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Caatinga foi terceiro bioma mais afetado pelo desmatamento em 2021

Caatinga foi terceiro bioma mais afetado pelo desmatamento em 2021

Dados do relatório do MapBiomas aponta aumento de 20% em degradação de florestas nacionais em 2021

Nos últimos três anos, o Brasil perdeu quase o equivalente a todo o território do Rio de Janeiro em áreas desmatadas. É o que aponta o Relatório Anual de Desmatamento no Brasil (RAD), do MapBiomas, divulgado no último dia 18. A Amazônia foi a região mais afetada e perdeu 977 mil hectares somente no ano passado, um crescimento de 15% em comparação com 2020. Em segundo lugar no índice negativo aparece o Cerrado, que perdeu pouco mais de meio milhão de hectares (30% de aumento). Na sequência, vem a Caatinga, que perdeu o equivalente a mais de 140 mil estádios como o Arena Castelão de cobertura vegetal somente em 2021.

“Os maiores aumentos proporcionais de 2020 para 2021 de desmatamento ocorreram na Caatinga (88,9%) e no Pampa (92%). No caso da Caatinga, o aumento é causado em parte pelo aprimoramento da detecção dos alertas”, detalha o documento.

Em todo o País, foram perdidos 16.557 hectares de mata nativa. O estudo foi feito com base no refinamento de 69.796 alertas de desmatamento em todo o território nacional, cruzando os dados de áreas protegidas e autorizações de Cadastro Ambiental Rural (CAR). A partir dessas informações, o relatório aponta ainda que há indícios de irregularidades em 98% dos casos de desmatamento.

O correspondente a 77% dessa área desmatada está em imóveis rurais cadastrados no CAR, o que indica que, na maioria dos casos, é possível identificar responsáveis pelo desmatamento, aponta o estudo.

Mapa do Brasil destacando, por biomas, o ranking de desmatamento em 2021: 1° AMAZÔNIA 59%; 2° CERRADO 30,2%; 3° CAATINGA 7%; 4° MATA ATLÂNTICA 1,8%; 5° PANTANAL 1,7%; e 6° PAMPA 0,1%
Fonte: RAD 2021 – RELATÓRIO ANUAL DO DESMATAMENTO NO BRASIL

O relatório ainda indica as atividades econômicas que funcionam como vetores de pressão desse desmate. Nos últimos três anos analisados, a agropecuária foi responsável por 97,8% da devastação. Seguida pelo garimpo (0,6%), mineração (0,1%), outras atividades (1,3%) e expansão urbana (0,2%), mais frequente em regiões próximas às capitais e grandes centros urbanos.

Doutor em Geografia e professor do Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Bartolomeu Israel de Souza avalia que essa identificação de fatores e autores do desmatamento ilegal são importantes para punir e reduzir ações. Mas o pesquisador analisa que falta interesse do governo federal em coibir a destruição florestal.

“Na maioria dos casos, conforme o relatório coloca, é possível identificar as pessoas porque esses dados são extraídos em imagens de satélite. Por meio dessas imagens é possível colocar uma malha de propriedade e, consequentemente, saber quem são os donos e, a partir daí, direcionar a multa. Do ponto de vista tecnológico é totalmente viável identificar quem são os causadores desse desmatamento e imputar a eles o que está previsto na Lei. Infelizmente, a gente vive um momento em que o que está previsto na Lei não está sendo colocado em prática como deveria porque o governo federal apoia esse tipo de atitude”, ressalta o professor.

O estudo do MapBiomas também analisou as ações realizadas pelos órgãos de controle ambiental e indica que autuações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) atingiram, até maio de 2022, apenas 2,4% dos desmatamentos e apenas 10,5% da área desmatada entre 2019 e 2021.

O índice melhora minimamente nos 52 municípios definidos como prioritários pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) para o combate ao desmatamento na Amazônia. Nestes, as ações chegam a 4,4% do total de alertas e 21,2% da área desmatada.
Quando somadas, as ações realizadas pelos órgãos federais e estaduais, incluindo Ministérios Públicos, o número de alertas de desmatamento detectados entre 2019 e 2021 com ações de fiscalização sobe para 15.980, o que representa 7,7% do total e 27,1% da área desmatada (1,169 milhão de hectares).

No ano passado, 13 estados superaram a marca de 1 mil alertas de desmatamento. Em 2020, foram 11 estados, e em 2019, 10 estados. Houve crescimento da área desmatada em 20 estados. Entre os estados onde o desmatamento mais cresceu em termos proporcionais estão Pernambuco, Paraíba, Ceará, Minas Gerais e Sergipe, com mais de 80% de aumento na área detectada. Em números absolutos, os maiores crescimentos foram no Amazonas (64.673 ha) e Bahia (46.160 ha).

A desigualdade social contribui
para o desmatamento na Caatinga

O professor Bartolomeu explica que o uso da biomassa para produção de carvão ainda corresponde a mais de 30% da matriz energética na Caatinga. Esse uso da lenha para cerâmicas, padarias e indústrias contribui para a devastação ambiental do bioma. Além disso, os anos com chuvas escassas registrados entre 2012 e 2020 também contribuíram para maior uso da madeira, principalmente pela população mais empobrecida, destaca Bartolomeu.

degradação do bioma empobrece o solo e diminui os recursos naturais necessários inclusive para a alimentação de animais na pecuária, uma das principais atividades econômicas da região coberta pela Caatinga, analisa o pesquisador. “O solo fica mais desprotegido e, consequentemente, quando vem a chuva, esse material, parte dele vai ser levado pra dentro dos açudes, o que provoca um processo de assoreamento e diminuição do tempo de vida de vida útil que a capacidade de se acumular água desse açude teria”, explica.

“O desmatamento acelerado também reduz a disponibilidade de alimentos para o gado. É um modelo que fragiliza ainda mais econômica e socialmente uma região que historicamente passa por esses problemas de baixos níveis sociais e econômicos”, adiciona.

Áreas privadas e da União
são as mais desprotegidas

Quase 70% de toda a área desmatada em 2021, segundo o MapBiomas, estava em propriedades privadas, incluindo 14,1% em assentamentos rurais. Pouco mais de 10% das áreas devastadas correspondiam a terras públicas, sendo 9,3% delas não destinadas. Já as áreas protegidas corresponderam a 5,3% do total desmatado, sendo 1,7% nas Terras Indígenas e 3,6% nas Unidades de Conservação.

Na Caatinga, Mata Atlântica e Pampa, a concentração de alertas ocorre em vazios fundiários, que podem ser tanto propriedades rurais ainda não registradas como terras da União. A Amazônia segue o mesmo padrão, com quase 45% do desmatamento em áreas privadas, mais 22,2% em assentamentos, 17,2% em áreas públicas e 8,5% em terras protegidas. “Os aumentos mais expressivos foram em áreas de vazio fundiário (88%), áreas públicas não destinadas (47%) e áreas privadas (32%)”, detalha o relatório.

Terras indígenas são menos desmatadas

“Nos últimos três anos (entre 2019 e 2021), houve crescimento do desmatamento em todas as categorias fundiárias, exceto em Terras Indígenas (TIs), o que reforça a importância desses territórios para a preservação ambiental”, ressalta o documento. Desde o início do governo de Jair Bolsonaro (PL), em 2018, nenhum território indígena foi demarcado pela União. Segundo o professor Bartolomeu, isso condiz com a política de omissão contra o combate ao desmatamento.

“As reservas indígenas têm papel fundamental, que complementa as unidades de conservação no País, no sentido exatamente também de proteger os biomas brasileiros. Os povos tradicionais fazem uso dos recursos naturais nessas unidades de forma mais sustentável. Então, para a manutenção da biodiversidade no País, as unidades de conservação associadas às reservas indígenas se complementam e exercem um papel fundamental. Infelizmente, da mesma maneira como as unidades de conservação , as reservas indígenas sofrem desse mesmo tipo de, se não uma perseguição, mas, no mínimo, omissão por parte do Governo Federal”, sintetiza.

A política do retrocesso

Para o pesquisador, para além da identificação com determinada ideologia política, a população precisa estar atenta às consequências de colocar no poder lideranças desinteressadas na proteção ambiental. “Se omitir e até incentivar o desmatamento traz consequências negativas. Na realidade, vivemos hoje um retrocesso nesse aspecto. Estamos discutindo agora em pleno século XXI uma série de ideias equivocadas que tiveram vez na década de 1960/1970. O Brasil regrediu em diversas pautas e a ambiental é uma delas. E isso não pode continuar. Precisamos dar um basta a esse tipo de coisa. Independentemente  de questões políticas, temos que dar espaço para pessoas que efetivamente se preocupam com o que vai ser deste País”, finaliza.