo e emergindo apenas quando sua planta preferida florescia.

Os pesquisadores deduziram que algo catastrófico tinha acontecido. Eles usaram microtomografia computadorizada de raios X, que permite uma análise tridimensional, para conseguir examinar as abelhas preservadas sem destruir os casulos protetores. Os insetos foram preservados graças à argamassa orgânica composta por fios semelhantes à seda produzidos pela abelha-mãe, que selou e protegeu os casulos da decomposição.

Essa condição torna o estudo muito especial: é raro encontrar corpos fossilizados das abelhas devido à rápida decomposição dos seus exoesqueletos feitos de quitina. O que resta são vestígios fósseis ou impressões de corpos, ninhos ou tocas. “O grau de preservação dessas abelhas é tão excepcional que conseguimos identificar não só os detalhes anatômicos que determinam o tipo de abelha, mas também o seu sexo e até mesmo o suprimento de pólen monofloral deixado pela mãe quando ela construiu o casulo”, contou Carlos Neto de Carvalho, coordenador científico do Geopark Naturtejo e colaborador do Instituto Dom Luiz, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Após a análise das abelhas mumificadas, os pesquisadores levantaram a hipótese de que uma queda repentina na temperatura durante o início da primavera poderia ter causado a morte. Outras possibilidades, como inundações ou secas, foram descartadas porque as abelhas tinham comida suficiente armazenada dentro de suas células. No litoral do sudoeste, o período climático vivido há quase 3.000 anos foi marcado, em geral, por invernos mais frios e chuvosos que os atuais.

“Uma queda acentuada da temperatura noturna no final do inverno ou uma inundação prolongada da área já fora da estação chuvosa poderia ter levado à morte, por frio ou asfixia, e à mumificação de centenas destas pequenas abelhas”, explica Carlos Neto. O estudo publicado na revista Papers in Palaeontology não só lança luz sobre a morte em massa de abelhas possivelmente provocada por mudanças climáticas bruscas, mas também expande o conhecimento sobre a capacidade de resiliência desses insetos essenciais para a biodiversidade e agricultura em um mundo cada vez mais marcado por extremos.

O grupo Eucera é uma das cerca de 700 espécies de abelhas que ainda hoje existem em Portugal em diferentes habitats. Pelo mundo existem mais de 20.000 espécies de abelhas, mas suas populações sofreram redução significativa devido às atividades humanas, incluindo uso de pesticidas e as mudanças climáticas. “Compreender as razões ecológicas que levaram à morte e mumificação das populações de abelhas há quase 3.000 anos poderia ajudar a compreender e estabelecer estratégias de resiliência às alterações climáticas”, dizem os pesquisadores.