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A relação harmônica entre um cacto e um lagarto

A relação harmônica entre um cacto e um lagarto

Pesquisa do Insa e da UFPB descobre associação mutualista, que garante sobrevivência de planta típica do Semiárido

Uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto Nacional do Semiárido (Insa) em parceria com o biólogo Ricardo Koroiva, professor doutor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) descobriu uma relação mutualista entre o Melocactus Ianssensianus, conhecido popularmente como coroa- de-frade, e duas espécies de lagartos do gênero Tropidurus, o único avaliado ao longo da pesquisa. A dispersão das sementes por parte dos lagartos auxilia na manutenção do cacto, que é uma espécie considerada em risco de extinção.

O consumo de frutos e a dispersão dessas sementes pelos lagartos é chamada de saurocoria. A interação entre as espécies é classificada como mutualista porque ambas se beneficiam. “Os lagartos, ao se alimentarem dos frutos oferecidos pelo cacto, obtêm água e nutrientes; 80% da composição dos frutos dessa espécie é água, um recurso muito importante em um ambiente sazonal como a Caatinga. A planta, por sua vez, tem as suas sementes dispersadas para longe e um incremento na germinação”, observou a ecóloga Vanessa Gomes, bolsista do Programa de Capacitação Institucional (PCI) do Insa.

A dispersão acontece através das fezes dos animais, que, inclusive, potencializam a germinação das sementes. O estudo verificou que cerca de 40% das sementes coletadas diretamente dos frutos germinaram em comparação aos 85% de germinabilidade das sementes encontradas nas fezes dos lagartos. “Os lagartos desempenham um importante papel espalhando sementes e permitindo a colonização de novas áreas, bem como incrementando o sucesso da g rminação, contribuindo para o sucesso reprodutivo e, consequentemente, para sobrevivência de novos indivíduos dessa espécie ameaçada”, argumentou Gomes.

Cactos do Semiárido

De acordo com o professor da UFPB, Ricardo Koroiva, que integra a rede de pesquisadores envolvidos, o estudo integra um amplo projeto relacionado à conservação dos cactos do Semiárido brasileiro, “pois muitas espécies de cactos estão ameaçadas de extinção devido a diferentes pressões antrópicas como fragmentação e perda de habitat, coleta indiscriminada, comércio ilegal”, entre outros. A pesquisa, em especial, que constatou a relação de mutualismo entre o cacto e os lagartos objetiva “avaliar diferentes aspectos da ecologia reprodutiva de Melocactus lanssensianus visando subsidiar ações para a sua conservação”, disse Koroiva, visto que é uma espécie que possui risco de ser extinta.

Segundo a ecóloga Vanessa Gomes, o cacto do tipo coroa-de-frade possui um leque de mais de 20 espécies que se diferenciam em suas particularidades, como número e tamanho de espinhos, cor dos frutos, número de costelas e outras características. O cacto em questão possui uma espécie que só ocorre em afloramentos rochosos na Paraíba, mais precisamente no município paraibano de Tacima, e em Pernambuco, nos municípios de Caetés e Caruaru.

“É uma espécie classificada como em perigo de extinção (EN endangered) em listas nacionais (MMA) e internacionais (IUCN Red List). Aqui na Paraíba, a população desse cacto ocorre próxima a um centro urbano e as principais ameaças são lixo, queimadas e extrativismo”, explicou Vanessa. A ecóloga acrescentou que em uma avaliação preliminar, cerca de 200 indivíduos reprodutivos do Melocactus Ianssessianus foram encontrados em dois de três afloramentos identificados em Tacima. “Uma contagem completa incluindo plântulas, indivíduos jovens e adultos está sendo conduzida e indicará o número exato de exemplares”, comentou.

Resultados e futuro da pesquisa

A descoberta da relação entre os lagartos e o cacto estudado, bem como o potencial de germinação das sementes a partir do excremento da espécie animal, veio através de observações de campo ao longo de um ano e de experimentos. “Nós realizamos coletas de campo [no município de Tacima], contabilizamos a produção de frutos, fizemos observações focais dos animais que consumiam os frutos, registramos a frequência e duração das visitas, comportamento dos visitantes, estimamos a distância de dispersão e coletamos bolos fecais para detectar se haviam sementes e qual o estado destas sementes”, contou Koroiva, biólogo e professor da UFPB.

Parte da pesquisa também se voltou a experimentar a germinação das sementes, avaliando assim o efeito da passagem desses grãos pelo trato digestivo dos animais dispersores e, foi durante esse processo,que se compararam as sementes coletadas nos frutos e as coletadas nas fezes dos lagartos.

Dentre os resultados obtidos com o estudo, foi possível registrar uma produção contínua de frutos do Melocactus Ianssensianus e constatar que os lagartos são “dispersores efetivos e essenciais para o sucesso reprodutivo dessa cactácea”, enfatizou Ricardo.

O número baixo de plantas, a distribuição restrita e os impactos das ações humanas demonstram a urgência em iniciativas de conservação da espécie de cacto pesquisada. Segundo Vanessa Gomes, a interação entre os lagartos e as plantas deve ser preservada a fim de manter o cacto na natureza e também colonizar outras áreas.

“Além da pesquisa, nós realizamos ações educativas, produzindo e distribuindo materiais didáticos como folders, cartilhas e jogos da memória, e também participamos de um programa de rádio local falando sobre a importância da conservação”, pontuou Gomes. E além da contribuição educativa, em conjunto com outros pesquisadores do Insa houve a multiplicação de 300 plantas dessa espécie, feita através de propagação in vitro, e estão sendo mantidas aclimatizadas na coleção do Cactário Guimarães Duque, que integra o Instituto. “Essas plantas serão utilizadas para estabelecer um programa de restauração ecológica, a fim de recuperar a população em seu ambiente natural”, disse Ricardo.

Pesquisadores destacam importância da conscientização da população

Vanessa indica algumas iniciativas que todos podem ter e que auxiliam na preservação dos cactos e dos seus dispersores, dentre elas estão:

Não jogar lixo nem colocar fogo no local onde as plantas e os animais vivem;

Não remover os cactos nem outras plantas da natureza

Não machucar nem matar os lagartos, eles são inofensivos, basta não incomodar;

Admirar e tirar muitas fotos dos cactos e lagartos, eles são lindos e têm um papel importante na natureza.

Além de Vanessa Gomes e Ricardo Koroiva, a equipe envolvida no estudo também engloba o agroecólogo Carlos Cassimiro, a agrônoma Fabiane Batista, que possui doutorado em Genética e Melhoramento de Plantas. O projeto recebe financiamento da Rufford Foundation da Inglaterra e além do apoio do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), conta também com o suporte da Associação Plantas do Nordeste (APNE).