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A cada três árvores que morrem na Amazônia, perdemos uma quarta

A cada três árvores que morrem na Amazônia, perdemos uma quarta

Danos causados à floresta se espalham de formas que ainda estamos compreendendo — e podem atingir regiões vizinhas

Para cada três árvores que morrerão devido às secas na floresta amazônica, uma quarta – mesmo não afetada diretamente – também desaparecerá. Essa é uma das principais descobertas de um estudo internacional, com a participação de pesquisadores brasileiros, publicado recentemente na revista científica PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences).

Para realizar o trabalho, os pesquisadores usaram um conjunto de dados acumulados em 20 anos, composto de informações pontuais da evapotranspiração em diversos pontos da floresta, além de informações sobre chuvas, ventos que deslocam a umidade e imagens de satélites. Um dos líderes do grupo, o físico Henrique Barbosa, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP) e professor da Universidade de Maryland, no Estados Unidos, explica que na floresta amazônica há um acoplamento entre a biosfera, composta pelos seres vivo, especialmente pelas árvores, e a atmosfera.

De acordo com ele, na Amazônia isso se dá por meio da evapotranspiração, a água que a floresta devolve para a atmosfera. Isso ocorre por meio de dois mecanismos principais: parte menor pela evaporação, quando a chuva molha o o solo e as plantas e essa água evapora; e uma parte muito maior pela transpiração, conforme as plantas fazem a fotossíntese, trocam gases com a atmosfera e liberam umidade.

Segundo Barbosa, na Amazônia a evapotranspiração é muito forte. Tanto que ela alimenta os chamados rios voadores, formados pela grande quantidade de umidade, de água, suspensa no ar, que têm um papel muito importante na reciclagem da umidade na floresta. “Grande parte da água da chuva é devolvida para atmosfera por meio da evapotranspiração”, explica. “Mas a quantidade que retorna varia conforme a região. Em Belém, por exemplo, 10% da água que cai, evapora. Na região de Manaus, esse índice é de quase 50%; e na fronteira com o Peru, bem mais do que isso.”

Essa água volta a cair em forma chuva, tanto na própria Amazônia, como em outras regiões, como o Sul e o Sudeste do Brasil, onde os rios aéreos são responsáveis por 27% das precipitações. Ou seja, a floresta amazônica produz grande parte de suas próprias chuvas – e de outras regiões – por meio desse sistema de reciclagem da umidade, que será muito prejudicado por secas mais frequentes, que estão previstas no atual cenário de aquecimento global.

No estudo, os pesquisadores usaram “redes complexas” para entender o funcionamento desse sistema, um sumidouros de carbono mais valiosos e biodiversos da Terra. “Descobrimos que, mesmo que um período de seca afete apenas uma região específica da floresta, seus danos se estendem além dela por um fator de 30%”, conta Barbosa. “Como a falta de chuva diminui fortemente o volume de reciclagem de água, também haverá menos chuvas em regiões vizinhas, colocando ainda mais partes da floresta sob estresse hídrico.”

Isso significa que secas mais intensas colocam partes da floresta amazônica em risco de secar e morrer. Como consequência, devido ao efeito de rede, menos cobertura florestal leva a menos água no sistema geral e, portanto, causa, desproporcionalmente mais danos. Mas o pior é que não ocorre apenas por causa da secas em si, sejam naturais ou causadas e agravadas pelo aquecimento global. Isso também vale para o desmatamento, o que significa que, quando se derruba um hectare de floresta, o que se está realmente destruindo é 1,3 hectare.

A ciência do clima prevê que o que costumava ser extraordinário — anos muito secos, como 2005 e 2010 — pode se tornar o novo normal a partir de 2050. “Essas secas recorrentes já estão produzindo mudanças na rede de umidade da Amazônia”, diz. “Usamos essas observações para entender e modelar as consequência de um clima futuro, que lembrará um estado de seca permanente.”

Marina Hirota, matemática e doutora em Meteorologia, pesquisadora na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), também participou do estudo. Ela destaca outro aspecto do trabalho. “Conseguimos diferenciar e quantificar as perturbações que afetam a Amazônia, mostrando onde e quais delas atingem a floresta, e de que forma”, conta. “Por exemplo, no caso da região sudeste da Amazônia, cerca de um terço de qualquer mudança potencial de floresta para não-floresta é devido ao efeito cascata, ou seja, oriundo de outros locais (por exemplo, de regiões mais desmatadas a leste).”

Em outras regiões da Amazônia, em torno de 50% dessa mudança está associada à intensificação da estação seca, e não diretamente ligada àquele efeito cascata. “Isso é muito importante para nosso entendimento de como o sistema funciona”, explica a pesquisadora.

Além disso, as secas têm efeitos diferentes nos sistemas florestais da região. Na Amazônia, as árvores e as florestas estão adaptados de forma diferente à disponibilidade de água, pois algumas regiões costumam ter uma estação seca distinta, enquanto outras têm chuva o ano todo. De acordo com os pesquisadores, essas adaptações locais podem ser uma bênção ou uma maldição sob as mudanças climáticas. Eles descobriram que, mesmo as partes da floresta amazônica adaptadas à estação seca, não sobreviverão necessariamente a um novo clima, e o risco de tornar-se savana ou ficar sem árvores é alto.

Eles alertam que as mudanças climáticas já estão modificando a forma como a umidade é transportada e redistribuída pela Amazônia, com alterações nos padrões de precipitação e na duração da estação seca. “O estudo utilizou estas mudanças em andamento para prever o que deve acontecer com a floresta no futuro”, diz Barbosa. “Os resultados do trabalham indicam que as regiões mais vulneráveis são as fronteiras sudeste, sul e sudoeste da floresta, onde atividades humanas como extração de madeira, desmatamento e pastoreio já representam enormes problemas para a Amazônia.”