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À sombra da goiabeira

À sombra da goiabeira
Lamento


meu pai sorriu à sombra da goiabeira nada de rugas na face apenas a névoa de um tempo escondido pela sombra das horas.

Sossego


como azeite para o palestino : correria solta de menino pés no chão, barro batido por trás da casa, o açude banhando mãe, banhando filho, banhando primos tudo nu, sem malícia e nem milícia na casa grande, a avó com panelas chiando fogo e janelas abertas para o silêncio na cadeira de balanço, o avô sentado por baixo do grosso chapéu o jeito todo seu de ralhar até com o céu ( – eita, moleque, cabelo grande é coisa de mulher) na distração dos adultos meninos correndo feito loucos e sertão abrindo cancelas fechando o curral para barulhos e bois no sítio, ninguém sabia que existiam guerras do outro lado do azul.

Matraga


matraca silenciosa liturgia de augusto remoendo moendo doendo moenda – bagaço de homem no altar dos sertões de repente, a hora chega pai, filho e espírito santo agora só quero rezar e carregar os meus carregos.

Condimento


saber de teus cheiros é saber da cheia que resseca o sertão com a pele do olfato transbordando águas entre coxas, buracos e palato: cheiro verde nas narinas erva do mato, minha daninha.

As seis irmãs


vem deci, conta o que não se pode contar conta para o mundo saber as coisas que não se espalham por lá – conto de lili, a caçula menina, sempre menina pedagogia que abre feridas na enfermaria, nunca foi ferina peter pan de saias (ou jeans) sorriso além das colinas vem deci, conta o que não se pode contar conta para o mundo saber as coisas que não se espalham por lá – conto de didi, a cúmplice dividida entre o voo e o pouso solta, porque nunca deixou de ser ela presa, porque sempre cativou sua cela olhos grandes para os rapazes da província olhos pequenos, para os desejos em sua eterna sina vem deci, conta o que não se pode contar conta para o mundo saber as coisas que não se espalham por lá – conto de laudeni, a mãe mãe de todos, mãe dela mesma mãe das dores do menino mãe das flores do abismo pelos óculos, vê os mares e os naufrágios líricos dos amares vem deci, conta o que não se pode contar conta para o mundo saber as coisas que não se espalham por lá – conto de laura, a pródiga que reinou na casa da avó tem mais irmãos que todos os outros tem mais dores que todas as dores mas tem no peito uma gargalhada invisível que faz sorrir a lua ao transformar o sertão em eclipse do nada vem deci, conta o que não se pode contar conta para o mundo saber as coisas que não se espalham por lá – conto de neném, a galega e galegos somos todos nós exageros de risos, exageros de choros coral para a capela que não soube orar três filhos, cinco destinos cânticos de louvor para a oração antibíblica vem deci, conta o que não se pode contar conta para o mundo saber as coisas que não se espalham por lá vem deci, conta agora a tua história para a gente aprender a sonhar – minha história não tem o que contar basta olhar em meus olhos pequeninos vejo e crio mundos sem sair do meu planalto já fui santa, moça e mulher, sem precisar calçar um salto hoje, sou apenas quimeras do que não pode acontecer vem deci, conta o que não se pode contar conta para o mundo saber as coisas que não se espalham por lá.

(Do livro “Metáforas para um duelo no sertão” Ed. Patuá, disponível em: www.editorapatua.com.br)