“O ano de 2015 será o mais quente”, afirma climatologista americano
O planeta alterna fases de aquecimento global acelerado ou mais lento. A resposta para essas variações no ritmo de elevação global das temperaturas parece estar no comportamento do Oceano Pacífico. Existe um ciclo de longo prazo no Pacífico. Durante um período de 5 a 15 anos, o mar absorve o excesso de calor da superfície, armazenando nas camadas profundas. Depois inverte o sinal e passa a jogar calor de volta na superfície. É a Oscilação Decadal do Pacífico (ODP).
As fases em que a ODP absorve calor da superfície esfriam a Terra. Ou esfriariam, se não houvesse uma tendência de aquecimento gerada pelos gases de efeito estufa que despejamos na atmosfera. Na fase em que o oceano tira calor da atmosfera ajuda a reduzir o ritmo do aquecimento global. Ela pode explicar o período de 2003 a 2013, quando o aquecimento global pareceu ter dado um tempo, o chamado “hiato”. Em outra fase do , o oceano faz o contrário. Ele devolve calor para a atmosfera, e o planeta esquenta mais rápido. Será que uma mudança na ODP pode explicar o repique no aquecimento global, que El Niño Mudanças Climáticas voltou a acelerar em 2014, com um recorde histórico? Ou será que o recorde tem a ver com o El Niño, fenômeno caracterizado pelo aquecimento do Pacífico em prazos mais curtos, de aproximadamente dois anos?
O climatologista Alex Sen Gupta, da Universidde de New South Wales, estuda o fenômeno da ODP e explica o que podemos esperar nos próximos meses ou anos.
ÉPOCA – O senhor publicou um estudo mostrando como a ODP pode transferir calor da atmosfera para camadas profundas do oceano. Como esse sistema funciona?
Alex Sen Gupta – Imagine que o oceano é uma piscina. E que o sol aquece a superfície da piscina enquanto o fundo fica frio. Se o vento começar a bater, a água pode se misturar. Ele ajuda a tranferir a água quente da superfície para o fundo. E a água fria do fundo circula para a superfície. O resultado é que a superfície ficaria mais fria. A ODP está associada a ventos fortes ou fracos que sopram do leste para o oeste, ao longo da faixa equatorial do Pacífico. Uma ODP positiva está associada a ventos mais fracos. Uma ODP negativa a ventos fortes. Numa ODP negativa (como tivemos nas últimas duas décadas), há mais mistura das águas do Pacífico. A água quente da superfície vai para o fundo. E água fria do fundo vem para a superfície. Como resultado, a região tropical do Pacífico tem estado mais fria nas últimas duas décadas.
ÉPOCA – Quando seu artigo foi publicado, a transferência de calor era da superfície para as águas profundas do Pacífico. Há alguma indicação de que o sentido dessa transferência se inverteu?
Gupta – A transferência de calor ocorre em diversas escalas de tempo. A ODP controla a mistura de águas quente e fria do Pacífico em prazoslongos (como várias décadas). Mas em prazos mais curtos, como alguns meses, essa tendência de mistura pode ser invertida como resultado dos eventos de El Niño e La Niña. O El Niño está associado a ventos equatorias fracos, menos mistura de água quente e fria (o que torna a superfície do Pacífico mais quente). A La Niña está associada a ventos mais fortes, e masi mistura de águas (que deixam a superfície do mar mais fria). Então, mesmo que tenhamos uma ODP negativa (que levaria a resfriamento da superfície), um El Niño pode compensar isso por um período curto de tempo. Em 2014, tivemos um El Niño fraco e agora temos um El Niño forte. Ambos eventos podem ter agido para contrabalançar a ODP negativa. No entanto, quando o El Niño atual morrer de novo nos próximos meses, não acredito que haja razões fortes para esperar que a ODP tenha invertido de negativa para positiva. Embora seja possível.
ÉPOCA – O ciclo de absorção de calor pelo Pacífico pode explicar o chamado “hiato” no aquecimento global de 2000 a 2013 quando não houve novos recordes nas médias anuais de temperatura?
Gupta – Sim. As temperaturas globais estão subindo nas últimas décadas por causa do forte efeito estufa. Mas os ciclos associados ao El Niño e a La Niña e às diferentes fases da ODP podem mudar o ritmo do aquecimento global. Durante uma ODP positiva, quando a água na superfície do Pacífico está mais quente, boa parte do calor é transferida para a atmosfera. Assim as temperaturas globais tendem a subir mais rápido. Por outro lado, durante uma fase de ODP negativa, como a dos últimos 20 anos, a superfície da água nos trópicos tende a esfriar. Há uma transferência de calor da atmosfera para o oceano. E o aumento global de temperatura tende a desacelerar. A ODP negativa recente tem sido bastante forte e contrabalançou boa parte do aumento de temperatura associado ao aquecimento global. Isso é apenas uma fase temporária. Pois a ODP inevitavelmente vai se reverter, e aí teremos uma velocidade maior de aquecimento global.
ÉPOCA – Há alguma interação entre a ODP e o ciclo El Niño-La Niña?
Gupta – É uma pergunta complexa. Temos uma boa compreensão de como o El Niño-La Niña funciona. Mas não sabemos tanto sobre a ODP. Alguns cientistas acham que a ODP pode ser uma manifestação de longo prazo do ciclo do El Niño. Digamos que, por acaso, um período de várias décadas tenha El Niños mais intensos e em outros períodos seja o contrário. Outros cientistas acham que existe um processo físico por trás da ODP. Seria bom que fosse, pois seríamos capazes de prever melhor a ODP.
ÉPOCA – O ano de 2014 quebrou o recorde de calor na atmosfera. Esse recorde pode ser associado à ODP? Ou seria efeito do El Niño?
Gupta- O ano de 2015 será o mais quente com uma boa margem. Creio que isso seja produto do aumento do aquecimento global (provocado pelo efeito estufa) combinado com um intenso El Niño. Embora haja alguma especulação de que estejamos vendo uma reversão do ciclo da ODP, não creio que exista indícios físicos fortes o bastante para afirmar isso. É importante lembrar que as mudanças de temperatura associadas ao El Niño ou a La Niña são mais intensas do que as mudanças ligadas aos ciclos da ODP. A ODP apenas importa porque está associada a mudanças de longo prazo, que se estendem por várias décadas.
ÉPOCA – Se a ODP estiver virando para uma fase positiva, poderemos ver altas temperaturas nos próximos anos?
Gupta – Certamente. Fases de ODP positivas tendem a ser associadas a períodos de aquecimento global mais rápido. E fases negativas de ODP com períodos de aquecimento mais lento. Se a ODP estiver entrando numa fase positiva, é provável que vejamos um ritmo de aquecimento acima da média.