Projeto de estilista usa lixo para ensinar moda a pessoas de baixa renda
Chamado para desenvolver um projeto com mães que tinham filhos em situação de rua, em 2000, o estilista e pedagogo Almir França se viu obrigado a usar a criatividade para ensinar moda a essas mulheres. Sem recursos para comprar materiais de corte e costura, Almir teve a ideia de reutilizar plásticos e pedaços de pano para dar as aulas. Surgia o embrião do Ecomoda, que finalmente se concretizou 10 anos depois, na inauguração de sua primeira unidade no Morro da Mangueira. Hoje já são 10 espalhadas por todo o estado, com 160 alunos nas oficinas e centenas já formados.
Apesar de dizer que o reaproveitamento de materiais ocorreu pela necessidade, o projeto contribui para a redução da poluição ambiental. Na unidade da Rocinha, onde os alunos desenvolveram bolsas com sacos plásticos de supermercados, a preocupação é evitar que mais resíduos acabem na língua negra de São Conrado. Na comunidade Roquete Pinto, em Ramos, que fica perto da Baía de Guanabara, restos de redes de pescadores viram sobretudos. Até mesmos exames de Raio-x, depois de higienizados, acabam virando matéria-prima das criações. Bolsas e sapatos são feitos a partir de banners, borracha e mangueiras de incêndio:
— Digo hoje que o lixo é o grande novo negócio, mas é para quem sabe usá-lo. Não tem nada melhor no mercado do que você chegar com uma matéria-prima diferenciada. Sem falar que o custo é muito mais baixo. Mas vai necessitar de um processo criativo maior — conta França.
O Ecomoda preza também pelo empoderamento da população local. Nas duas unidades de Teresópolis, por exemplo, mais precisamente no bairro Ermitage, o desafio é capacitar os atingidos pelas enchentes que devastaram a região em 2011. Eles perderam suas casas e hoje moram em condomínios construídos no bairro. A inserção de novos profissionais no mundo da moda sustentável é o principal desejo do criador projeto. Para Almir, é necessário formar pessoas que pensem fora da caixa, criando algo que não exista ainda e que ao mesmo tempo se torne competitivo no mercado, pois só desta maneira será possível transformar a vida dos seus alunos:
— Só tenho essa intenção de formar. Não podemos nos iludir em apenas ser bonzinhos. Precisamos que as pessoas não só aprendam, como pratiquem esse aprendizado. Essa é a real mudança para vida delas. Só teremos profissionais nessa área se tivermos pessoas capacitadas. Quem trabalha só fechando camisetas não é costureiro, é operador de máquina. É preciso também pensar em como reutilizar esses materiais para criar uma camiseta — diz o estilista.
COSTURANDO JOVENS
No momento em que o “outfit” – movimento que valoriza o alto custo das roupas – está bombando nas redes, jovens que se interessam em costurar suas próprias peças e com materiais reutilizados são um ponto fora da curva. Aos 13 anos e muito tímida, apesar da postura madura, a jovem Tamires Nascimento, moradora da comunidade Roquete Pinto, terminou há pouco seu curso no Ecomoda e além de ter aprendido como criar e customizar suas próprias roupas, também participou de dois desfiles usando peças de coleções desenvolvidas no projeto. Ela ainda não decidiu qual profissão quer seguir, mas acredita que o aprendizado que adquiriu no projeto pode vir a ser seu ofício:
— Acho que é uma área muito interessante que eu posso trabalhar. Ainda não tenho certeza de qual profissão vou seguir no futuro, mas é uma opção sim — diz.
Já para Carlos Eduardo, de 18 anos, que pretende seguir carreira na área militar, a costura aparece como aprendizado pessoal. Enquanto ainda não pega em armas, o também morador Roquete Pinto, na Maré, já se sente apto para costurar e pretende levar as técnicas aprendidas para toda a vida:
— Vendo os materiais que era eram para ir para o lixo sendo renovados, me chamou atenção. São coisas que não se vê todos os dias. Aprendi também a costurar, que é um aprendizado para levar para a vida.
Segundo Almir França, a ideia é escapar da definição “projeto social” e ser reconhecido como uma profissionalização. Para isso, o Ecomoda conta com diversos professores que se formaram pelo projeto. Pedro Lopes, de 30 anos, participou da segunda turma, e ao completar ao curso foi chamado para ser monitor. Hoje, Pedro é formado em moda pelo Senai, e além de dar aulas de estamparia no Ecomoda, cursa sua segunda graduação em história. Por conta disso, ele tenta levar para suas aulas o que aprende na nova faculdade:
— O mesmo desejo e vontade que eu tenho de estudar, quero dividir com os alunos. Tento trabalhar as pinturas do impressionismo até o pop arte com eles. Se temos uma estampa pintada com carimbos de tampas de garrafas, por exemplo, pode ser abstrata, e explico para eles o que é essa arte e quem são os nomes que a usaram — diz Pedro, que considera o Ecomoda um projeto de vida:
— Hoje, se eu tenho 10 calças jeans, cinco trarei para cá para desconstruir e montar uma nova peça. Mostrar que essa história de moda sustentável é possível. Além do valor manual que uma peça feita a mão carrega.