América Latina e Caribe estão prestes a firmar acordo ambiental com foco nos direitos humanos

Firmar acordos internacionais em prol do meio ambiente é uma prática que tem se estendido desde a Rio-92, sob a liderança das Nações Unidas. Não se pode dizer que todos foram inúteis, embora muito do que se ousou acordar em tantos contratos até agora não tenha passado de promessas no papel. Com a boa intenção de fugir aos exemplos que não deram em nada, delegações de 24 países latino-americanos e caribenhos deram início nesta semana a mais uma rodada de negociações para dar corpo ao primeiro acordo ambiental da região.

A ideia é que no domingo, dia 4, o resultado dessas negociações possa ser publicado. Por coincidência, o encontro que começou nesta semana vai debater o princípio 10 da Declaração Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Digo que é uma coincidência porque nós, brasileiros, mais especificamente os cidadãos que moram no Norte, estamos vivendo mais uma questão séria de desastre ambiental causada por produção industrial em Barcarena. E o princípio 10 da Declaração firmada em 1992 fala, exatamente, que “todos devem ter acesso adequado a informações sobre o ambiente disponível para as autoridades públicas, incluindo informações sobre os materiais e atividades que colocam em perigo suas comunidades, bem como a oportunidade de participar nos processos de tomada de decisão”. Retórica inútil, nesse caso, portanto.

Mas isso foi em 1992, quando ainda se sonhava ser possível convencer empresas e líderes de países a rever seu modo produtivo em prol da qualidade de vida dos cidadãos. Falsas promessas.Uma década depois, um  relatório da ONU apontou a extensão da degradação ambiental do planeta apesar de todos os discursos na Conferência mundial sobre meio ambiente: metade dos rios poluídos, 15% dos solos degradados, 80 países sofrendo com escassez de água, a extinção ameaçando 12% das aves e 25% dos mamíferos e somente a América do Norte lançando mais de 1.600 toneladas de gás carbônico na atmosfera por ano.

Para os próximos 30 anos, metade da população mundial deve passar a sofrer os efeitos da escassez de água potável, 60% dos 227 maiores rios estarão fragmentados por represas e barragens, com prejuízos aos ecossistemas aquáticos.

Voltando aos dias atuais e à reunião que está acontecendo em Costa Rica. Se for conseguido o acordo da região da América Latina e Caribe, diferentemente do conseguido em Paris na COP-21 entre todos os países membros da ONU, pode ser vinculante. Ou seja: vai ter punições para quem não seguir. Torna-se interessante pensar assim porque o pano de fundo da Cepal (Comissão Econômica da ONU para a América Latina e o Caribe), que está promovendo o encontro, são os direitos humanos.

Na reunião de abertura da reunião em Costa Rica, a representante da sociedade civil costa-riquenha, Irene Murillo, lembrou que “os direitos de acesso à informação ambiental, de participar em tomadas de decisões e de acesso à justiça ambiental são vitais para levar para o mundo real os direitos humanos a um meio ambiente saudável”. E lembrou que o acordo conseguido no domingo pode, realmente, mudar a vida das pessoas nos países que o estão firmando.

John Knox, relator das Nações Unidas, desde o início das negociações do Acordo – as primeiras reuniões ocorreram  em agosto do ano passado – afirmou que esse seria um dos mais importantes tratados sobre direitos humanos e meio ambiente dos últimos 20 anos.

Falando agora sobre os méritos conseguidos para além das falsas promessas, desde a Rio-92 que o tema meio ambiente começou a ser articulado junto ao dos direitos humanos durante os debates mais sérios sobre o assunto. Na Declaração de Princípios que resultou da reunião dos líderes em 1992, o princípio 5 diz, claramente, que a erradicação da pobreza precisa ser uma tarefa indispensável quando se pensa em desenvolvimento sustentável.

No início da reunião que vai se estender até domingo em Costa Rica, a Cepal lançou uma publicação chamada “Acesso à informação, à participação e à Justiça  em assuntos ambientais na América Latina e Caribe”, em que se conta uma parte da história sobre a relação entre direitos humanos e meio ambiente. O texto diz que esta relação atraiu grande interesse na comunidade internacional.

“Este interesse se relaciona com dois temas-chave: qual é a natureza desta relação entre os direitos humanos e o meio ambiente e se  a comunidade internacional deveria reconhecer um novo direito humano, isto é, o direito a um meio ambiente saudável”, diz o texto.

A publicação da Cepal é otimista com relação aos avanços que se conseguiu em duas décadas e meia para “prevenir os danos que as atividades humanas podem causar ao meio ambiente”.

“Assim, na maioria dos países da América Latina e Caribe, há obrigação de avaliar os efeitos ambientais de certos projetos, que incluem instâncias formais de informação ou participação pública”, diz o texto.

A retórica dos especialistas da ONU só não conta com a esperteza – para usarmos uma expressão quase ingênua – de certos empreendedores na hora de realizar suas façanhas e destruir a natureza para obter lucro. Se a população precisa dar o aval, como querem os acordos, eles fazem audiências públicas. Mas, em geral, são encontros ineficazes, com especialistas enrolando a língua para desexplicar o projeto e população saindo do encontro sem entender bulhufas do que foi dito. Os acidentes, quando acontecem, pegam a todos desprevenidos porque, em regra geral, não há plano estratégico para ajudar as pessoas atingidas.

O Acordo Ambiental que está sendo desenhado na Costa Rica tem como ponto positivo, para nós, o fato de aproximar o debate à realidade da região. Ao mesmo tempo, põe sobre nossos ombros a urgência de exercitarmos mais fortemente a necessária vigilância sobre empreendedores que só enxergam o desenvolvimento e se esquecem que, sem humanos, para nada ele servirá.

Seguirei acompanhando a reunião e trarei notícias.

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