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Estudo projeta como Brasil pode cortar 80% das emissões do setor de energia

Estudo projeta como Brasil pode cortar 80% das emissões do setor de energia

Observatório do Clima sugere medidas que afetariam setores como transporte de cargas e passageiros, mineração e produção de novos combustíveis

Um Brasil movido a energia limpa, sem incentivos fiscais ao petróleo e com cidades replanejadas, em que os habitantes consigam morar perto do trabalho e se locomovam de transporte público elétrico ou bicicleta, entre outros ajustes, poderia reduzir a emissão de gases estufa do setor de energia em 80% até 2050, afirma o estudo “Futuro da Energia”, publicado nesta terça-feira (22) pelo Observatório do Clima (OC).

A geração de energia e as emissões do transporte são a maior causa mundial do aquecimento global, devido à queima de combustíveis fósseis. O Brasil, neste quesito, é um ponto fora da curva devido à grande participação das hidrelétricas na matriz energética nacional, o que a deixa mais limpa comparada aos outros maiores emissores globais. Cerca de 60% da eletricidade no Brasil vem da força das águas, segundo dados do governo federal.

O grande problema brasileiro nesta questão é o desmatamento, que reduz a cobertura de árvores e gera queimadas, o que ao mesmo tempo cancela a capacidade natural de absorção de carbono (elemento presente nos gases estufa como metano e CO2), e produz mais emissões, liberando o carbono estocado nas árvores durante a queima ou decomposição.

Focado apenas no setor energético, o relatório do OC aponta medidas que, sendo aplicadas a diferentes setores da economia, poderiam, em tese, reduzir as cerca de 490,6 milhões de tCO2e (toneladas de dióxido de carbono equivalente, medida que considera todos os gases estufa) emitidas anualmente pelo setor para 102 milhões de tCO2e em 2050.

Ao mesmo tempo, mantendo-se as projeções atuais, mesmo considerando iniciativas em curso para a descarbonização, as emissões do setor de energia devem alcançar 558 milhões de toneladas de CO2e, aponta o estudo.

“O relatório mostra que é possível reduzir o uso de combustíveis fósseis mesmo num cenário de crescimento econômico. Com análises técnicas sólidas, demonstra que podemos alterar rotas equivocadas e contribuir no setor de energia para que o Brasil se torne um país carbono negativo até o ano de 2045”, afirma Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do OC e ex-presidente do Ibama.

Para os cálculos de cenários futuros, o trabalho considerou um crescimento médio do PIB (Produto Interno Bruto) de 2,1% ao ano até 2050, definindo assim uma medida de impacto sobre a demanda energética e as emissões de gases de efeito estufa de cada atividade do setor de energia.

Transporte: grande desafio está nas cargas

A maior oportunidade para reduzir as emissões rapidamente está no transporte de passageiros, avalia a pesquisa. Contudo, uma queda de 102 milhões de tCO2e para 16 milhões de tCO2e implicaria em “mudar os paradigmas das cidades, que devem ser mais compactas e com deslocamentos menores, e aumentar os investimentos em transporte público coletivo por ônibus, metrô, VLT e na infraestrutura para o uso das bicicletas em detrimento dos automóveis individuais”, colocam os pesquisadores.

Por outro lado, o transporte de cargas se coloca como atividade que apresenta os maiores desafios do setor, seja pelas dificuldades de eletrificar caminhões pesados e semipesados, seja pelos custos das baterias e de outros componentes, e ainda, pelas longas distâncias percorridas, analisa o OC.

Indústria: novos combustíveis apontam rumo

Setores pesados da indústria apostam em novas fontes de energia para cortar emissões. — Foto: Chris LeBoutillier / Pexels
Setores pesados da indústria apostam em novas fontes de energia para cortar emissões. — Foto: Chris LeBoutillier / Pexels

A indústria é hoje outro grande consumidor de energia no país. Uma esperança para reduzir as emissões do setor é o hidrogênio verde, mencionado no relatório como “um componente necessário para a transição energética, especialmente em setores que […] não têm a eletrificação como alternativa para as atividades”, no caso de produções intensivas em energia, como cimento e siderurgia, entre outras.

Produzido a partir da quebra da molécula de água, usando eletricidade, o hidrogênio verde pode se abastecer de energia de fonte solar ou eólica e assim fechar um ciclo praticamente livre de emissões.

“Além do hidrogênio verde, é importante mencionar que existem outras formas de obtenção de hidrogênio que são renováveis, como a gaseificação de biomassa e a reforma a vapor do biometano e do etanol. É fundamental considerar todas as opções disponíveis para garantir uma transição energética abrangente e sustentável”, ressaltam os pesquisadores.

Impacto social da transição energética

Parque eólico em Icarazinho, no litoral do Ceará. — Foto: Philippe Turpin/Getty Images
Parque eólico em Icarazinho, no litoral do Ceará. — Foto: Philippe Turpin/Getty Images

As frentes abertas pela geração de energia no século 21 precisam de fiscalização para que comunidades e trabalhadores impactados tenham direitos garantidos, observa o estudo. Há diversos pontos sensíveis nas cadeias de produção, como os conflitos no campo relacionados a empreendimentos eólicos, por exemplo, registrados no Nordeste.

A permanência de um modelo antigo de ocupação do território, onde a decisão pela instalação do empreendimento é tomada sem processos de respeito à terra, ao território e às comunidades tradicionais, e sem olhar as particularidades naturais da paisagem, não condiz com o caminho para uma transição justa, que defende a justiça social, a garantia de direitos e a manutenção dos serviços ecossistêmicos como parte do desenvolvimento ético e sustentável.
— Trecho de “Futuro da Energia”, relatório do Observatório do Clima

Mesmo as hidrelétricas, um modelo consolidado no Brasil, merecem atenção em relação ao dano que causam à biodiversidade, interrompendo a migração de peixes e levando diversas espécies à morte, segundo estudos citados no relatório, o que impacta não apenas o meio ambiente como populações que dependem da pesca.

Na cadeia de biomassa e biocombustíveis, que envolve em grande parte a indústria da cana de açúcar, o OC ressalta a necessidade de se observar boas práticas que evitem o uso de agrotóxicos e a contaminação de água doce, além da concentração de terra em grandes monoculturas.

Mineração: o apetite por metais

Campo de mineração de lítio no deserto do Atacama, no Chile — Foto: LFREEDOM_WANTED / Alamy / Fotoarena
Campo de mineração de lítio no deserto do Atacama, no Chile — Foto: LFREEDOM_WANTED / Alamy / Fotoarena

A transição energética, no Brasil e no resto do mundo, passa necessariamente pela mineração dos chamados minerais estratégicos ou críticos, matérias-primas essenciais para a produção de painéis solares, turbinas eólicas, carros elétricos, smartphones, chips e baterias de alta capacidade, observa o relatório.

O Brasil se insere nesse contexto como potencial supridor de boa parte desses minerais para a China, hoje a principal fabricante de suprimentos para a transição energética, como baterias para carros elétricos e placas solares.

“A realidade é sempre mais complexa do que o discurso. Indígenas e quilombolas relataram ao Observatório da Mineração que a exploração do lítio já vem afetando o abastecimento de água e causando poluição sonora, poluição do ar, inflação causada pela atividade da mineradora, aumento da violência e ameaças a áreas protegidas”, destaca o OC.

Desde 2020, o Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil já identificou 1.723 localidades em conflito, com 39,2% dos casos concentrados em Minas Gerais e 12,1% no Pará. Indígenas, trabalhadores, pequenos proprietários rurais, quilombolas, ribeirinhos e pescadores aparecem entre os mais atingidos.