O que esperar desta edição da COP da Biodiversidade
A 16ª Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP16) desembarca numa América do Sul abalada pela crise ambiental. A Colômbia, país-sede da reunião, atravessa uma severa seca e a capital, Bogotá, raciona água pela primeira vez. Incêndios também devastam florestas no Brasil, Bolívia, Equador, Peru, Paraguai.
É sob esse clima que Cali, cidade anfitriã, recepciona representantes do alto escalão de praticamente todos os países. Eles passarão as duas próximas semanas negociando como salvar as demais espécies – muitas sob risco de extinção por causa do modo de vida dos seres humanos. A principal meta é definir como o acordo assinado na última COP, em 2022, batizado de Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, sairá do papel.
O ponto de partida são as promessas feitas por cada país para reverter a perda da biodiversidade. Elas devem ser apresentadas num documento intitulado “Estratégia e Planos de Ação Nacional de Biodiversidade” (Nbsap, na sigla em inglês). Até o início da conferência, nesta segunda-feira (21/10), apenas 33 nações haviam cumprido esta etapa – e o Brasil não é um deles.
Especialistas que acompanham a discussão dizem não ter dúvidas de que o país entregará um plano. Mas o atraso decepciona, avalia Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil.
“É frustrante que o Brasil ainda não tenha apresentado sua Nbsap a tempo da COP16 especialmente considerando o papel crítico que o país desempenha na conservação da biodiversidade global”, diz Santos. “Não ter a Nbsap pronta pode sinalizar uma falta de priorização ou até mesmo de desafios internos na implementação dessas políticas”, justifica.
O peso do Brasil
Secretária nacional de biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Rita Mesquita assegura, em conversa com a DW, que o trabalho de construção do Nbsap está num ritmo avançado e que o documento deve ser apresentado até o final do ano.
Ela argumenta que após a gestão de Jair Bolsonaro, que teve uma agenda antiambiental declarada, foi preciso tempo para reconstruir, com participação da sociedade civil, a Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio), que orienta a criação de políticas nesta área.
“Nós estamos fazendo um plano com muita participação de todos os setores da sociedade”, afirma. “Estamos indo para a COP16 sem nenhuma diminuição dos compromissos assumidos, sem diminuir as ambições do Marco Kunming-Montreal.”
Em todo o mundo, a natureza está em declínio. O mais recente relatório Planeta Vivo, da ONG ambientalista WWF, conclui que o tamanho médio das populações de vida selvagem despencou 73% em média em comparação com 1970. A análise, publicada pela primeira vez em 1998, considera 5.495 espécies de anfíbios, aves, peixes, mamíferos e répteis. E as piores perdas ocorreram na América Latina.
É aí que o peso do Brasil fica evidente: com cinco biomas diferentes e a maior extensão de floresta tropical do globo, o país é considerado o dono da maior biodiversidade do planeta. São mais de 116 mil espécies animais e 46 mil espécies de plantas distribuídas pelo território nacional.
Debate com ambientalistas e empresariado
Rafael Loyola, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza e diretor executivo do Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS), acompanha os debates no MMA. “A elaboração da Nbsap é um processo e nos últimos dois anos o ministério o vem conduzindo de forma coordenada e participativa”, diz à DW.
O setor empresarial também se sente representado. “Ao longo do último ano, nós engajamos as empresas para construírem recomendações da estratégia, entendendo que a participação do setor é fundamental para a sua efetividade”, afirma à DW Juliana Lopes, diretora de natureza e sociedade do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), que vai à COP16 com uma delegação de 43 empresas.
O tempo é curto. O Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal estipula 23 metas que devem ser alcançadas nos próximos seis anos, em 2030. Dentre as principais estão a proteção de 30% das áreas terrestres e marítimas do mundo, a redução de subsídios para atividades que degradam a vida selvagem e a restauração de ecossistemas.
“É preciso lembrar que o Brasil tem suas particularidades também. Além de ser megadiverso, é um país de dimensão continental, com grandes diferenças regionais. Portanto, fazer um plano neste contexto é complexo”, argumenta Mesquita, do MMA.
Interesses conflitantes no Brasil
Se, por um lado, a biodiversidade brasileira coloca o país num papel de liderança na discussão internacional, o cenário em casa pode limitar algumas ações. A expansão de muitas atividades da economia, como a agropecuária, muitas vezes é feita às custas da natureza. É do Cerrado, por exemplo, bioma mais desmatado em 2023, que sai a maior safra de soja para o exterior.
“A implementação de políticas ambientais muitas vezes esbarra em interesses conflitantes, como a pressão por expansão agrícola e atividades de mineração, que podem levar ao desmatamento, conversão de habitats naturais e à degradação dos ecossistemas”, pontua Michel Santos, do WWF, mencionando ainda a falta de dinheiro e de pessoal técnico para apoiar ações de conservação e recuperação da biodiversidade.
Outro desafio, diz Rafael Loyola, do IIS, é lidar com questões antagônicas à agenda de conservação. “Criar todo um arcabouço de proteção e restauração e explorar petróleo na margem equatorial da Amazônia gera um contrassenso e aumenta a pressão externa sobre o país”, cita como exemplo. “Por questões desta natureza, os efeitos das mudanças climáticas intensificam-se e atuam sinergicamente com incêndios, aumentando a vulnerabilidade ambiental no país como um todo”, complementa.
Questões decisivas da COP
A apresentação das Nbsaps nos próximos dias em Cali mostrará se será possível chegar a 2030 com um respiro para a vida selvagem no planeta. Outro ponto sensível é a repartição dos benefícios financeiros vindos da biodiversidade, como consta no objetivo de número 13 do Marco Global.
Segundo o acordo, a repartição justa e equitativa deve ser feita a partir do uso não só das espécies em si, mas de dados de sequenciamento genético disponíveis em bancos digitais (DSI, na sigla em inglês). Essa partilha deve levar em conta os conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos em questão, que muitas vezes vêm de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, raizeiros, entre outros.
Essa mesma partilha já está prevista desde 2010 pelo Protocolo de Nagoya, do qual o Brasil é signatário, mas nunca aconteceu.
“A questão é como assegurar e moldar a partir das estruturas do Protocolo um fundo de repartição de benefícios global que englobe também os DSI. É possível que o Protocolo coexista com um sistema aberto de acesso, o que pode ser bom para as indústrias e pesquisadores e péssimo para comunidades indígenas”, avalia Eduardo Relly, pesquisador da Universidade Friedrich-Schiller, na Alemanha.
Este e outros pontos do acordo levam indígenas de todo o Brasil à Colômbia para negociar. “Esperamos ter acesso de forma justa, equilibrada e digna aos espaços oficiais. Esperamos que nossas vozes sejam consideradas como parte fundamental de todas as tratativas que forem feitas a partir das nossas experiências. Somos guardiões da biodiversidade”, diz Angela Kaxyuana, representante internacional da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, Coiab.