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Agrotóxicos, mercúrio e esgoto contaminam rios e matam peixes na Costa dos Corais

Agrotóxicos, mercúrio e esgoto contaminam rios e matam peixes na Costa dos Corais
  • Esgotos das cidades do entorno, uso de agrotóxico no cultivo de cana-de-açúcar e resíduos da produção das usinas presentes na região estão entre as causas da contaminação, que já afeta a renda de pescadores.
  • De acordo com os pescadores, só é possível pescar nos rios entre os meses de junho e agosto; em setembro, começa a produção de açúcar e etanol nas usinas, causando a morte dos peixes.

 Os rios de uma das maiores Unidades de Conservação federais, a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais, sofrem uma contaminação alarmante. Nos leitos dos rios Santo Antônio, Manguaba e Camaragibe, foram encontrados níveis preocupantes de agrotóxicos e mercúrio, esgoto sem tratamento sendo despejado e oxigênio dissolvido abaixo da concentração permitida. A constatação vem de um estudo inédito, ao qual a Mongaby teve acesso com exclusividade, elaborado por pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Projeto Terramar, GIZ Alemanha e ICMbio.

De acordo com o estudo, esses cursos d’água, que são cercados por lavouras de cana, sofrem com os impactos diretos dos resíduos da produção de açúcar e etanol lançados pelas usinas da região. A tonalidade da água denuncia a contaminação e as pesquisas atestam a presença de bactérias, a exemplo da Escherichia coli, decorrente do esgoto lançado sem tratamento.

A APA Costa dos Corais possui 413 mil hectares de extensão e 120 km de praias, área que vai de Tamandaré, em Pernambuco, a Maceió, em Alagoas. O lado costeiro da APA, bem acompanhado pelos órgãos ambientais e onde são realizados projetos de acordo com o Plano de Manejo da unidade, é um dos maiores pontos turísticos do Brasil. Por outro lado, a área de manguezais e rios, como mostram as análises, carece da atenção dos órgãos ambientais.

Imagem: ICMBio

Além da presença de agrotóxicos, a exemplo da atrazina, que possui fácil diluição e permanece por longos anos nos cursos hídricos, a pesquisa identificou a presença de mercúrio no nível 0,85, sendo que o limite máximo é de 0,2. Segundo o pesquisador e professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Emerson Soares, “o mercúrio, presente no fundo do solo, chega às águas após os sedimentos do solo serem revolvidos durante o processo de extração indevida de areia”, explica.

Quanto aos agrotóxicos, o pesquisador explica que eles são lançados na água pela pulverização realizada “de forma descuidada, por via aérea, e que também é levada ao leito na enxurrada provocada pela chuva”.

Outro problema grave identificado foi a baixa concentração de oxigênio dissolvido no rio, o limite máximo dessa substância na água é de 5,0 mg/L, mas no Rio Manguaba, por exemplo, foram encontrados apenas 3,12 mg/L. A falta de oxigênio nos rios já é sentida na mesa e no bolso dos pescadores da região.

O oxigênio dissolvido na água é produzido pela fotossíntese realizada por algas do ecossistema aquático. Elas captam a luz do sol e a transformam em oxigênio. A presença de poluentes em grande quantidade, a exemplo do que vem acontecendo no Rio Manguaba, diminui o oxigênio dissolvido na água, pois aporta nutrientes que captam o oxigênio do ambiente aquático, deixando os demais organismos carentes deste gás. Além disso, a poluição gera gases tóxicos que interrompem as trocas gasosas entre o animal e o meio ambiente. Também aumenta a quantidade de algas tóxicas, que podem liberar toxinas na água, levando à mortalidade de peixes, crustáceos e das pessoas que consomem água contaminada.

Caranguejo-verde alimentando-se nos recifes expostos na maré baixa na Praia dos Carneiros, dentro da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais. Foto:  João D’Andretta, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Peixes mortos

Quem já sente esses efeitos na pele é o pescador José Antônio do Nascimento, de 70 anos, morador do município alagoano de Porto Calvo, cortado pelo Rio Manguaba. De acordo com ele, só é possível pescar no rio entre os meses de junho e agosto. Depois desse período, os peixes começam a aparecer mortos.

“Em setembro, começa a moagem [produção de açúcar e etanol na usina] e, quando ela joga aquela calda [líquido que é resíduo do processamento da cana], mata os peixes. Quem quiser pescar, tem que ir para a Boca da Barra. É o mesmo que tirar a minha vida quando eu vejo aquele tanto de peixe morto”, lamenta o pescador, conhecido como seu Zeca.

Boca da Barra é o nome dado ao local onde o rio encontra o mar, que fica a 25 km de distância da sede do município de Porto Calvo, o que limita o acesso por parte dos pescadores que não possuem barco com motor. Por estar situado distante da área central da cidade, o local não é afetado pelos resíduos lançados pela usina.

De acordo com seu Zeca, há pescadores que percorrem essa distância em barco a remo, um esforço hercúleo, mas que é empreendido pela necessidade de alimento e renda. “Fazer o quê, né? Quem precisa, quem vive da pesca, tem que pescar”, comenta ele, em tom de resignação.

Pescador em São Miguel dos Milagres. Foto: Rodrigo Soldon, CC BY-ND 2.0

A extração indevida de areia é outro problema, constata o estudo. “Nas análises encontramos pessoas extraindo areia em diversos pontos, inclusive flagramos crianças realizando este tipo de trabalho, o que caracteriza trabalho infantil. Essas extrações causam problemas na estrutura e no curso do rio”, esclarece Soares. Ainda segundo o pesquisador, nas margens dos três rios foram identificados trechos desmatados ou ocupados por cultivo de cana e outras espécies vegetais.

Nunca é demais lembrar que, segundo o Código Florestal estabelecido pela Lei 1.651, de 2012, a vegetação natural situada até 30 metros de distância da margem do rio é considerada Área de Preservação Permanente (APP) e não pode ser desmatada e ocupada com atividades agrossilvopastoris.

Antônio da Silva Oliveira, de 73 anos, que nasceu e vive até hoje às margens do Rio Manguaba, disse que, ao longo de 64 anos de pesca, viu o rio se acabando aos poucos. “A água do rio mudou devido ao desmatamento e assoreamento. Como o rio foi desmatado, quando chove, arrasta a areia para dentro [do leito do rio], que fica raso e com a água barrenta. E vem perdendo peixe, viu? Antes, se via camurim, agora, não se vê mais.”

Esgoto lançado pelas cidades do entorno em um dos rios da APA Costa dos Corais escure a coloração da água. Foto: Reprodução TV Gazeta

As amostras foram coletadas entre os anos de 2020 e 2021 e as análises finalizadas em 2022. De acordo com o pesquisador Emerson Soares, a expectativa é que esse estudo subsidie ações de reparo no quadro de contaminação na APA Costa dos Corais. Ele reforça que a Unidade de Conservação possui Plano de Manejo, porém, “as ações previstas no plano estão concentradas na área costeira da APA, enquanto a área de rios e mangues ainda é bastante carente”, explica.

A reportagem do Mongabay entrou em contato com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Perguntamos quais providências estão sendo ou deverão ser tomadas para reverter a contaminação que atinge os rios da APA Costa dos Corais. Até o fechamento desta reportagem, o órgão não havia atendido à nossa solicitação.

Imagem do banner: Foz de rio no município de Tamandaré, dentro da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais. Foto: ICMBio