Tratado de plásticos pode poupar US$ 200 bi aos cofres públicos

Negociações finais em Genebra buscam acordo global vinculante para conter a crise dos plásticos; saiba o que está em jogo
Tem início nesta terça-feira (5), em Genebra, na Suíça, a etapa final das negociações do Tratado Global da ONU contra a Poluição Plástica (INC-5.2), que segue até 14 de agosto. O tratado pode representar não apenas um marco ambiental inédito, como também trazer uma economia acumulada de até US$ 200 bilhões aos cofres públicos entre 2026 e 2040, segundo estudo encomendado pela Coalizão Empresarial por um Tratado Global para os Plásticos e elaborado pela consultoria Systemiq.
A análise mostra que, caso nenhuma medida seja tomada e o cenário de negócios siga como está (business as usual), a quantidade de resíduos plásticos mal gerenciados praticamente dobrará até 2040. A geração total de resíduos plásticos aumentaria em 68% até o mesmo ano, enquanto a demanda por plástico virgem pode crescer até 50% em relação a 2019.
No entanto, com regras globais que abordem todo o ciclo de vida do plástico, a projeção se inverte. O volume de resíduos plásticos mal gerenciados pode cair 90% até 2040, e a demanda por plástico virgem pode ser reduzida em 30%, em comparação com 2019, ao limitar o uso desnecessário e adotar design para reciclagem e modelos de negócios circulares.

“Estamos novamente diante de um momento decisivo para o futuro do planeta. O acordo não só auxiliará no combate eficaz à poluição plástica, mas também trará ganhos econômicos superiores ao cenário business as usual – uma economia acumulada de cerca de 200 bilhões de dólares nos gastos públicos entre 2026 e 2040”, afirma Luisa Santiago, diretora-executiva da Fundação Ellen MacArthur na América Latina. “Isso é especialmente importante considerando que os custos da gestão de resíduos, por exemplo, já representam um peso orçamentário significativo para as autoridades locais, correspondendo a 10 a 20% dos orçamentos dos municípios em países de baixa e média renda, como o Brasil”, completa.
Até os maiores poluidores globais de plástico pressionam por ambição. Mais de 290 empresas e organizações – entre elas Coca-Cola, SC Johnson, Walmart, Nestlé, PepsiCo, Danone e Unilever – assinaram uma carta aberta pedindo a finalização urgente do tratado. As companhias defendem a inclusão de medidas como a eliminação de plásticos problemáticos, critérios globais de design e a responsabilidade estendida do produtor.
América Latina e Caribe: prioridade é uma transição justa
Para a América Latina e o Caribe, a transição justa é um ponto central das negociações no Tratado de Plásticos. O estudo da Systemiq projeta que a região precisará de cerca de US$ 50 bilhões adicionais em gastos públicos para expandir sistemas de gestão de resíduos. Por outro lado, o tratado pode gerar uma economia anual de até US$ 1 bilhão apenas com resíduos plásticos.
“O Brasil, como país mais populoso da região e liderança natural no cenário latino-americano, tem um papel estratégico em puxar essa discussão e assegurar que os países em desenvolvimento não fiquem para trás nessa agenda global. Uma transição justa não apenas promove maior equilíbrio entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, como também minimiza os impactos sobre as comunidades mais vulneráveis, reconhecendo e valorizando o papel essencial de atores como os catadores de materiais recicláveis em toda a cadeia do plástico”, ressalta Luisa Santiago.
O que está em jogo
O tratado é considerado o maior acordo ambiental desde o Acordo de Paris (2015). As negociações, iniciadas em 2022, visavam a criação de um documento juridicamente vinculante até o fim de 2024. No entanto, o avanço tem sido dificultado pela resistência de países com interesses na indústria petroquímica. A última rodada, em Ottawa (Canadá), foi criticada pela falta de ambição do texto-base.
Entre os principais pontos em debate estão a limitação da produção de resinas plásticas, a eliminação gradual de itens descartáveis, a proibição de aditivos tóxicos e a harmonização de normas globais de design. Também é reivindicada a criação de um mecanismo financeiro para apoiar países em desenvolvimento e a garantia de uma transição justa com reconhecimento e inclusão dos trabalhadores da cadeia do resíduo, como catadores, comunidades afetadas e povos indígenas.

“A maioria dos governos e cidadãos apoia um tratado da ONU ambicioso, eficaz e juridicamente vinculativo que aborde todo o ciclo de vida dos plásticos. Tal tratado precisaria incluir elementos-chave, como restrições e eliminação gradual de produtos problemáticos e produtos químicos preocupantes, juntamente com medidas de design de produtos e mecanismos robustos de implementação”, reforça Rob Opsomer, líder executivo da Fundação Ellen MacArthur.
Entre os temas mais sensíveis está a inclusão de metas obrigatórias para corte na produção de plástico, apoiada por mais de 100 países, mas ainda enfrentando resistência de nações influenciadas pela indústria de plásticos e combustíveis fósseis.

“Num mundo de mudanças políticas, estas negociações estão no fio da navalha, os países produtores de petróleo têm usado o consenso não para construir acordos, mas para miná-los e sabotá-los. Isto não é multilateralismo. É obstrucionismo”, disse Zaynab Sadan, líder global de Política de Plásticos do WWF. “A maioria ambiciosa deve agora forjar o seu próprio caminho para um tratado significativo através da votação ou da formação de uma coligação maioritária… Eles têm o apoio e as ferramentas. Agora precisam de cumprir.”
Plásticos e riscos à saúde
Mais de 30 mil toneladas de plástico são despejadas diariamente nos oceanos. A organização WWF alerta que o fracasso em concluir um tratado forte tornará mais difícil, caro e perigoso o combate à crise dos plásticos. O novo relatório da entidade, em parceria com a Universidade de Birmingham, também alerta para os riscos à saúde.
O estudo “Plastics, Healt and One Planet”, sintetiza quase 200 peças das mais recentes e mais notáveis pesquisas revisadas por pares sobre os riscos potenciais que a poluição plástica, especialmente micro e nanoplásticos e produtos químicos de alto risco associados, representa para a saúde humana e ambiental. O relatório mostra que o MnP, bem como os aditivos plásticos, estão associados a uma série de efeitos biológicos, tais como desregulação endócrina e câncer relacionado com hormônios (como da mama e de testículo), deficiências reprodutivas e de fertilidade e doenças respiratórias crônicas.

Embora a investigação esteja em evolução, a organização ambiental junto a cientistas apelam para o fato de que as evidências atuais justificam suficientemente o princípio da precaução: tomar medidas quando são identificados riscos credíveis, mesmo na ausência de certeza científica absoluta, a fim de minimizar danos futuros.
“O princípio da precaução orientou vários acordos internacionais com grande sucesso, nomeadamente o Protocolo de Montreal de 1987, quando os países agiram de forma decisiva em relação às substâncias que destroem a camada de ozônio antes de a ciência estar totalmente resolvida, prevenindo milhões de casos de câncer da pele e facilitando a restauração da camada de ozônio. Com base nesse precedente, instamos os governos e os negociadores a elaborarem um tratado juridicamente vinculativo, baseado na ciência, que não só aborde a poluição plástica nas suas raízes, incluindo proibições globais e eliminação progressiva dos produtos e produtos químicos mais nocivos, mas também também torne a proteção da saúde humana, da vida selvagem e do ambiente uma função essencial”, aponta o Professor Dr. Stefan Krause, Professor de Ecohidrologia e Biogeoquímica da Universidade de Birmingham.
Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, pontua ainda que a poluição plástica é também uma questão climática porque a queima de plástico e o descarte incorreto geram milhares de toneladas de gases de efeito estufa. “Como país que abriga a maior biodiversidade do planeta, é fundamental que o Brasil assuma uma posição de liderança no INC-5.2, defendendo regras claras e vinculantes para enfrentar essa crise”, diz.
Para o WWF, as negociações em Genebra devem terminar com um tratado baseado em regras vinculativas específicas apoiadas pela maioria dos países para poder combater eficazmente a poluição global por plásticos. Isto significa um tratado que inclua proibições globais dos produtos plásticos e químicos mais nocivos; requisitos globais de design de produtos para permitir uma economia circular não tóxica; apoio financeiro e técnico aos países em desenvolvimento para garantir uma implementação eficaz e mecanismos para fortalecer e adaptar o tratado ao longo do tempo.