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Saiba como o Brasil está explorando o lítio, usado nas baterias de celulares, laptops e veículos elétricos

Saiba como o Brasil está explorando o lítio, usado nas baterias de celulares, laptops e veículos elétricos

O país tem 8% das reservas mundiais desse metal fundamental para a indústria em todo o planeta. O subsolo do Vale do Jequitinhonha, em MG, guarda 85% das reservas brasileiras.

Jornal Nacional mostrou na última quinta-feira (21), a importância estratégica de um metal fundamental para a indústria em todo o planeta. A matéria-prima das baterias dos celulares, dos laptops, dos veículos elétricos. Tudo isso precisa de lítio para funcionar, e o Brasil tem 8% das reservas mundiais.

O futuro movido a carros elétricos parece estar a quilômetros de distância do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Mas o lugar é hoje estratégico para a transição energética. Mais um paradoxo nessa terra de contradições, onde baixos indicadores sociais convivem com tesouros escondidos. A comerciante Cleusa Neves Lima, de 66 anos, guarda recordações do garimpo do ouro. Eram do pai dela.

“As bateias. Tem as grandes, duas grandes, uma média e uma pequena. As grandes, era a que tirava o cascalho e a pequenininha era para apurar o ouro. Aí ele tirou e mandou fazer um cordão”, conta.

As pedras nas paredes de algumas casas são lembrança de um tempo de prosperidade. A mineração sempre foi protagonista na história dessa região. Desde o século XVIII, se sabia que havia ouro, depois diamante e uma grande variedade de pedras de maior e ou de menor valor. Hoje em dia, já não é mais assim. Mas ainda existe um interesse muito grande pelo que está debaixo do chão.

Lítio: o mais leve dos metais, matéria-prima das baterias que são o coração dos carros elétricos. E, por lá, lítio tem aos montes. O subsolo do Vale do Jequitinhonha guarda 85% das reservas brasileiras.

A equipe do Jornal Nacional foi até as profundezas da mina que está há mais tempo em operação na região – 32 anos. Um labirinto de vias e túneis subterrâneos para carros e máquinas, com ventilação e controle de temperatura e de atividade sísmica. Percorremos cerca de 2 km e descemos a mais de 200 m da superfície, onde outras galerias estão sendo abertas.

O interior da mina é como se fosse um prédio de ponta cabeça. Cada nível seria, então, um andar. O veio do minério está na parte mais clara, que é justamente o que interessa para mineração. Percebe-se que vem lá de cima e desce em direção ao subsolo. Isso quer dizer que no próximo nível, que seria o andar de baixo, também vai ter um ponto de exploração.

Um paredão gigante de rocha branca: é nessa rocha que ficam os cristais de um mineral chamado espodumênio – de onde é extraído o lítio. Alguns são bem grandes, bem fáceis de se ver.

“A nossa rocha, o pegmatito, é composto por diversos minerais. Então, a gente consegue ver um pouco de muscovita, feldspato, alguns pontos de quartzo. Essa massa esverdeada seria os minerais do espodumênio, que seria onde estaria o lítio”, diz Carlos Ribeiro, coordenador de geologia da CBL.

Do lado de fora da mina, essa rocha, que tem vários minerais, é triturada. O espodumênio é separado, carregando o lítio, que não existe sozinho na natureza. É esse concentrado que os fabricantes compram para usar baterias. A mineradora tem capacidade para produzir 45 mil toneladas desse material por ano, e tem planos de até triplicar esse número em quatro anos.

“A maior demanda é no setor de baterias, que responde hoje por mais de 90% do mercado mundial de lítio, da demanda mundial de lítio. Agora, o mercado interno sempre foi o foco. Como, por exemplo, a indústria farmacêutica, temos a indústria cerâmica, a indústria de graxas, lubrificantes. Então, o lítio tem muitas aplicações relevantes e a gente sempre atendeu elas todas no Brasil”, afirma Vinícius Alvarenga, presidente da Companhia Brasileira de Lítio.

A corrida pelo lítio trouxe vizinhos para a mineradora brasileira. Em 2023, uma multinacional canadense também começou a explorar o lítio no Vale do Jequitinhonha. A capacidade inicial de produção é de 270 mil toneladas de concentrado de espodumênio por ano para exportação. A companhia opera uma mina a céu aberto.

“Na nossa visão, se existia um metal em uma cadeia de fornecimento em que em algum momento nós seremos recompensados com um prêmio verde, seria justamente em uma das cadeias de fornecimento que levaria para as baterias dos carros elétricos, que são os materiais de bateria. Porque nós sabíamos que no final, lá da ponta, você tem um consumidor que está preocupado com a sustentabilidade daquele carro verde dele”, diz Ana Cabral, presidente da Sigma Lithium.

A mais de 1 mil km de distância, em São Paulo, uma fabricante de ônibus elétricos tem capacidade para produzir 1,8 mil veículos por ano. As baterias são enormes. Não são feitas só de lítio, mas, mesmo assim, cada uma leva 150 kg do metal, de acordo com a empresa. E um ônibus como esse, precisa de seis baterias. Nesse caso, quanto mais lítio, melhor.

“Nós temos vantagem, nós temos minério, temos lítio aqui no Brasil. Então, é muito importante que se entre nessa questão tecnológica de se desenvolver e de se produzir o lítio, extrair o lítio e ter toda a cadeia da tecnologia dentro do país. Isso é fundamental não só para os ônibus que são fornecidos dentro do país, mas para todo o mercado de exportação”, afirma Ieda de Oliveira, diretora-executiva da Eletra.

Maiores reservas mundiais de lítio estão no Chile e na Austrália

A segunda reportagem especial sobre o ouro branco, também explica por que o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, já é chamado no mercado internacional de ‘Vale do Lítio’.

Neste século XXI, uma das riquezas mais importantes do planeta é o lítioO metal que serve de matéria-prima para baterias de celulares, de computadores portáteis, de veículos elétricos. Nesta sexta-feira (22), na segunda reportagem da série especial sobre esse novo ouro branco, o Jornal Nacional mostra onde estão as maiores reservas mundiais e explica por que o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, já é chamado no mercado internacional de “Vale do Lítio”.

É uma estrada sem volta. Enquanto fabricantes de veículos investem pesado para trocar a tecnologia dos motores à combustão, a indústria de autopeças rastreia fornecedores de matéria-prima para as baterias dos carros elétricos. Lítio, sobretudo.

Dados do Serviço Geológico dos Estados Unidos mostram que 23 países do mundo têm reservas de lítio. Um estoque de 98 milhões de toneladas. Alguns ainda nem começaram a explorar o metal, outros estão engatinhando. E tem aqueles que já são grandes produtores mesmo sem as maiores reservas.

É o caso da Austrália, o segundo maior produtor mundial. O primeiro fica do outro lado do planeta, o Chile, que, sozinho, fornece quase a metade de todo o lítio consumido no mundo. O Chile, aliás, é uma das pontas do chamado “Triângulo do Lítio”, formado também por Argentina e Bolívia. Os três países concentram, juntos, 60% das reservas mundiais.

Nessa corrida, o Brasil está um pouco atrás. Mas estudos do Serviço Geológico Nacional indicam que há reservas no Rio Grande do Norte, na Paraíba, no sul da Bahia e no norte de Goiás. E já há minas em exploração no Ceará e em Minas Gerais. Por aqui, os estoques são estimados em 470 mil toneladas.

Segundo a Agência Internacional de Energia, em 2022, a demanda por baterias de íon de lítio no setor automotivo cresceu 65% na comparação com 2021. O maior fabricante mundial dessas baterias é a China. E na competição por esse grande consumidor, o Brasil tem uma vantagem.

O professor titular do Departamento de Química da USP explica que nossas reservas são em rochas, no espodumênio – como é na Austrália, gigante das exportações. O minério concentra mais lítio do que os depósitos do triângulo Chile-Argentina-Bolívia, que estão nos desertos de sal.

“A gente pega na mão aquele monte de sal e lá tem lítio. Mas não pensa que é fácil tirar o lítio de lá, é 0,3% no máximo, é um pouquinho de lítio. E no espudomênio, o teor é dez vezes mais, ou mais ainda que isso. O caso da Austrália igualzinho do Brasil. Ela só tem o espodumênio como fonte e não tem tanta jazida. Nós temos mais do que eles. Mas eles têm tecnologia, investiram pesado nisso. Coisa que o Brasil está começando a fazer agora”, explica o professor Henrique Eisi Toma.

A aposta é alta. Tanto que em maio, investidores do mundo todo foram apresentados ao Vale do Jequitinhonha em um evento na Bolsa de Valores Nasdaq, em Nova York, nos Estados Unidos. Conheceram como “Vale do Lítio”, um projeto dos governos federal e de Minas Gerais para atrair capital para os municípios com as maiores reservas.

A multinacional canadense que vislumbrou o potencial do vale em 2016 exportou em 2023 para a China o primeiro carregamento do material rico em lítio. O pátio da veterana mineradora brasileira também tem montanhas de espodumênio pronto para seguir viagem.

Vale do Jequitinhonha é conhecido como ‘Vale do Lítio’ — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

Mas um caminhão, em outra unidade da companhia, está carregado com o produto final que vai nas baterias fabricadas pelos chineses: sal de lítio. Esse pó que alguns chamam de “ouro branco”. É um passo adiante no complexo processo industrial e, por isso, custa mais caro que a pedra minerada.

O economista e professor da Fundação Getúlio Vargas Paulo Gala diz que esse deveria ser o caminho: adicionar valor à riqueza que a natureza entrega quase pronta ao Brasil.

“A gente tem que ser rápido. A gente não pode deixar as empresas se consolidarem no mundo fora do Brasil. Então, dá tempo. Mas o governo precisaria ser ágil para desenhar um plano para utilizar essas vantagens brasileiras para transformar isso em empresas e fábricas que produzam aqui no Brasil”, afirma Paulo Gala.

Isso quer dizer desenvolvimento. O prefeito de Araçuaí calcula que o orçamento da cidade vai crescer cerca de 80% só com a arrecadação de impostos pagos pelas mineradoras. Mas quer mais.

“Nós temos que começar a discutir essa questão da cadeia produtiva. Por que não se investir, por que não se trazer, principalmente, para o Vale do Jequitinhonha, para o Nordeste do Brasil, para as áreas de um menos IDH, para uma área mais sofrida socialmente? Por que não trazer implantações que possam cooperar com esse desenvolvimento, com a industrialização, uma fábrica de baterias?”, questiona Tadeu Barbosa de Oliveira, prefeito de Araçuaí.

A cidade já sente os impactos dessa corrida pelo lítio do Jequitinhonha, e sabe que é só o começo.

“Os preços foram lá em cima. O aluguel de R$ 1 mil foi para R$ 5 mil. Impactou bastante e vai impactar mais ainda. Espero que essas empresas se unam junto com poder público para que não tenha importação de mão de obra. O objetivo seria a formação de jovens a ser implantado no mercado de trabalho e não importar que está lá, qualificado bem amparado lá fora”, diz Marcos Antônio Costa Miranda, presidente da Associação Comercial de Araçuaí.

“Nós temos que deixar um legado para a sociedade, e fazer dessa riqueza, um desenvolvimento, mudar o cenário da região. É isso que a gente espera dessas mineradoras que estão vindo para o Brasil. Esse é o sonho de todo cientista, de todo pesquisador no Brasil, que o conhecimento não gere simplesmente riqueza, mas gere sustentabilidade e um bem estar social, algo que fica para as gerações”, diz Henrique Eisi Toma.