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A carne nossa de cada dia: Radar Verde traz retrato da (in) sustentabilidade da pecuária na Amazônia

A carne nossa de cada dia: Radar Verde traz retrato da (in) sustentabilidade da pecuária na Amazônia

Estudo do Instituto O Mundo Que Queremos (IOMQQ) e Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) revela que 92% dos varejistas e 95% dos frigoríficos da Amazônia não apresentam controle da cadeia pecuária

O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de carne bovina do mundo, responsável por quase um quarto das exportações globais desse produto. No “gigante pela própria natureza”, residem mais bois que pessoas: são 234,4 milhões de cabeças de gado, o maior contingente da série histórica, iniciada em 1974, ante 203 milhões de habitantes.

A criação é em grande parte feita no pasto e, historicamente, à medida que a criação dos quatro-patas aumentou, também levou consigo vastas áreas da maior floresta tropical do mundo. A maior parte da expansão da agropecuária no Brasil nas últimas três décadas resulta do desmatamento para pastagem, com cerca de 64,5 milhões de hectares convertidos.

Amazônia transformou-se no bioma com maior área de pastagens do Brasil: os nove estados da Amazônia Legal possuem 43% do rebanho nacional de bovinos. Por lá, os pastos cobrem cerca de 90% da área total desmatada, sendo 90% ilegal, segundo um estudo realizado pelo projeto Amazônia 2030.

Na esteira desse avanço, a pecuária se tornou um dos pilares da economia brasileira, respondendo por quase 7% do PIB. Ao mesmo tempo, a Amazônia ganhou os holofotes do mundo, que despertou assustado para os efeitos da motosserra sobre a floresta e os riscos para a sociobiodiversidade e manutenção do equilíbrio climático global.

Com o Brasil sob escrutínio internacional e prejuízos causados por eventos climáticos extremos na própria produção local, o setor agropecuário também passou a investir em novas tecnologias, melhorias no processo de gestão e monitoramento da cadeia produtiva. A sustentabilidade tornou-se fator promissor da produtividade no Brasil e determinante para a reputação e acordos comerciais, pautando planos e discursos de empresas e frigoríficos.

Paulo Barreto, coordenador do Radar Verde e pesquisador associado do Imazon, classifica o desmatamento como uma ameaça sistêmica à economia brasileira. “Diminui as chuvas, que são essenciais para o agronegócio, para a geração de energia, o abastecimento industrial e dos lares”.

Mas o quão sustentável é, de fato, a cadeia da pecuária no país?

O Radar Verde, indicador público e independente de transparência e controle da cadeia de produção e comercialização de carne bovina no Brasil, traz um retrato indigesto: 95% dos maiores varejistas do Brasil e 92% dos frigoríficos localizados na Amazônia Legal possuem controle da cadeia pecuária muito baixo.

A constatação resulta da avaliação de dados públicos de 132 frigoríficos com plantas na Amazônia e 69 varejistas potenciais compradores de carne bovina da região, incluindo grandes redes de supermercado. E refletem, segundo a pesquisa, a falta de um pilar de transparência sólido para tratar o tema diante da sociedade, sem o qual sustentabilidade vira greenwashing (lavagem verde). Há exceções. Marfrig e o varejista Grupo Pão de Açúcar (GPA) são os únicos que demonstraram ter controle intermediário da cadeia, conforme a classe de pontuação utilizada na análise.

Criado em 2022 pelo Instituto O Mundo Que Queremos (IOMQQ) e o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o Radar Verde busca dar visibilidade às empresas compromissadas com a redução do desmatamento na Amazônia Legal. E oferecer informações relevantes aos consumidores, para que possam tomar decisões sobre o consumo de carne livre de desmatamento em seu processo de produção, além de dar mais clareza para pautar decisões do setor financeiro na concessão de crédito.

No rastro do boi

Para avaliar os frigoríficos e supermercados, o estudo adotou três indicadores:

Grau de Transparência Pública: avalia se as informações disponibilizadas nos sites das empresas mapeadas revelam a política de controle do desmatamento na cadeia da carne e se sua eficácia é comprovada por meio de auditoria independente realizada pela empresa. Para a avaliação desse indicador são consideradas perguntas do questionário de avaliação do Grau de Controle.

Grau de Exposição ao Risco de Desmatamento: avalia o grau de exposição dos frigoríficos ao desmatamento. A metodologia foi desenvolvida pelo Imazon baseia-se em informações sobre a zona de compra de cada planta frigorífica e sua sobreposição com desmatamento ocorrido, áreas embargadas e risco de desmatamento futuro.

Grau de Controle da cadeia: avalia as políticas contra o desmatamento e os indicadores de seu desempenho. Nesta avaliação são verificadas as políticas e indicadores para controle da origem (direta e indireta) da carne, apresentadas nas respostas das empresas ao questionário do Radar Verde, bem como sua eficácia comprovada por meio de auditoria independente realizada pela empresa.