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Ceia de Natal: escolha alimentos sustentáveis, que provocam baixa emissão de carbono

Ceia de Natal: escolha alimentos sustentáveis, que provocam baixa emissão de carbono

O espírito do Natal inspira o altruísmo e a sensação de comunidade. Mas uma forma diferente de manifestar esse sentimento no mundo da gastronomia é a escolha de comidas sustentáveis. Além da doação de alimentos, um mecanismo de empatia coletiva é escolher comidas que provoquem baixa emissão de carbono, decisão que pode ter grande impacto na ceia de Natal. Mudar a composição do cardápio pode alcançar uma redução de emissões de CO² e outros gases nocivos em até 30 vezes. Saber qual é a opção certa, no entanto, nem sempre é fácil, pois a “pegada de carbono” dos alimentos raramente é indicada nas embalagens. Mas há regras gerais que ajudam.

Enquanto a regulamentação no Brasil ainda não obriga os fabricantes a relatarem suas emissões, a melhor maneira de buscar alimentos sustentáveis é evitar aqueles que, em média, são os mais poluentes. Há diversas plataformas mundo afora que buscam compilar e publicar essas informações. Uma iniciativa que fez uma revisão recente da literatura científica publicada e a tornou acessível ao público leigo é a do projeto de curadoria de dados Our World In Data (OWID), da Universidade de Oxford, na Inglaterra.

Uma compilação de estudos analisada pela cientista de dados Hannah Ritchie, diretora de pesquisa do centro de pesquisa, indica que os alimentos são responsáveis por algo entre um quarto e um terço das emissões globais, se levada em conta toda a cadeia de produção e consumo. Uma primeira consulta ao explorador de dados que o OWID criou para impacto ambiental da alimentação revela logo de cara uma verdade incômoda, que pesquisadores brasileiros conhecem bem.

— O impacto da pecuária, é sem dúvida, o que mais desponta em todos os estudos, e já existe um consenso sobre o peso da carne nas emissões da produção de alimentos — explica o nutricionista Rafael Rioja Antunes, coordenador de consumo sustentável do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). — O produto que mais preocupa é a carne bovina, mas não só.

Segundo um estudo global dos cientistas Thomas Nemecek e Joseph Poore, de Oxford, que embasa os dados do OWID, a emissão de gases de efeito estufa média de 1 kg de carne bovina, de um modo geral, é oito vezes maior do que a da carne suína, ou dez vezes maior que a da carne de aves. Quando comparada com uma fonte vegetal de proteína, então, a diferença começa a entrar na casa das centenas. Isso significa que, por larga margem, a escolha do componente de proteína é a que mais faz diferença na contagem do impacto ambiental de uma refeição.

Em última instância, porém, a contagem real de emissões de CO² varia de local para local, e boas práticas de produtores específicos podem ajudar a reduzir a pegada de carbono de uma peça de carne. A má notícia para os brasileiros carnívoros é que a carne nacional, quando comparada a de vários outros países, se sai muito mal.

Veja quanto de carbono tem em cada alimento.
Veja quanto de carbono tem em cada alimento. Foto: OWID/Editoria de Arte O Globo

Um pacote de 1 kg de carne no Brasil emite tipicamente mais de 60 kg de CO² para produção, enquanto a carne irlandesa (uma das menos sustentáveis da Europa), por exemplo, emite cerca de 40 kg, mostra estudo da pesquisadora Elke Stehfest, da Agência de Avaliação Ambiental da Holanda. Quando se coloca na equação o “custo de oportunidade” das propriedades rurais e a “mudança de uso da terra”, a pegada ambiental da carne irlandesa salta para 60 kg CO² e a brasileira para mais de 200 kg CO².

Isso acontece basicamente porque a derrubada de floresta amazônica na fronteira agrícola do Brasil causa mais emissões de CO² do que a pecuária local em si. A pecuária é o grande motor do desmatamento no país.

As diferenças de emissão entre produtores de vegetais também existem, mas nesse caso o consumidor tem como se orientar melhor.

— Um dos meios de fazer isso é pelo menos incluir uma certificação ambiental no rótulo dos produtos, e há vários selos. Existem “tons” de agricultura sustentável, que vão deste a agricultura orgânica, que elimina agrotóxicos, até a “sustentável”, que tem um uso regulado e racional dos agrotóxicos — explica Isabel Garcia Drigo, gerente de clima e emissões do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).

Como as entidades certificadoras internacionais de agricultura orgânica exigem práticas que são de baixa intensidade de emissão, optar por um alimento dessa categoria em geral assegura uma pegada de carbono menor. E quando o acesso a produtos orgânicos não é opção para uma classe de consumidor (em geral por causa do preço) no consumo de vegetais o segredo de buscar a baixa emissão é fugir das grandes monoculturas de commodities.

— A produção de alguns grãos, como soja, milho e trigo, também vem representando impacto ambiental significativo pela forma e extensão dessas plantações, que têm uso intensivo de agrotóxicos e utilizam uma grande área — diz Antunes, do Idec.

Tanto as grandes traders de soja e milho quanto as de proteína animal têm prometido melhorar suas políticas de emissão de CO² e rastrear melhor seus produtos. Segundo o Imaflora, porém, a maioria dos compromissos públicos ainda precisa evoluir para o segundo estágio: a transparência.

— É preciso olhar para as empresas levando em conta aquilo com o que ela se comprometeu. E também observar se elas provam que estão baixando suas emissões, abrindo os dados para o público — diz Garcia Drigo.

A avaliação da pegada ambiental dos alimentos se torna ainda mais desafiadora quando se leva em conta também outros aspectos, como a “pegada hídrica” (consumo de água nas fazendas) e a poluição por agrotóxicos e rejeitos.

Se a orientação dos consumidores hoje é um desafio em meio a um labirinto de informações, há uma boa notícia para quem gosta de comer de forma saudável. Os alimentos que promovem mais a saúde tendem a ser, em geral, os que provocam menos emissões.

— Quem busca comer produtos in natura e minimamente processados, incluindo arroz, feijão, frutas, hortaliças e cereais integrais, tente a estar cuidando não só de sua saúde, mas também da saúde do ambiente — diz Antunes.

Um desafio, dizem os pesquisadores, é fazer com que os consumidores incorporem esse comportamento no longo prazo, e não só ao preparar a ceia de Natal.