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Retomada de demarcações é foco da maior mobilização indígena do Brasil

Retomada de demarcações é foco da maior mobilização indígena do Brasil

Começou nesta segunda-feira (24), em Brasília, o Acampamento Terra Livre (ATL) 2023, a maior mobilização de povos indígenas do país. A 19ª edição do evento terá intensa atividade na capital federal até o dia 28 de abril. Com o tema “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação, não há democracia!”, o ATL colocará em pauta os direitos dos povos originários e a demarcação de Terras Indígenas (TIs)- temas centrais para a agenda socioambiental do Brasil, para o combate à crise climática e para a sobrevivência do planeta.

Coordenado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o ATL 2023 tem o objetivo central de reforçar a importância da demarcação de TIs no país, que ficaram paralisadas nos últimos anos, enquanto os povos originários viviam uma intensa escalada de ataques a seus direitos. Essas ameaças incluíram, por exemplo, uma agenda de retrocessos no Legislativo e a intensificação do garimpo ilegal em territórios indígenas, levando contaminação por mercúrio, graves problemas de saúde e provocando conflitos violentos.

Os povos originários e tradicionais são reconhecidamente os principais guardiões dos biomas e as TIs demarcadas são um importante fator de controle do desmatamento na Amazônia. O que permite que eles exerçam esse papel de conservação da natureza são seus modos de vida e o conhecimento ancestral sobre os ecossistemas locais e sobre a preservação das florestas.

De acordo com dados do MapBiomas, apenas 1,6% do desmatamento no Brasil entre 1985 e 2020 ocorreu em Terras Indígenas. No período de maior redução do desmatamento na Amazônia – entre 2004 e 2012, quando foi registrada queda de 83% -, houve demarcação de mais de 100 TIs no país, além de outras medidas.

Como no Brasil o desmatamento é a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa, a demarcação de TIs ainda não oficialmente reconhecidas pelo Estado e a proteção dos territórios já demarcados é fundamental no combate à crise climática. Durante toda esta semana em Brasília, os povos indígenas vão reforçar seu protagonismo nessa luta.

“É muito emblemático para nós que o tema do ATL 2023 dê esse destaque à questão da importância das demarcações para o futuro dos povos indígenas e da democracia”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib. “A ideia é chamar a atenção de toda a sociedade brasileira e da comunidade internacional para a importância da retomada da demarcação dos territórios indígenas e também da sua proteção. Pois não adianta apenas demarcar novas Terras Indígenas, é preciso garantir a proteção desses territórios para assegurar a sobrevivência física, cultural e espiritual dos povos nos seus territórios.”

Ele também destaca que a contribuição dos territórios indígenas para a redução do desmatamento e o enfrentamento da crise climática já foi comprovada pela ciência. “A proteção dos territórios é um tema muito ligado ao nosso momento histórico. Os povos indígenas vêm alertando há muito tempo sobre todo o processo de crise climática que o mundo tem vivido. Por isso, destacamos que ‘o futuro indígena é hoje’: não podemos mais perder tempo. A defesa dos territórios indígenas é um fator de máxima importância no enfrentamento da crise climática”, diz Kleber.

“Território demarcado é sinônimo de floresta viva, de floresta em pé, de sobrevivência da humanidade, porque sabemos que a crise climática está aí e está piorando cada vez mais”, afirma Marciely Ayap Tupari, coordenadora-secretária da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

“Sempre tivemos consciência da importância da flora e da fauna para a nossa existência, mas também para todo o planeta. Nos últimos anos, sofremos um retrocesso muito grande nos nossos direitos, com invasão dos nossos territórios e sem demarcações de novas Terras Indígenas. Hoje vivemos em um cenário diferente, com a esperança de que as coisas vão melhorar”, declara Marciely.

Ela afirma que a demarcação dos territórios é mais que uma obrigação do Estado brasileiro com os povos indígenas: é uma questão de sobrevivência do planeta. “Os territórios mais protegidos são os territórios indígenas – até mesmo os que não são demarcados são menos destruídos, pois nós fazemos a autodemarcação e isso já protege mais que um território aberto para invasão, desmatamento e grilagem. Mas demarcar é a garantia de que vamos ter a floresta viva. Estamos levando essa mensagem, de que precisamos ter o território demarcado e protegido para que possamos combater a crise climática”, diz Marciely.

A demarcação de TIs é um direito ancestral previsto na Constituição Federal. Por isso, além de ser essencial para a conservação de todos os biomas do país, a demarcação dos territórios é também central na luta pelos direitos dos povos originários e na manutenção da democracia brasileira. Segundo a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), existem no Brasil cerca de 680 territórios indígenas regularizados e mais de 200 aguardam análise para serem demarcados.

Durante o ATL 2023, os povos indígenas irão concentrar os esforços na luta pela demarcação de 13 TIs consideradas prioritárias. Em dezembro de 2022, o governo de transição formou o Grupo de Trabalho Povos Originários, com participação da Apib, que identificou essas 13 TIs que não possuem pendências em seus processos e por isso estão prontas para serem homologadas.

Com a demarcação dessas 13 TIs, o Brasil teria mais de 1,5 milhão de hectares de novas áreas protegidas. São elas as Terras Indígenas Uneixi, do povo Makoto Tukano,  e Acapuri de Cima, do povo Kokama (ambas no Amazonas); Arara do Rio Amônia, do povo Arara, e Rio Gregório, do povo Katukina (ambas no Acre); Morro dos Cavalos, do povo Guarani, e Toldo Imbu, do povo Kaingang (ambas em Santa Catarina); Kariri-Xokó, do povo Kariri-Xokó, e Xukuru-Kariri, do povo Xukuru-Kariri (ambas em Alagoas); Cacique Fontoura, do povo Karajá (Mato Grosso); Tremembé de Barra do Mundaú, do povo Tremembé (Ceará); Aldeia Velha, do povo Pataxó (Bahia); Potiguara de Monte-Mor, do povo Potiguara (Paraíba); e Rio dos Rios, do povo Kaingang (Rio Grande do Sul).

Foto – Marcelo Camargo