Mobilidade urbana: calçadas mal cuidadas põem pedestre em risco
As pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida precisam ter garantido o seu direito de ir e vir e de chegar confortavelmente a qualquer lugar, e a calçada deve ser um espaço que garanta o caminhar livre, seguro e confortável a todos os cidadãos. No entanto, o que o passeio público oferece, por exemplo, em algumas áreas da cidade de João Pessoa, são buracos, degraus, pisos lisos, falta de rampas, entre outros obstáculos, a exemplo da utilização das calçadas como estacionamentos e depósito de entulhos.
Numa cidade como João Pessoa, onde pelo menos 145 mil pessoas apresentam algum tipo de dificuldade visual e onde um pouco mais de 54 mil pessoas têm alguma forma de deficiência motora e 142.482 pessoas estão acima dos 50 anos, as calçadas mal cuidadas podem se tornar uma grande fonte de acidentes e oferecer riscos também para os transeuntes com pressa ou desatentos.
O que agrava ainda mais a situação, é que não existe calçadas em 23,44% dos domicílios existentes em João Pessoa, ou seja, em 47.889 habitações, onde residem mais de 168 mil habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O mesmo mapeamento, divulgado pelo IBGE, na publicação Características Urbanísticas do Entorno dos Domicílios, mostra que, em João Pessoa, há um déficit de 199.423 rampas para cadeirantes, ou seja, um percentual de 97,61%. Ainda segundo a pesquisa, João Pessoa dispõe atualmente de 155.844 calçadas e 4.310 rampas para cadeirantes.
Na Paraíba, os números do IBGE apontam a existência de 567.932 calçadas. Em muitos lugares, elas simplesmente não existem, já que se observa um déficit de 253.172 calçadas. Uma rampa na calçada facilita a mobilidade não só para os deficientes, mas também para pessoas idosas, mulheres grávidas, crianças e pessoas com deficiências temporárias. No entanto, na Paraíba, o levantamento do IBGE mostra que existem apenas 10.976 rampas para cadeirantes e faltam 810.128 rampas, um déficit de 98%.
A população estimada da Paraíba é de 3.972.202 habitantes, e desse total pelo menos 769.852 pessoas estão acima dos 50 anos de idade, 320.805 pessoas apresentam algum tipo de deficiência motora, sendo 16.880 com extrema dificuldade de locomoção, 90.172 com grande dificuldade e 213.753 com um grau mais leve de dificuldade, embora todos precisando de melhores condições de acessibilidade no passeio público.
A Paraíba tem ainda uma parcela significativa da população com algum tipo de deficiência visual, o que corresponde a 823.039 pessoas, sendo que, desse total, 8.477 são totalmente cegas, 142.193 apresentam uma grande dificuldade para enxergar e 672.369 pessoas têm alguma dificuldade visual. Essas pessoas têm que enfrentar, cotidianamente, calçadas cheias de desníveis, com ausência de rampas ou sinalização tátil, que garantam um translado seguro pelas ruas.
Perigo das calçadas
Calçadas esburacadas, desniveladas e mal cuidadas tem ocasionado acidentes com os transeuntes, como ocorreu, no início deste ano, com o jornalista Gonzaga Rodrigues. “Levei um tombo, sim. E não pela idade das pernas ou fraqueza dos meus passos. Pela calçada que a neglicência da lei de postura nos oferece, qualquer ginasta dessas Olimpíadas bateria com o traseiro no chão. O assunto não tem mais graça em minha crônica. Antes do tombo eu já estranhava, ingenuamente, que a via do automóvel, a rua, a pista, recebesse tratamento que a do pedestre está longe de merecer. Contrariando qualquer noção de respeito à condição humana”, comenta.
Na opinião de Gonzaga, há uma lógica política para que isso ocorra: João Pessoa tem um automóvel para cada grupo de três habitantes. “Não é que essa riqueza seja, entre nós, bem distribuída ou que a ascensão social tenha atingido esse nível de privilégio. É que a febre de consumismo estimula a concentração de 300 mil veículos com um quinto da população, gente com 4 a 5 carros dentro e fora da garagem”, frisa.
Gonzaga acrescenta que não há profissional da política, dependente de voto, que se meta a contrariar os donos da rua e das calçadas. “Sim, porque a calçada tem de se adaptar e servir ao carro, ser rebaixada ou alteada de modo a facilitar o acesso do carro, do bem mais prestigiado pelo homem de hoje, do que não tem carro ao que tem de sobra, pois o carro é a sua extensão e o seu status. O carro é que ou mesmo “quem” melhor o representa, isentando-o de qualquer outro valor fora o do dinheiro. O prefeito, o vereador, o representante desse novo homem pleno de eletrodos, de aplicativos, de extraterrestres e vazio de civilidade não vai olhar a calçada como bem ou privilégio de quem ainda anda com os pés, coitado. Não tenho a menor esperança de que um dia isso possa mudar”, conclui.
Mobilidade urbana: Leis existem mais muitas não saem do papel
Sociedade inclusiva é aquela que se prepara para atender as pessoas com deficiência e não estas pessoas se prepararem para se adaptar às condições existentes na sociedade. O comentário é do assessor do Núcleo de Informação da Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência (Funad), Hellosman Oliveira Silva.
Hellosman, que é cadeirante, explica que tanto em João Pessoa quanto na maioria dos municípios paraibanos é possível notar que ainda não foi trabalhado com mais afinco um plano de mobilidade urbana voltado para a questão da acessibilidade, principalmente no que se refere a calçadas e rampas. “Infelizmente, em João Pessoa, Campina Grande e nas demais cidades do interior da Paraíba, ainda são poucas as áreas que têm calçadas e rampas acessíveis para as pessoas com deficiência motora, como no meu caso, que têm dificuldade de locomoção, e também para as pessoas com deficiência visual, que precisam de piso tátil nas calçadas”, lamenta.
O administrador de empresas e mestre em Ciência da Informação acrescenta que o Brasil tem uma das melhores legislações, tanto a nível federal, como estadual e municipal, com relação à acessibilidade e mobilidade urbana, mas infelizmente, quando se trata de cumprir a lei, na hora de se construir ou reformar, acontece muitas falhas e desobediência.
“A Constituição de 1988 já tem nos seus principais capítulos o direito de ir e vir do cidadão. Em 2000, veio a Lei da Acessibilidade. Agora, muito importante foi o Decreto Federal 5.296 de 2004, que regulamenta as deficiências, coloca no papel tudo que se trata de acessibilidade, das calçadas, dos transportes, do atendimento de pessoas com deficiência, além da relação da legislação com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). O decreto tinha uma perspectiva que o Brasil viesse a dotar pelo menos 60% das cidades com itens de acessibilidade até 2014, na Copa do Mundo. Mas, lamentavelmente, foi mais uma lei que não saiu do papel”, lastima.
Hellosman informa, ainda, que no dia 6 de julho do ano passado, foi implantado o Estatuto da Pessoa com Deficiência, uma lei nova que completa toda a legislação e que pode ser traduzida como a lei brasileira da inclusão, onde se faz toda relação da questão de acessibilidade com as áreas de saúde, de educação e de desenvolvimento humano. “Ela é bem completa, mas infelizmente a gente vê poucos itens de acessibilidade nas cidades. Mesmo assim, a gente tem algumas experiências positivas no Brasil, como acontece na cidade de Uberlândia, em Minas Gerais, que tem um trabalho de adaptação e acessibilidade nas calçadas que é exemplo hoje para o país. Outra cidade também interessante é Florianópolis, onde reduziram o IPTU a fim de que as pessoas reformassem suas calçadas para ter acessibilidade, e isso não foi só construir rampas, mas também colocar piso tátil para as pessoas com deficiência visual”, exemplifica.
A maioria das reclamações que Hellosman diz receber de outros cadeirantes e, principalmente de pessoas com deficiência visual, é que a cidade de João Pessoa, mesmo em obras recentes, a exemplo da reforma do Parque Solon de Lucena, não tem investido na implantação de piso tátil e de mais rampas. “Já no caso da orla, a gente vê que foi feito um trabalho interessante, mas também com algumas falhas, na questão de sinalização para pessoa com deficiência física, principalmente com as mudanças dos locais de estacionamento, o que dificultou bastante para quem usa cadeira de rodas. Você sair do estacionamento para ir à calçadinha da praia ficou muito complicado em João Pessoa, por conta da trepidação provocada pelo piso irregular do estacionamento. Às vezes, o que falta é escutar os principais interessados que são as pessoas com deficiência”, observa.
Hellosman Silva revela que ao passar recentemente pela Avenida Luzinete Formiga, a nova via de acesso à Estação Cabo Branco, percebeu que ela recebeu calçadas padronizadas e rampas. “Entretanto, observei que prefeitura fez a calçada, colocou rampa e não dialogou com a Energisa para tirar os postes. É aquela história, colocaram a rampa, mas não tiraram os postes do meio do caminho do acesso, e isso prejudica qualquer cidadão e não só a quem tem deficiência motora ou visual”, complementa.
Acessibilidade é direito do cidadão
É responsabilidade, obrigação e dever do poder público assegurar acessibilidade ao pedestre e segurança na locomoção, mantendo ruas e calçadas bem cuidadas para que não ofereçam nenhum perigo de queda ou tropeço. Segundo explica a promotora de Justiça Sônia Mara de Paula Maia, da Promotoria de Defesa da Cidadania e Direitos Fundamentais de João Pessoa, muitas pessoas pensam que as calçadas pertencem ao proprietário, mas, na verdade, a calçada pertence ao poder público e, por isso, o acesso tem que ser livre. Outros não procuram o Ministério Público para denunciar a má conservação das calçadas e a falta de rampas e garantir seu direito à acessibilidade.
“As calçadas têm que oferecer um espaço acessível e tranquilo para pessoas portadoras de deficiência, principalmente as que se locomovem em cadeira de rodas, mas também para as pessoas idosas, mais atingidas pelas dificuldades de locomoção e até pessoas jovens que tenham algum tipo de limitação”, argumenta a promotora.
A legislação prevê algumas normas para a construção de calçadas, a grande maioria editada pelos municípios, mas também existe o Decreto nº 5.296/04, que regulamenta as Leis n° 10.048/00 e n° 10.098/00, que estabelecem normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Essa lei tem como foco a mobilidade urbana. É ponto pacífico na legislação, em geral, algumas proibições, tais como impedir ou atrapalhar, por qualquer meio, o livre trânsito de pedestres nas calçadas; estacionar veículos sobre as calçadas; e depositar materiais de construção, entulho ou lixo nas calçadas.
Em João Pessoa existe o Estatuto do Pedestre, ou seja, a Lei 11.101, de 23 de julho de 2007, sancionada pelo então prefeito da Capital, Ricardo Coutinho. A lei estabelece que todos os pedestres tem o direito à paisagem livre da intrusão visual, ao meio-ambiente saudável e ao desenvolvimento sustentável da cidade, ao direito de ir e vir, de circular livremente, a pé, com carrinhos de bebê ou em cadeiras de rodas, nas travessias de vias, passeios, calçadas e praças públicas, sem obstáculos e constrangimentos de qualquer natureza, sendo-lhes assegurada mobilidade, acessibilidade, conforto e segurança, protegendo, especialmente, as pessoas portadoras de deficiência e aquelas da terceira idade.
O Estatuto do Pedestre prevê calçadas limpas, conservadas, com piso antiderrapante, em inclinação e largura adequada à circulação e mobilidade, livres e desimpedidas de quaisquer obstáculos, públicos ou particulares, fixos ou não, especialmente, de mesas, cadeiras, canteiros, jardineiras, prismas de concreto, automóveis, mobiliários urbanos e de concessionárias de serviços públicos, que deverão seguir o disposto nesta Lei.
A lei assegura às pessoas portadoras de deficiência o direito à inclusão social, entendido para fins desta Lei como a garantia à acessibilidade, mobilidade e a eliminação das barreiras arquitetônicas que criam constrangimentos à circulação e mobilidade destas pessoas.
Comércio precisa de calçadas bem cuidadas para facilitar acesso aos clientes
Os comerciantes são conscientes da importância de oferecer acessibilidade aos clientes. É o que garante Eronaldo de Vasconcelos Maia, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de João Pessoa (CDL). “Já existe essa consciência com relação às calçadas e às rampas. Além disso, todo mundo quer sua loja bonita, bem apresentável, porque a fachada de sua loja é o seu cartão de visita”, acrescenta.
Ele comenta que apesar de não existir projeto ou parceria dos comerciantes com o poder público para melhorar as condições das calçadas e rampas de acesso, nas áreas comerciais de João Pessoa, todos os lojistas que têm suas calçadas danificadas procuram consertá-las para não prejudicar a circulação dos clientes. “O que atrapalha muito a acessibilidade, no centro da cidade, são os camelôs, que ficam interrompendo o trânsito nas calçadas. Se deixassem as calçadas livres, seria bem melhor, mas não deixam”, reclama.
Eronaldo lamenta, com relação às calçadas, que não exista uma padronização e nivelamento, o que, além de harmonizar visualmente o espaço de circulação, tornaria as calçadas mais seguras e confortáveis para os pedestres. “Seria bom se houvesse uma parceria da iniciativa privada com o município para possibilitar, através de um convênio envolvendo a isenção ou redução do IPTU, a padronização das calçadas em determinadas ruas da área comercial”, sugere.
O presidente da Associação Comercial da Paraíba, Romualdo Farias de Araújo, também reforça a ideia de uma padronização das calçadas. “Aquele que investisse na calçada do seu estabelecimento para deixá-la com uma altura só, ou seja, para adequá-la a um projeto de padronização, ganharia um desconto no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU)”, complementa.
Romualdo reclama, como usuário, que as calçadas de João Pessoa são sem padrão e que cada um faz do jeito que quer. “Teve até uma época em que a prefeitura tentou reformar as calçadas com aqueles tijolinhos de cimento, porém, com menos de dois anos, alguns já estão se soltando, porque foram colocados encaixados por cima de uma camada areia e, com o uso das calçadas se desencaixam. As calçadas do centro da cidade, especificamente no comércio, estão todas esburacadas, quebradas e uma mais altas que outras. Não vou nem falar dos bairros, porque são os donos da casas mesmo que fazem”, conclui.

