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9 em cada 10 brasileiros são contra a liberação da caça de animais silvestres

9 em cada 10 brasileiros são contra a liberação da caça de animais silvestres

Em maio de 2019, a organização WWF-Brasil encomendou uma pesquisa ao Ibope para identificar o que os brasileiros pensavam a respeito da liberação da caça de animais silvestres. O resultado foi bem claro: 93% é contra!

O instituto de pesquisa ouviu 2.002 pessoas em 142 municípios de todas as regiões do país e, segundo a ONG, “apontou uma sólida regularidade nos resultados quando analisadas as respostas por grupos de gênero, escolaridade, situação econômica ou localização geográfica”.

Agora, em novo levantamento encomendado também pelo WWF-Brasil ao Instituto DataFolha, os brasileiros continuam reprovando a prática: a cada dez, nove não apoiam a ideia de autorizar a caça no país.

Desta vez, foram entrevistadas 2.088 pessoas, a partir dos 16 anos, de todas as regiões do país, que responderam duas perguntas: “Você concorda com a ideia de autorizar a caça de animais no Brasil?” e “Votaria em quem apoia a caça no Brasil?”.

O resultado aponta que 90% refutam a caça, 9% concordam e 1% não soube responder. A rejeição é maior entre as mulheres (92%) e residentes nas regiões metropolitanas (93%).

A opinião dos brasileiros vai contra a atuação do Congresso Nacional, onde há projetos de lei em vias de tramitação, como o Projeto de Lei 5544/2020, do deputado Nilson Stainsack (PP-SC), que propõe a legalização da caça esportiva de animais silvestres em todo o território nacional, por meio da abertura de temporadas de caça, além da criação de animais para serem caçados, que os adeptos chamam de ‘caça enlatada’(na consulta pública feita pela Câmara dos Deputados, 97% dos brasileiros são contra esse PL).

Para que esse PL seja votado, falta apenas criar uma comissão especial, o que deve ser feito pela Mesa Diretora do Congresso. Por isso, a pressão da sociedade deve continuar intensa, de forma a impedir sua aprovação (no final deste post, conheça os 12 PLs em tramitação na Câmara dos Deputados).

Parlamentares que defendem a caça, não!

As mulheres também são maioria entre os que rejeitam votar em candidatos que apoiam a caça: 91%. Levando em conta o total de entrevistados, 88% rejeitam políticos que defendem essa pauta (Nelson Barbudo, abaixo com o presidente Bolsonaro, é um dos deputados que defende o tema no Congresso).

A rejeição é maior entre mulheres e moradores das regiões metropolitanas: 91%. E apenas 10% dos entrevistados votariam nesses candidatos. Os indecisos representam 3% dos entrevistados.

Assim, o resultado da pesquisa do DataFolha indica forte sensibilização e consciência sobre o tema – contrária à autorização da caça -, em dois grupos: mulheres e moradores de regiões metropolitanas.

Para Raul do Valle, coordenador de Incidência política do WWF-Brasil, uma das razões para esse resultado deve ser o aumento da violência em decorrência de mais armas em circulação nesses centros.

“Todos sofremos com a grande circulação de armas. Mães perdem seus filhos em brigas de trânsito, vizinhos se matam entre si por bobagens, apenas porque um teve acesso facilitado a uma arma de fogo”, explica.

“Estamos vendo, chocados, um aumento nos casos em que pais de família matam esposa, filhos, parentes e depois se matam. O aumento na circulação de armas em nossa sociedade é uma tragédia e só tende a piorar se as coisas não mudarem”, completa Valle.

Problema não só ambiental, mas de segurança
A caça está liberada apenas para espécies como o javali, considerado um animal invasor, que pode provocar o desequilíbrio de ecossistemas. No entanto, essa liberação tornou-se uma “desculpa” para o aumento exponencial da quantidade de CACs (Colecionadores, atiradores e caçadores) no Brasil, nos últimos anos.

Desde 2018, no governo Temer, o número de armas para essa categoria pulou de 350,6 mil para 1.006.725. Os dados do Exército foram divulgados pelos institutos Igarapé e Sou da Paz, com base na Lei de Acesso à Informação.

Só na Amazônia, onde acontecem conflitos fundiários constantes, foi registrado o maior aumento na quantidade de armas em circulação: 700%, desde 2018.

Outro ponto importante a considerar é a liberação da caça esportiva, que teria/tem contribuído consideravelmente para o aumento da aquisição de armas com amparo legal, visto que, na atualidade, são poucas as hipóteses de caça legal, como subsistência e controle de pragas.

E ainda existe mais um fato temeroso nessa liberação: armas compradas legalmente podem cair nas mãos de integrantes do crime organizado, o que aumenta a periculosidade desses grupos. Isto vem sendo noticiado pela mídia, ou seja, é um fato.

“Recentemente, apreenderam armas compradas por um CAC nas mãos de uma quadrilha de roubo a carros fortes. Estamos falando de um problema grave de segurança, não apenas ambiental: mais armas em circulação significa mais violência comum e do próprio crime organizado, que já é imensa”, destaca Valle.

Crueldade contra os animais
Na prática da caça, ainda há que se considerar a crueldade cometida contra os animais alvo e os cães utilizados para identificar a presa, que ficam sem alimento por muitos dias, garantindo o sucesso da empreitada.

9 em cada 10 brasileiros são contra a liberação da caça de animais silvestres, aponta pesquisa
Foto: Bruno Carvalho/Instituto Arara Azul
Gabriela Moreira, coordenadora do Projeto Pró-Espécies no WWF-Brasil, expilca: “Muitos caçadores deixam os cães vários dias sem alimentação suficiente e os estimulam a ser mais agressivos. Por isso, caçam a presa impiedosamente”.

Outro fator grave: “caçadores inexperientes podem colocar em risco nossa fauna, atingindo animais que estão sob o risco de extinção ou fêmeas com filhotes. Quem vai se responsabilizar por esse risco?”, pergunta Gabriela.

De acordo com o WWF-Brasil, a arara-azul, o tatu-bola, o mico-leão-dourado e o boto-cor-de-rosa estão entre as espécies ameaçadas na mira dos caçadores.

Como se tudo isso não bastasse, o YouTube tornou-se uma plataforma de incentivo aos caçadores. Muitos deles, publicam vídeos cruéis para mostrar sua performance no abate de animais silvestres.


Em junho deste ano, a Renctas – Rede de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres lançou a campanha  Basta de Caça, com abaixo-assinado que foi anexado a uma ação pública contra o YouTube. Em agosto, o Google foi condenado, pelo Tribunal de Justiça do DF, a excluir do YouTube todos os vídeos referentes à essa prática abominável.

12 PLs que ‘querem’ acabar com a fauna brasileira!
A lista a seguir foi extraída de um abaixo-assinado publicado pelo movimento Todos Contra a Caça, em dezembro de 2021 (editada por mim para esta publicação) e apresenta todos os PLs que tramitam no Congresso Nacional sobre o tema.

Essa gente não sossega, mas a mobilização de organizações da conservação também não!


Imagem de divulgação da campanha Basta de Caça
– PLs 986/2015,  1.019/2019, 3.723/2019 e 3.615/2019: o 1º PL é de autoria do deputado federal Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), o 2º e o 3º do deputado federal Alexandre Leite (DEM-SP) e o 4º do senador Marcos Rogério (DEM-RO). Todos visam a criação do Estatuto dos CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores), indicando o armamento utilizado por essas categorias, além de considerar como legalizada a caça esportiva no Brasil;

– PL 6.268/2016 (PL da Caça): do ex-deputado federal Valdir Colatto (MDB-SC), pretende legalizar as caças profissional e esportiva, bem como criar “reservas de caça”;

– PLP 436/2014: do deputado federal Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), propõe passar para os Estados o fornecimento de autorizações de caça;

– PL 7.136/2010: do deputado federal licenciado e atual Ministro da Secretaria-Geral do governo Bolsonaro, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), propõe passar para os municípios a emissão de licenças de caça;

– PL 7.129/2017: do deputado federal Alexandre Leite (DEM/SP), sugere a caça como medida de controle de espécies exóticas invasoras, e a comercialização de sua carne;

– PL 4.827/2020: do deputado federal Ronaldo Santini (PTB-RS), visa estabelecer a caça e a comercialização da carne de espécies exóticas invasoras quando forem declaradas nocivas para a agricultura, saúde pública e meio ambiente;

– PL 4.829/2020: do deputado federal Ronaldo Santini (PTB-RS), trata da caça para controle de fauna de espécies silvestres (o que inclui espécies nativas) quando consideradas em “desequilíbrio populacional”;

– PL 5.544/2020: do deputado Nilson Stainsack (PP-SC), que trata da liberação da caça esportiva de animais no Brasil (sobre a qual comentei acima) e

– PL 3.384/2021: apresentado e aprovado no Senado pelo senador Wellington Fagundes (PL-MT) como PLS 201/2016, autoriza o controle populacional de espécies exóticas invasoras nocivas pela caça e estabelece condições para o consumo, a distribuição e a comercialização de produtos e subprodutos resultantes do abate desses animais.


Mônica Nunes
Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.