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Técnicas podem viabilizar novos usos do óleo de tucumã na indústria alimentícia

Técnicas podem viabilizar novos usos do óleo de tucumã na indústria alimentícia

A microencapsulação e a oleogelação transformam o óleo do tucumã em micropartículas e em gel, respectivamente, que podem ser depois incorporados como aditivos em alimentos industrializados e embalagens alimentícias

Técnicas de microencapsulação e de oleogelação  avaliadas por pesquisadores da USP transformam o óleo de tucumã, um fruto típico da Amazônia, em novos aditivos para serem incorporados em alimentos (bolos, chocolates, sorvete, salsichas, hambúrgueres e queijos processados) e em embalagens alimentícias (filmes), em escala industrial. As micropartículas – pozinhos finos – e o gel obtidos pelos processos preservaram os compostos bioativos (betacaroteno, ácidos graxos e substâncias antioxidantes) do fruto e conferiram ao produto algumas funcionalidades. Entre elas, a estabilidade em caso de estocagem (menor degradação) e a bioacessibilidade após digestão simulada, que diz respeito ao quanto os compostos nutricionais permanecem disponíveis para absorção pelo organismo.

“O óleo de tucumã extraído da polpa dos frutos é rico em ácidos graxos (gordura) insaturados, em carotenoides (betacaroteno) e apresenta atividades antioxidante, anti-inflamatória, anticarcinogênica e antihiperglicêmica. Embora ele seja bem aproveitado pela indústria cosmética na formulação de cremes e loções corporais e na culinária regional amazonense, é ainda pouco explorado pela indústria alimentícia”, explica ao Jornal da USP a engenheira de alimentos Priscila Dayane de Freitas Santos. Ela é autora da pesquisa de doutorado na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP, com orientação da professora Carmem Silvia Favaro-Trindade. “Além dos benefícios à saúde, o óleo de tucumã, na forma pura, em pó ou em gel, também pode ser usado como corante natural em alimentos, com cores que variam do amarelo ao alaranjado intenso, evitando assim a necessidade de corantes sintéticos”, diz.

Priscila Santos - Foto: Arquivo Pessoal

Priscila Santos – Foto: Arquivo Pessoal

Substituição da gordura saturada

“O oleogel, por exemplo, se adicionado às formulações industriais, poderá substituir parcial ou totalmente as temíveis gorduras saturadas que estão associadas a uma série de doenças cardiovasculares”, relata a engenheira. O consumo excessivo de gordura saturada pode promover o aumento no sangue dos níveis de colesterol ‘ruim’, o LDL, e também ganho de peso – o que pode levar à aceleração de condições como obesidade, diabetes, infarto, derrame, aterosclerose e pressão alta”, diz Priscila Santos.

Óleo de tucumã extraído da polpa dos frutos – Foto: Wikimedia Commons

Ela acrescenta que a aplicação das micropartículas do óleo de tucumã em alimentos também permite a obtenção de produtos com maior valor nutricional, já que as micropartículas conferem maior proteção aos bioativos do óleo (betacaroteno e ácidos graxos) e promovem sua liberação controlada durante a digestão, aumentando assim as chances de tais compostos serem absorvidos pelo organismo e trazerem benefícios à saúde.

Segundo Carmem Trindade, “o desafio era encontrar tecnologias que durante o processo de transformação do óleo preservassem as substâncias bioativas do fruto, que reduzissem a sensibilidade à degradação e aumentassem a biodisponibilidade digestiva”, relata. “Além de dar novos usos para um óleo em escala industrial, a valorização do tucumã também poderá estimular o desenvolvimento de comunidades locais na Amazônia de forma que os agricultores familiares possam melhor explorar a coleta do fruto ”, diz a professora.

Técnicas: spray drying, spray chilling e oleogelação

A primeira etapa do estudo foi microencapsular o óleo de tucumã por duas técnicas industriais chamadas spray drying e spray chilling, além da combinação dos dois métodos. A encapsulação do óleo por spray drying foi feita com ar quente temperaturas acima de 100 graus centígrados (ºC). Já a encapsulação por spray chilling foi baseada no uso de ar frio – abaixo de 15 ºC.

Priscila Santos explica que, em geral, as finalidades da microencapsulação são atenuar os aspectos sensoriais indesejados de uma substância; permitir maior estabilidade em condições ambientais adversas, como a presença de luz, oxigênio e pH extremo; e permitir a liberação controlada de bioativos em condições específicas durante a estocagem e o processo de digestão.

Todas as técnicas aplicadas nesta primeira etapa resultaram em pós finos e amarelos, com alto teor de carotenoides totais (antioxidantes) e betacaroteno (fonte de vitamina A) e elevada estabilidade contra oxidação em caso de estocagem.

Micropartículas de óleo de tucumã produzidas por spray drying (esquerda), spray chilling (centro) e pela combinação das duas técnicas (direita) – Foto: Priscila Santos

As micropartículas produzidas por spray drying se mostraram facilmente solúveis em água e tiveram a liberação de carotenoides de forma gradual ao longo da digestão simulada em laboratório. Porém, somente as micropartículas feitas por spray chilling foram capazes de aumentar a bioacessibilidade do betacaroteno após a digestão simulada.

Ao analisar esses resultados, a pesquisadora indica algumas vantagens da transformação do óleo em pó (micropartículas). Para a indústria, facilita o manuseio do produto e permite redução dos custos de armazenamento e transporte; já para o consumidor final, proporciona um alimento enriquecido nutricionalmente, com maior chance de absorção do betacaroteno.

Filmes para embalar alimentos

A segunda etapa do estudo foi avaliar os efeitos da incorporação do óleo puro e encapsulado (micropartículas) em filmes extrusados – extrusão é o processo industrial de fabricação de filmes. Foi testado um filme biodegradável, produzido à base de amido de mandioca. Como resultado, tanto o óleo puro como o encapsulado geraram filmes levemente amarelados, com elevada opacidade e reduzida solubilidade em água.

De acordo com a pesquisadora, essas propriedades são interessantes para conferir maior proteção aos alimentos que sofrem degradação quando expostos à luz e para garantir que o filme biodegradável permaneça intacto durante a vida de prateleira do alimento embalado. Além disso, alguns estudos apontam que a incorporação de micropartículas em filmes pode melhorar sua resistência mecânica, porém esse efeito não foi observado neste trabalho.

Oleogéis

A terceira etapa foi transformar o óleo de tucumã em oleogel e avaliá-lo em termos de retenção de compostos bioativos e aspectos físicos reológicos (viscosidade do gel). Foram utilizados método diretos, com altas temperaturas, e indiretos com baixas temperaturas.

Priscila Santos explica que o método direto consiste em aquecer o óleo em presença de um agente estruturante (nesse estudo, foi usado um polímero natural derivado da celulose) que converte o óleo em uma espécie de sólido, similar ao que fazemos em casa para preparar gelatina. “Já o método indireto é mais complicado e envolve a produção de uma emulsão líquida, que em seguida é seca para se obter um gel em estado sólido. Nesse caso, o aquecimento não é necessário.”

Como resultado desta etapa, o oleogel produzido de forma direta com altas temperaturas provocou a degradação parcial dos carotenoides (pigmento que dá cor aos alimentos e que depois de ingerido se converte em vitamina A) e dos tocoferóis (antioxidantes). Os géis também apresentaram estrutura fraca, ficando com um aspecto mais líquido. Já a oleogelação indireta, com baixas temperaturas, resultou em oleogéis mais rígidos e com menos perda das propriedades bioativas do óleo.

Oleogéis de óleo de tucumã produzidos por métodos indireto (esquerda) e direto (direita) – Foto: Priscila Santos

No futuro, ressalva a pesquisadora, novos testes precisam verificar se há uma aceitação sensorial dos alimentos que tiveram aplicação das micropartículas e dos oleogéis como aditivos.

Os experimentos foram realizados por pesquisadores do Laboratório de Encapsulação e Alimentos Funcionais da FZEA e parte dos estudos foi realizada em colaboração com pesquisadores de outras instituições do Brasil e do exterior: a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, a Escola Politécnica (Poli) da USP e a Universidade de Copenhague, na Dinamarca. O trabalho de doutorado foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Mais informações: Carmen Silvia Favaro Trindade, pelo e-mail carmenft@usp.br; e Priscila Freitas, e-mail prisciladayane.freitas@gmail.com

**Sob supervisão de Moisés Dorado