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Você sabe o que é adaptação climática antirracista?

Você sabe o que é adaptação climática antirracista?

Criado coletivamente por quase 50 organizações que compõem a Rede por Adaptação Antirracista, em um encontro que ocorreu em Olinda (PE), e apresentado na Plataforma Brasil Participativo do Plano Clima Adaptação, o conceito de adaptação climática antirracista tem como principal objetivo demarcar qual dever ser a centralidade das políticas públicas de adaptação climática, no Brasil. A ideia é estimular o posicionamento para encontrar soluções para lidar com os eventos climáticos e propor que a presença das populações mais vulnerabilizadas estejam em primeiro plano na discussão.

“Adaptação climática antirracista é o enfrentamento às desigualdades raciais, de gênero, geracionais, sociais, regionais e territoriais, a partir de um conjunto de políticas públicas estruturantes, interseccionais e intersetoriais. Essas políticas devem ter como foco assegurar o bem viver, a proteção das vidas vulnerabilizadas e a conservação dos biomas, por meio de medidas estruturais e emergenciais”, destaca a secretária executiva da Rede, Thaynah Gutierrez.

Para a ativista, as políticas de adaptação antirracista, em sua concepção, planejamento, financiamento, implementação, monitoramento e avaliação, devem incorporar os saberes, as soluções e práticas populares, ancestrais e tradicionais, e as especificidades dos territórios. Além disso, sua efetivação visa reduzir os impactos desproporcionais da crise climática e dos eventos climáticos extremos, que afetam principalmente as populações negras, indígenas, quilombolas, tradicionais, periféricas e faveladas, no campo, na cidade,  na floresta e nas águas.

“Criamos um conceito de Adaptação Climática Antirracista por entender que tanto nacional quanto internacionalmente ainda não há acordo sobre o que seria a Adaptação Climática. Nesse lugar de ausência de conceitos únicos, vemos a oportunidade de aprofundar nossa perspectiva antirracista e propormos um que pudesse ser apresentado para os representantes do governo brasileiro nas negociações climáticas”, explica.

Essa compreensão e os desdobramentos sobre o que seria adaptação climática antirracista é colocada pela Rede como determinante para visibilizar populações atingidas pelo racismo. “Dizemos que estamos em disputa pelo conceito porque as agendas climáticas historicamente sempre apagaram o fator racista que aprofunda as injustiças climáticas. Com nosso conceito de uma adaptação climática antirracista nós denunciamos o racismo para a partir dele dizer quais propostas de adaptação queremos para as cidades do Brasil. E, assim, esperamos que esse conceito possa fortalecer as agendas do Sul Global também”.

A Rede por Adaptação Antirracista surge para trazer a centralidade inegável que as populações negras, indígenas, quilombolas e as comunidades tradicionais têm na agenda climática, não apenas enquanto vítimas dos efeitos mais devastadores das mudanças climáticas, mas também enquanto protagonistas históricas das tecnologias sociais e ancestrais que respondem efetivamente a esses efeitos.

A principal contribuição da Rede é dar voz para essas lideranças comunitárias que atuam territorialmente, mas pensam globalmente, entendem os efeitos das mudanças climáticas e estão dispostas a contribuírem para qualificar as políticas públicas de adaptação climática. Para isso, estão sendo monitorados os projetos de lei e políticas públicas federais, encontros estão sendo promovidos entre as organizações territoriais espalhadas pelo Brasil que fazem parte da Rede e propostas a partir de documentos técnicos e materiais didáticos estão sendo consolidadas.

Sobre a Rede

A Rede nasceu em 2023, após as catástrofes climáticas ocorridas nos estados de Pernambuco (capital e Região Metropolitana) e São Paulo (São Sebastião, litoral norte) que resultaram nas mortes de mais de 400 pessoas, a maioria negras e periféricas. No entanto, quando o Governo Federal iniciou os trabalhos para o novo Plano Nacional de Adaptação, o Plano Clima, representantes de movimentos negros e povo originários ficaram de fora.

Lançada oficialmente em julho deste ano, o coletivo reúne mais de 50 organizações e coletivos de territórios espalhados por 15 estados nas cinco regiões do Brasil. Em uma iniciativa inédita a partir da inquietação com a forma como as consequências a eventos climáticos extremos são tratadas pelo poder público, quase sempre em medidas emergenciais, após territórios arrasados e vidas perdidas, a Rede começou os seus trabalhos.

Apesar de recente, a Rede por Adaptação Antirracista já acumula importantes posicionamentos e conquistas a favor de firmar o antirracismo nas discussões sobre mudanças climáticas no Brasil. O primeiro ato público do grupo foi a escrita da carta manifesto “Emergência Climática no Brasil: A necessidade de uma adaptação antirracista”. No texto, são pontuadas as tragédias climáticas mais recentes, enfatizando serem evitáveis caso o poder público desse a atenção necessária aos locais e principalmente às populações moradoras dos territórios atingidos.

No Nordeste, Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Bahia, além de Rio de Janeiro e São Paulo, no Sudeste, são os estados citados como palcos de perdas de mais de 500 vidas somente em 2022, decorrentes dos grandes volumes de chuvas. O texto assinado por mais de 140 organizações também enfatiza o racismo ambiental, argumentando que “situações de risco não surgem apenas por uma pretensa falta de planejamento, mas também como resultado da falta de uma política habitacional destinada à garantia do direito à habitação digna para a população negra e periférica”.

Os trabalhos realizados pela Rede têm duas frentes principais: a primeira é a conexão dos movimentos de base com atuação territorial na pauta da adaptação às instituições e agências do terceiro setor que possam financiar e fomentar as atividades desses movimentos. Já a segunda é a incidência para pautar políticas públicas de adaptação às mudanças climáticas na esfera federal, a partir do monitoramento e da avaliação das ações do executivo e do legislativo. Diálogos com ministérios, como o Ministério da Igualdade Racial e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, fazem parte das atividades.

Atualmente 57 organizações fazem parte da Rede, como Greenpeace, Conectas, Observatório do Clima, Instituto Pólis, GRIS, Geledés – Instituto da Mulher Negra, Coletivo Caranguejo Tabaiares, Centro Popular de Direitos Humanos, Habitat para Humanidade, Coalizão Negra por Direitos, Instituto de Referência Negra Peregum, Articulação Negra de Pernambuco, entre outras.

A Rede monitora e participa de grupos de trabalho que atuam na estruturação e implementação de: Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas (PNA – Plano Clima), do Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Mudança do Clima; Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional – Secretaria de Defesa Civil; e Soluções Baseadas na Natureza para Periferias, do Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Periferias.

O grupo também teve participação fundamental na melhoria do PL Nº 4129/2021, de autoria da deputada federal Tabata Amaral, sobre as diretrizes gerais para a elaboração de planos de adaptação à mudança do clima, entretanto a aprovação do PL passou com a retirada das contribuições da Rede; e do PL Nº 380/2023, apresentado pela deputada federal Erika Hilton, que altera a lei Nº 10.257 para criar diretrizes que fomentem a construção de cidades resilientes às mudanças climáticas (está em tramitação na Câmara dos Deputados).

O lançamento oficial da Rede por Adaptação Antirracista ocorreu na cidade do Recife, no bairro do Ibura. Nas chuvas de 2022 que assolaram a Região Metropolitana, o Ibura, bairro periférico da capital pernambucana, foi uma das regiões mais atingidas e onde mais vítimas fatais foram contabilizadas – em sua maioria, pessoas negras.

“Ter tido Pernambuco e Recife como palco do lançamento da Rede não foi por acaso. A discussão sobre adaptação climática antirracista e os impactos das mudanças climáticas não podem ficar concentradas no eixo sudeste, precisam chegar aos outros estados que também têm suas populações afetadas”, pontua Joice Paixão, que também é secretária executiva da Rede por Adaptação Antirracista.