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A aroeira da Igreja

A aroeira da Igreja
Carta em que Pero Vaz de Caminha registrou as paisagens da nova terra que passou a ser habitada pelos portugueses, contém o registro de que “em si plantando, tudo dá”. O repórter do Reino de Portugal se mostrou admirado com a imponência da mata atlântica encontrada, com a fertilidade do chão, com árvores de muito valor comercial, com o majestoso panorama observado do cume de algum rochedo.

Se estivesse aportado em nossa Paraíba, ele teria visto que na terra dos potiguaras e tabajaras brotavam regos de água clara, rios que possuíam croas de areia onde nasciam matinhos, capim, aroeira da praia, e nas águas cristalinas cresciam peixinhos, caranguejos nos mangues sadios, e siris provavam as beiras molhas onde indígenas a beiradear pelo Rio Sanhauá, recolhiam o que comer.

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@Jerdyvan Nobrega

Em dias do mês passado, lentos em nosso caminhar pelos estreitos espaços das ruas Duque de Caxias e Peregrino de Carvalho, Gonzaga Rodrigues e eu, ficamos abismados e tristonhos com a situação do prédio religioso que é um dos símbolos da época colonial e do outro, de construção de início do século XX, mas que hoje representa a burguesia decadente da Capital paraibana.

A sede social do antigo Clube Cabo Branco, onde os barões do café, do agave e da cana, junto com os apaniguados do governo, posavam suas opulências financeiras que as heranças permitiam exibir, revelava o atual descaso para com este prédio repleto de histórias.

Olhávamos para o espaço que espelhou uma longa fase do poderio econômico e social, agora perdido no tempo e esquecido na memória da cidade, e uns passos mais adiante, a Igreja da Misericórdia, imponente e histórica nos chamou a atenção. Gonzaga recordou o tempo da Igreja da Misericórdia quando nossa Colônia ainda dava os primeiros passos, já nascendo imponente.

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Beco da Igreja da Misericórida (capital paraibana, 1875)
Acervo Walfredo Rodrigues

Observou que no frontispício do templo religioso nasceu uma aroeira da praia. Antes que apontasse descaso por parte da administração da Igreja em relação àquele prédio, revelei quanto a nossa terra é fértil e que, mesmo entre os tijolos, a caliça faz brotar plantas.

Passados alguns dias, retornei ao lugar, observei que a administração do templo de orações havia retirado a aroeira que trincava a centenária parede da Igreja. O monsenhor Ednaldo Araújo, o novo administrador, zeloso com as coisas históricas da Igreja, confirmou que, quando assumiu a Igreja da Misericórdia, de imediato buscou cuidar de pequenos detalhes, entre os quais, retirar a aroeira da praia que se revelava danosa à paisagem do monumento religioso.

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Igreja da Misericórida (J. Pessoa)@petronio.souto

Quanto é importante, ao gestor público, o cuidado dos monumentos que respiram nossa história, seja a história de lutas políticas e sociais, seja a história da espiritualidade cristã, presente entre nós com vitalidade desde quando os portugueses se apoderaram de nossas terras.

Enviando a Gonzaga foto em que mostra a Igreja sem a presença da aroeira, este cronista-poeta se revelou agradecido.

Faço o registro como agradecimento pela sensibilidade de quem cuida, com incontido apreço e cuidado, de um dos nossos mais belos monumentos religiosos,

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@petronio.souto

marco de uma época de nossa história. Como também para registrar a preocupação daquele que tem sido o cronista que mais observa os recantos desta cidade.

A história da Paraíba é revelada na densidade dos seus monumentos religiosos, sendo os maiores o São Francisco, o Mosteiro de São Bento, o Convento dos Jesuítas e as Igrejas do Carmo e da Misericórdia, para nós os primeiros Caminhos da Fé da Paraíba, desde quando os portugueses colocaram os pés na região.

A Paraíba tem terra fértil, mesmo que quinhentos anos depois esteja maltratada. O solo deve ser bem cuidado para oferecer os frutos que ajudam na nossa sobrevivência e nos proporcionam ganhos com a renda do que fazem brotar.

Sempre presenciamos que entre tijolos e pedras das ruas nascem plantas, brotam flores e arbustos que, se vistos hoje por Caminha, este certamente escreveria ainda mais empolgado em relação aos cinco imponentes prédios do período Colonial, mas certamente exporia a vegetação como sendo degradada.

Será que o repórter português apresentaria o mundo de hoje com injustiças, exploração e destruição do meio ambiente como sinais visíveis de um mundo perdido em atitudes anti-humanas?