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Aviação sustentável: o que as companhias estão fazendo para reduzir as emissões e outros impactos

Aviação sustentável: o que as companhias estão fazendo para reduzir as emissões e outros impactos

Softwares inteligentes, combustíveis sustentáveis e compensação de carbono estão entre as medidas adotadas pelas brasileiras Azul, Gol e Latam para atingir suas metas de emissão líquida zero em 2050

O setor de aviação responde por 3,5% das atividades humanas que provocam o aquecimento global, segundo a pesquisa mais abrangente já feita sobre o tema, publicada em 2020 na revista científica Atmospheric Environment. O estudo internacional, liderado pela Universidade Metropolitana de Manchester, no Reino Unido, analisou dados de viagens e transporte aéreos globais de 2000 a 2018 e descobriu que os aviões emitiram 32,6 bilhões de toneladas de gás carbônico ao longo de sua história (de 1940 a 2018). Metade disso foi gerada nos últimos 20 anos, devido ao aumento do número de voos e tamanho das frotas, especialmente na Ásia.

Os pesquisadores identificaram que um terço do impacto da aviação vem de emissões de gás carbônico, enquanto que a maior parte está relacionada a outros aspectos, como emissão de óxido de nitrogênio, o efeito de rastros de condensação e de dissipação (nuvens de cristais de gelo criadas pelos motores das aeronaves em alta altitude), vapor de água, fuligem, gases aerossóis e aerossóis de sulfato encontrados nas plumas de exaustão emitidas pelos aviões.

“Dada a dependência da aviação com a queima de combustível fóssil, seus efeitos significativos de CO2 e não CO2 e o crescimento projetado da frota, é vital entender a escala do impacto da aviação nas mudanças climáticas atuais, especialmente tendo em vista as exigências do Acordo de Paris para atingir emissões líquidas zero por volta de 2050”, afirma David Lee, principal autor do estudo, em entrevista ao site da universidade. Apesar de o Acordo de Paris incluir a aviação doméstica nas metas de redução de cada país, ele não menciona os voos internacionais, que respondem por 64% do tráfego aéreo mundial, por isso a importância da pesquisa.

Para David Fahey, co-autor e diretor dos Laboratórios de Pesquisa do Sistema Terrestre da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos, a “avaliação ajudará os tomadores de decisão e a indústria na busca de futuras ações de mitigação, protegendo este importante setor de quaisquer afirmações imprecisas sobre seu papel no sistema climático”.

Em outubro de 2021, as empresas integrantes da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA, em inglês) se comprometeram a atingir emissão líquida zero até a metade do século, o que vai envolver uma combinação de combustíveis sustentáveis, novas tecnologias de propulsão, eficiência operacional e de infraestrutura e compensações/captura de carbono para preencher as eventuais lacunas. Em julho deste ano, ministros e representantes de 119 países se reuniram na sede da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) para uma rodada de quatro dias de discussões de alto nível em direção a uma nova meta global coletiva de redução das emissões de gás carbônico do setor.

De acordo com a OACI, espera-se que a nova meta internacional de redução de emissões seja formalmente estabelecida na 41ª Assembleia da organização, que será realizada de 27 setembro a 7 de outubro, no Canadá. “Um acordo formal deve definir uma abordagem comum entre os Estados para descarbonizar a aviação. Isso é fundamental para a indústria. Saber que as políticas governamentais vão apoiar o mesmo objetivo e cronograma adotados globalmente permitirão que o setor, principalmente seus fornecedores, faça os investimentos necessários para descarbonizar”, disse Willie Walsh, diretor geral da IATA, em nota no site da associação.

A organização tem um plano para cumprir a meta já estabelecida para 2050, o que vai exigir a mitigação de 1,8 gigatoneladas de carbono. “Um cenário potencial é que 65% disso seja reduzido por meio de combustíveis de aviação sustentáveis. Esperamos que novas tecnologias de propulsão, como o hidrogênio, cuidem de outros 13%. E as melhorias de eficiência serão responsáveis por mais 3%. O restante poderia ser tratado por meio de captura e armazenamento de carbono (11%) e compensações (8%). Qualquer que seja o caminho final para o líquido zero, a única maneira de chegar lá será com a cadeia de valor e os governos desempenhando seu papel”, afirma Walsh.

A IATA representa cerca de 290 companhias de aviação, que compõem 83% do tráfego aéreo global, entre elas as três principais do Brasil: Azul, Gol e Latam. Em entrevista ao Um Só Planeta, as empresas contam que ações têm implementado para descarbonizar suas operações e reduzir impactos ambientais em outras áreas, como resíduos sólidos e água.

Aviação de baixo carbono

Por meio da assessoria de imprensa, a Azul Linhas Aéreas Brasileiras informa que tem como meta zerar as emissões de carbono até 2045. “A empresa segue trabalhando em seu crescimento sustentável, com foco em uma operação eco-eficiente através da frota mais jovem e com menor consumo de combustível do país”, afirma, acrescentando que integra o Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) e o Esquema de Compensação e Redução de Carbono na Aviação Internacional (CORSIA, em inglês), da OACI.

Em abril de 2021, a Gol Linhas Aéreas anunciou a neutralização de emissão de carbono até 2050, conforme o CORSIA, com base em quatro pilares: utilização de aeronaves mais tecnológicas, com menor consumo e emissão (o Boeing 737-MAX 8, previsto para ocupar 33% da frota até o fim do ano, economiza 15% de combustível, emite 16% menos carbono e faz 40% menos ruído); melhorias operacionais com otimização do espaço aéreo e das operações em solo; uso de combustível sustentável (como o bioquerosene de óleo de cozinha residual e óleo de milho não elegível, usado pela primeira vez em 2012); e medidas baseadas no mercado, como a compensação voluntária de carbono pelos clientes, que sai por R$ 2 em média em um trecho como o de Congonhas (SP) ao Santos Dumont (RJ).

A campanha #MeuVooCompensa, lançada em junho do ano passado, foi desenvolvida em parceria com a climatech Moss, plataforma de crédito de carbono com atuação em projetos certificados de conservação na Floresta Amazônica. “Em um ano de campanha, foram compensadas mais de sete toneladas de gás carbônico pelos clientes, o equivalente a 36 hectares de florestas preservadas”, diz a nota. As rotas entre Recife e Fernando de Noronha e entre Congonhas e Bonito, informa a assessoria de imprensa, são 100% carbono neutro, e neste caso, a compensação individual do carbono gerado pelas viagens é assumida pela própria empresa. Para 2025, a Gol planeja colocar em operação aeronaves elétricas de decolagem e pouso vertical, chamadas de eVTOL, em grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro.

“Sabemos que temos o importante desafio de construção de um marco regulatório no Brasil que permita a produção dos combustíveis sustentáveis de aviação, porém sem distorções de mercado. Também temos clareza de que muitas das tecnologias que irão contribuir para a redução de nossas emissões ainda estão por vir e que, gradativamente, serão incorporadas à nossa operação. A constante renovação de frota de aviões, a implementação de uma cesta de medidas e a utilização de créditos de carbono vão nos possibilitar atingir a meta”, afirma a empresa.

Como meta climática, o grupo Latam pretende reduzir e neutralizar 50% das suas emissões domésticas até 2030 e ser uma companhia carbono neutro até 2050, informa Gislaine Rossetti, diretora de relações institucionais e regulatório da Latam Brasil e responsável pela área de sustentabilidade. “Por isso, estamos identificando projetos colaborativos de conservação e compensação dos ecossistemas icônicos na América do Sul, que referencialmente não apenas capturem ou removam CO2, mas também tenham cobenefícios, como a conservação de ecossistemas estratégicos e recursos hídricos”, conta.

Uma das ações adotadas pela empresa, desde março deste ano, é a compensação, em todas as sextas-feiras, das emissões geradas em nove rotas domésticas na ponte aérea Rio de Janeiro/Santos Dumont e São Paulo/Congonhas e de cargas Brasília-Belém. Em julho, a companhia anunciou a intenção de explorar oportunidades para a eliminação de gás carbônico por meio do sistema de captura e armazenamento direto de carbono no ar (DACCS, em inglês). Entre 2012 e 2021, por meio do programa Latam Fuel Efficiency, Gislaine informa que a empresa ganhou 6,5% de eficiência no uso de combustível, evitando o consumo de 353 milhões de galões de combustível e a emissão de 3,4 milhões de toneladas de gases de efeito estufa. Outro compromisso é utilizar até 5% de combustível sustentável até 2030.

Em relação às aeronaves, o grupo encomendou 70 unidades da família A320neo para modernização e aumento de eficiência da frota. “Em julho, no Brasil, recebemos a nossa sétima aeronave desse modelo, equipado com motores mais eficientes, melhorias aerodinâmicas e tecnologias que proporcionam um consumo de combustível 20% menor, 50% menos emissões de óxido de nitrogênio e 50% menos poluição sonora. O A320neo vem equipado com um software que reduz em mais de 60 mil toneladas a emissão anual de CO2 ao otimizar sua trajetória de pouso”, afirma. Chamado de Descent Profile Optimisation, o software deve ser instalado em até 200 aviões da família Airbus A320, reduzindo em até 300 toneladas a emissão de carbono e em 100 toneladas o consumo de combustível em cada aeronave. Integrante do CORSIA, o grupo também aderiu a Science Based Target initiative (SBTi), coalizão formada pelo Pacto Global, Carbon Disclosure Project (CDP), World Resources Institute (WRI) e WWF, que defende o uso de bases científicas na definição das metas que contribuam para o atingimento do estabelecido no Acordo de Paris.

Segundo a diretora, a Latam também adotou o uso de energia elétrica em operações de solo, em um projeto piloto desenvolvido em parceria com Real Aviation e BH Airport. Desde junho, a operação de Ground Handling de pelo menos 50% dos voos em Belo Horizonte passou a ser realizada por equipamentos movidos a energia elétrica em vez de diesel. A expectativa é deixar de emitir 114 toneladas de gás carbônico nos próximos 12 meses no aeroporto mineiro. “A aviação desempenha um papel fundamental no combate à crise climática. A Latam colocou a sustentabilidade como parte estratégica do negócio. É uma veia central que precisa estar na cultura da empresa e estamos gradativamente incorporando a sustentabilidade em todas as frentes definidas para nosso negócio, fazendo com que cada vez mais os projetos saiam do papel e aconteçam”, diz Gislaine.

Menos lixo

Com distribuição gratuita de lanches e bebidas no serviço de bordo, a Azul informou que retomou recentemente seus projetos internos de reciclagem e compensação dos resíduos, como o ReciclAzul, que coleta separadamente os itens recicláveis descartados a bordo dos seus voos para a correta destinação em solo. “Os materiais são destinados a cooperativas de reciclagem próximas de cada aeroporto, que ficam responsáveis pela separação e beneficiamento destes materiais. A estimativa para 2022 é que 2,3 toneladas de latinhas de alumínio sejam recolhidas nos voos com destino a essas bases e destinadas corretamente às cooperativas parceiras”, diz a nota. Até o fim do ano, a expectativa é que o programa esteja ativo nas principais bases de operação da Azul em Belém (PA), Cuiabá (MT), Curitiba (PR), Goiânia (GO), Porto Alegre (RS) e Salvador (BA), além dos aeroportos de Santos Dumont (RJ) e Congonhas (SP), até ser expandido para todas as cidades onde a empresa opera.

A Gol, informou a assessoria, possui um Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS) que contempla as atividades de coleta, segregação, armazenamento temporário e encaminhamento para tratamento por empresas licenciadas. Em 2021, a quantidade de resíduos gerados foi 27% menor do que no ano anterior, devido à pandemia, totalizando 464 kg. Destes, 21% foram reciclados (somando perigosos e não perigosos).

Segundo Gislaine, a Latam quer ser um grupo zero resíduo até 2027, o que significa não enviar nada para aterros sanitários. Por isso, o grupo se comprometeu a eliminar todos os plásticos de uso único até 2023. Neste ano, a empresa iniciou um projeto de reutilização criativa de uniformes usados, em parceria com a Revoada, em Porto Alegre (RS). O negócio de impacto social, que já reaproveitou 10 toneladas de uniformes, gera renda para mulheres do interior do estado em situação de vulnerabilidade social. No momento estão sendo desenvolvidas bolsas a partir do tecido destas peças, e Gislaine informa que em breve a Latam terá mais um lote de uniformes usados para o upcycling.

“Além disso, em fevereiro, implementamos os Eco Kits de Viagem em cabine Premium Business. Os kits incorporam materiais mais sustentáveis, como escovas de bambu com tampa de cana-de-açúcar e embalagens em papel kraft para reduzir ao máximo o uso de materiais plásticos. A previsão é de que até outubro deste ano todas as rotas internacionais operadas pela Latam Brasil tenham esses kits”, conta a diretora. Em março, a empresa fez uma parceria com a eureciclo para compensar 92 toneladas de resíduos gerados a bordo dos voos com origem ou destino a 12 aeroportos brasileiros sem serviço de coleta seletiva. “O volume corresponde à estimativa de resíduos que a companhia gerava em períodos pré-pandêmicos a bordo de seus voos nessas localidades. Para efeito de comparação, esse volume de resíduos seria capaz de encher quase duas aeronaves cargueiras do modelo Boeing 767”, compara Gislaine.

Serviços humanitários

Segundo a Azul, a empresa pretende ampliar o quadro de tripulantes voluntários, o transporte de órgãos pelo Sistema Único de Saúde e as atividades humanitárias nas comunidades onde atua.

A Latam, conta Gislaine, possui o Avião Solidário, um programa social que há 11 anos atende de forma gratuita às necessidades de saúde, cuidado com o meio ambiente, causas sociais e ajuda humanitária em desastres naturais, tendo 20 parceiros somente no Brasil. “Como resultado, já beneficiamos mais de 130 milhões de brasileiros. Nos últimos dois anos, transportamos 260 milhões de doses da vacina contra a Covid-19 a bordo de mais de 3 mil voos no Brasil. Já levamos mais de 4,5 mil animais em prol da preservação ambiental. Em 2022, enviamos mais de 4 toneladas de doações para as vítimas da guerra na Ucrânia, alimentos para mais de mil famílias vítimas das chuvas em Alagoas e no Rio Grande do Norte e 3 toneladas de alimentos para famílias vítimas das fortes chuvas em Recife”, diz a diretora.

Uso de água

Em 22 de março deste ano, no Dia Mundial da Água, a Gol anunciou mudanças no tradicional batismo de aeronaves, segundo a assessoria. O novo Batismo Sustentável é feito por meio de um filtro do Instagram, de maneira virtual. O ritual do batismo é uma tradição mundial usada para festejar uma nova rota, homenagear a tripulação (aposentadoria de comandantes, por exemplo) ou a chegada de um novo modelo de aeronave. Quando o avião pousa na pista do aeroporto, dois caminhões do Corpo de Bombeiros lançam jatos de água que formam um arco ao redor do avião, batizando-o. “Apesar da linda imagem gerada pelo batismo, são utilizados por ação de 3 a 5 mil litros de água. Ainda que seja empregada água de reuso, a ação consome um recurso precioso que pode ser economizado. A Gol aboliu o uso da água em suas comemorações, inovando com uma forma digital de celebração e com o desejo de que a água tenha destinações mais úteis”, informa a assessoria.

O grupo Latam trabalha em outra frente de conservação de água. A empresa mantém uma fazenda de 400 hectares na cabeceira da bacia hidrográfica do Ribeirão das Araras, em São Carlos, no interior de São Paulo. “Realizamos diversas ações e projetos para sermos cada vez mais eficazes na conservação nesta região. Em gestão rural, temos a manutenção das curvas de nível e demais dispositivos e infraestruturas para proteção do solo, evitando erosões e assoreamento dos córregos. Fazemos também a manutenção de 120 hectares de áreas florestais, garantindo a recarga do lençol freático e a proteção das três nascentes existentes nesta propriedade”, afirma Gislaine.

Como parte do pilar de transportes nas sociedades humanas, é fundamental que as companhias aéreas do mundo todo invistam em tecnologia e adaptem suas operações em prol do combate à crise climática.