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Boi que arrota menos, carne carbono neutro: conheça inovações em busca da proteína animal mais “verde”

Boi que arrota menos, carne carbono neutro: conheça inovações em busca da proteína animal mais “verde”

Pecuária avança em diferentes eixos, desde geração de energia à modificação da criação nos pastos, para reduzir emissões de gases do efeito estufa e melhorar imagem do setor

No Brasil, a pecuária é responsável pelo segundo maior volume de gases-estufa emitidos, ficando atrás apenas das queimadas e desmatamento, segundo dados do governo federal e de monitoramentos independentes. Dentro de uma agenda para a neutralização de carbono e sob pressão crescente de compradores atentos à questão ambiental, as empresas brasileiras, tradicionalmente importantes no mercado mundial da carne, têm projetos para diminuir ou ao menos compensar o impacto desta indústria.

Segundo Alexandre Berndt, diretor-geral da Embrapa Pecuária Sudeste, hoje a pecuária tem três meios de reduzir seu impacto no ambiente. A primeira é suplementando, ou seja, provendo na alimentação dos animais ingredientes que diminuem a fermentação entérica – a produção de gás metano emitido nos arrotos e gases dos bois.

Uma segunda frente de mudança é aumentar a eficiência na operação, o que permite abater os animais até um ano mais cedo, reduzindo o ciclo de quatro para três anos. A terceira maneira é compensar o carbono emitido, através de programas de plantio de árvores e lavouras.

Empresas como JBS, Marfrig e BRF já estabeleceram metas para diminuir e até zerar emissões de carbono até 2040. O caminho é árduo, tanto que um monitoramento recente apontou diversas empresas mundiais, entre elas as brasileiras Vale e JBS, de terem planejamentos menos detalhados do que o necessário para garantir a meta net zero dentro do prazo.

Os frigoríficos nacionais têm diversas ações em andamento, em diferentes escalas, que vão desde embalagens à fabricação de usinas próprias para a produção de energia limpa para as fábricas, como é o caso da BRF, que tem projetos de construção de usinas eólicas e solares.

Os esforços, apesar de variados, ainda não são mensuráveis, segundo a Embrapa, que afirma não haver como saber o quanto da produção da pecuária nacional é feita de forma sustentável, bem como especificar seu impacto.

Como uma diretriz para o agronegócio, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento anunciou em 2021 o ABC+, Plano Setorial de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária, que entra em vigor neste ano. O objetivo do governo federal é reduzir a emissão de carbono equivalente em 1,1 bilhão de toneladas no setor até 2030.

Frigoríficos buscam inovar desde embalagens à fabricação de usinas próprias para a produção de energia limpa para as fábricas. — Foto: Unsplash

Frigoríficos buscam inovar desde embalagens à fabricação de usinas próprias para a produção de energia limpa para as fábricas. — Foto: Unsplash

Suplemento alimentar promete diminuir gases dos bois

Uma inovação adotada pela JBS, segunda maior companhia de alimentos do mundo, que processa 20 milhões de toneladas de carne anualmente, pretende diminuir o volume de gases emitidos pelo rebanho. Utilizando o Bovaer, um suplemento adicionado na alimentação do gado confinado.

O projeto-piloto conta com 30 mil bovinos do confinamento da companhia em Rio Brilhante (MS), que recebem um quarto de colher de chá na ração. O aditivo é ministrado no terço final de vida de animais, afirma a JBS, e não interfere na qualidade da carne.

O Bovaer tem potencial de reduzir em até 90% as emissões entéricas de metano, afirma a JBS. Pesquisas na Unesp (Universidade Estadual Paulista) mostraram reduções de até 55% na emissão de metano entérico pelos animais usando o suplemento. Hoje, as emissões totais da companhia são equivalentes a cerca de 440 mil toneladas deste gás por ano.

Após seis meses, os testes serão expandidos para um segundo mercado, que pode ser a Austrália ou os Estados Unidos, duas das maiores operações da empresa no mundo. Com a implementação completa do uso do suplemento, a empresa pretende obter a certificação da redução das emissões.

“O objetivo é promover uma transição da indústria global de carne bovina para obter, via nutrição, um caminho seguro para reduzir as emissões de metano”, afirma a companhia em comunicado.

Carne carbono neutro

A Marfrig lançou em 2020, em parceria com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa), a marca Viva, linha de “carne carbono neutro” produzida com a neutralização de gases do efeito estufa. O frigorífico tem capacidade de processamento total de 31,2 mil cabeças de gado por dia.

A carne sai de fazendas certificadas em Mato Grosso do Sul que criam gado em sistemas de integração do tipo silvipastoril, que integra animais com o pasto e árvores, ou agrossilvipastoril, que mistura lavoura, pecuária e floresta, garantindo ao consumidor que os gases do efeito estufa gerados pela produção da carne bovina sejam “neutralizados” devido à manutenção do verde na área.

A empresa trabalha para aumentar o volume de produção e expansão da linha, que já está nos supermercados brasileiros. Neste ano, a Marfrig promete lançar ainda a “carne baixo carbono” (CBC) como complemento do portfólio.

“Nosso próximo produto [a CBC] deve trazer volumes mais significativos [de produção com baixa emissão]”, afirma Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade e Comunicação Corporativa da Marfrig. O protocolo para a comercialização dos cortes foi feito em conjunto com a Embrapa.

Até agora, o programa envolveu investimento de cerca de R$ 10 milhões em pesquisa, certificação de propriedades, construção da marca, desenvolvimento dos padrões de corte, divulgação e pagamento de royalties.

Atualmente, os produtos da Marfrig chegam a 100 países. Entre as metas da empresa está o de ter 100% da cadeia de fornecimento livre de desmatamento até 2030. Em 2020, o grupo afirma ter alcançado a identificação de origem de 62% dos fornecedores na Amazônia e de 47% no Cerrado.

Segundo a empresa, há meta de redução de emissões do escopo 3, que engloba carbono gerado por resíduos, transporte e armazenamento, por exemplo, de 33% até 2035, tendo como base de comparação o ano de 2019.

Energia renovável na produção

A BRF, que tem em seu grupo marcas como Sadia e Perdigão, tem como uma de suas metas chegar a 2030 com mais de 50% da sua matriz elétrica proveniente de fontes limpas. Em 2020, cerca de 3% da energia consumida pela companhia era eólica ou solar e, até o final de 2022, a expectativa é chegar a 25%.

A companhia lançou recentemente o “primeiro frango plant based carbono neutro do Brasil”, da linha Sadia Veg&Tal. Concebida desde o início para ter as emissões 100% neutralizadas, os produtos tiveram a pegada de carbono considerada desde o cultivo dos grãos até o fim do ciclo de vida da embalagem do produto. O cálculo para permitir classificar o produto como “carbono neutro” foi avalizado por auditoria independente.

“A embalagem é reciclável, conforme o compromisso da empresa de ter 100% de suas embalagens recicláveis, reutilizáveis ou biodegradáveis até 2025”, destaca a BRF em nota.

O grupo firmou parceria com a empresa brasileira Pontoon para a construção de um parque de energia solar nas cidades de Mauriti e Milagres, no Ceará. O início do funcionamento está previsto para o início de 2024.

Com a nova usina em atividade, a previsão da empresa é chegar a 88% da energia elétrica utilizada proveniente de fontes limpas e renováveis no Brasil.