Ultrapassagem de 1,5ºC não pode mais ser evitada, diz Pnuma
Relatório de Lacuna de Emissões mais duro da história aponta que NDCs atuais, se cumpridas, conduzirão a planeta 2,5ºC mais quente no final do século.
“Os países tiveram três tentativas para cumprir as metas estabelecidas no Acordo de Paris, e em todas as vezes falharam em atingir o objetivo”. O comentário de Inger Andersen, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), dá o tom das conclusões do aguardado Relatório de Lacunas para as Emissões (EGR, na sigla em inglês para Emissions Gap Report), publicado anualmente.
A edição deste ano, com dados de 2024, foi lançada nesta terça-feira (4/11), com o título de “Fora do Alvo”. É o mais duro dos 13 relatórios do gênero que o Pnuma lançou desde 2010. O levantamento apontou que as emissões de gases de efeito estufa bateram novo recorde e chegaram a 57,7 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (GtCO2e) em 2024, um aumento de 2,3% em relação aos níveis de 2023. O aumento é maior do que o verificado entre 2022 e 2023, de 1,6%.
Ou seja: além de não caírem, as emissões aumentaram em ritmo mais acelerado. O incremento é, segundo o Pnuma, mais de quatro vezes maior do que a média anual de crescimento na década passada (0,6% ao ano) e está nos mesmos níveis da média da década de 2000 (2,2% ao ano).
Diante disso, o EGR afirma categoricamente, pela primeira vez, que a ultrapassagem do limite de temperatura de 1,5ºC fixado pelo Acordo de Paris não pode mais ser evitada. Nos próximos anos, e pelas próximas décadas, a humanidade viverá o cenário que os cientistas chamam de overshoot: todos viveremos num mundo perigosamente mais quente até que cortes radicais de emissões possam devolver os termômetros a níveis próximos de 1,5ºC em algum momento no fim deste século.
“Devido ao contínuo atraso em cortes profundos de emissões, trajetórias de 1,5ºC hoje implicam em exceder mais esse limite de temperatura. A magnitude e a duração desse overshoot precisam ser as menores possíveis”, diz o relatório.
A expectativa de que as novas metas climáticas dos países (NDCs, na sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas) corrigissem a lacuna de emissões foi frustrada. A lacuna corresponde à diferença entre o que se projeta emitir na próxima década e os níveis necessários para atingir a meta do Acordo de Paris.
Primeiro, porque somente um terço dos signatários do tratado atualizou suas metas no prazo estipulado. Depois, porque a ambição climática dos países ainda está muito aquém do necessário para controlar o aquecimento do planeta em 1,5ºC e mesmo em 2ºC, a meta menos ambiciosa de Paris.
Segundo o estudo, as metas climáticas atualmente assumidas pelos países levariam – se cumpridas à risca, e não estão sendo – a um aquecimento de 2,3ºC a 2,5ºC no final deste século, uma melhora ínfima em relação ao projetado no relatório do ano passado (aquecimento de 2,6ºC a 2,8ºC com cumprimento integral das NDCs). Mantidas as políticas climáticas atuais, o aquecimento em 2100 seria de 2,8ºC (contra 3,1ºC projetados no ano passado).

As políticas atuais conduziriam a emissões globais de 54 GtCO2 em 2035. O cumprimento das atuais NDCs reduziria as emissões para 48 GtCO2 no mesmo ano (considerando as metas “não condicionadas”, aquelas que dependem apenas dos países para serem implementadas). Isso significa uma emissão de 23 GtCO2 a mais do que o máximo permitido para controlar o aquecimento do planeta em 1,5ºC, a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris.
Na melhor das hipóteses, as atuais NDCs reduziriam as emissões para 46 GtCO2 em 2035, se considerarmos também as “condicionadas”, que dependem de aporte financeiro dos países ricos para serem postas em prática. Ainda assim, a queda está muito longe do necessário: seriam emitidas cerca de 22 GtCO2 a mais do que o necessário para conter o aquecimento em 1,5ºC.

O levantamento indicou ainda que as emissões recordes de 2024 resultam de um aumento da poluição climática em todos os setores da economia globalmente.
“Apesar do papel fundamental dos combustíveis fósseis no aumento das emissões totais, o desmatamento e a mudança no uso da terra foram decisivos para o rápido aumento das emissões em 2024. As emissões globais líquidas de CO2 de uso da terra, mudança no uso da terra e florestas aumentaram 21% em 2024 (…)”, diz o relatório. O CO2 fóssil aumentou 1,1% e respondeu por 36% do aumento nas emissões globais.
Para a diretora-executiva do Pnuma, a COP30 em Belém terá a tarefa de responder à insuficiência de ambição climática.
“Os líderes têm que liderar. E liderar no clima significa entender a ciência, e que a ciência conduz a política. Ser uma liderança significa entender que cai sobre eles essa responsabilidade de implementar a regulação necessária para garantir o investimento de que precisamos, apoiar o financiamento de acordo com suas responsabilidades e garantir que as tecnologias estejam disponíveis para todos os países”, afirmou Inger Andersen na coletiva de lançamento do relatório.
Embora dê a notícia amarga do overshoot, o Pnuma também indica que o caminho não é jogar a toalha, mas radicalizar os cortes de emissões em vez disso para tornar a ultrapassagem a mais breve possível.
“Embora o aquecimento global já esteja próximo de 1,5°C e provavelmente ultrapasse esse limite de temperatura em breve, o objetivo de longo prazo do Acordo de Paris — limitar o aquecimento global a bem menos de 2°C, envidando esforços para permanecer abaixo de 1,5°C — continua sendo central. O Acordo de Paris não estabelece uma data-alvo nem um prazo de validade para esse objetivo de temperatura. Ele é amplamente entendido como uma obrigação jurídica, moral e política, conforme afirmado pelo recente parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça, que reafirma que 1,5°C permanece sendo a meta “primária” do Acordo de Paris”, afirma o relatório.
“Cada fração de grau de aquecimento global importa. Cada aumento adicional de 0,1°C no aquecimento global está associado a uma intensificação dos danos, das perdas e dos impactos negativos à saúde que já estão sendo sentidos nos níveis atuais de aquecimento — e que afetam de forma mais severa os mais pobres e vulneráveis. Além disso, os riscos de impactos irreversíveis e de acionamento de pontos de inflexão climáticos — que poderiam levar a mudanças climáticas abruptas e permanentes — aumentam a cada incremento do aquecimento global.”
