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A Esperança é a última última que morre?

A Esperança é a última última que morre?
Estou aqui de passagem
Nada precisa de mim
Nada precisa de mim de verdade
Na verdade sou eu quem preciso Preciso de tudo e todos
Enquanto estiver por aqui
Nessa passagem Nessa paisagem
Quando não estiver mais aqui
Tudo continuará Sem mim
Como se nunca tivesse passado por aqui
Estou aqui de passagem
Mas não porque escolhi que fosse assim
Apenas é assim
“as coisas não precisam de você”
Me senti tão pequeno quando Marina cantou isso
Mas é isso
O mundo se recolheu numa longa quarentena
E tudo que é mundo continuou sem todo mundo
O sol se pôs
A lua inchou e minguou
As cegonhas fizeram seus ninhos numa torre em Marrakesh
Cadelas entraram no cio
O mar serenou
Eu fui a única coisa sem importância
Não fiz falta
Os sapatos caíram de moda no closet
Lagartas imensas pretas e amarelas
Devoraram pela metade uma árvore aqui na frente de casa
Viraram borboletas e a árvore verdejou outra vez
A natureza só come o que precisa
Por isso só nós, os desnecessários, nos tornamos diabéticos
Sem açúcar, sem afetos
Sem controle
Confiando em deuses incertos
Em homens incertos
Todos de passagem
Como os tigres de bengala
E os três últimos rinocerontes brancos
Que já não reproduzem
Por velhice ou desinteresse
Não
Não salvaremos as baleias azuladas
E o mar não vai virar sertão
Dinossauros
Fotógrafos lambe lambe
Cartas
Revistas
Letras manuscritas
Tentaremos em vão recuperar o hábito de ouvir discos de vinil
Em vão
O sexo, não
Esse estaremos habituados a vivê-lo sem o encontro das mucosas
E sem os perigos do hálito
Tudo está de passagem
E nada precisa de nada
Entre um e outro pôr-do-sol
Livros
Sim
Esses sobreviverão
Como as árvores das quais são feitos