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Reserva marinha na América Latina traz esperança, mas desafios de conservação permanecem

Reserva marinha na América Latina traz esperança, mas desafios de conservação permanecem

Em janeiro, foi criada uma nova reserva marinha no Equador que permitirá a garantia de um corredor biológico para espécies ameaçadas, incluindo tartarugas marinhas, arraias, baleias e tubarões.

A reserva de 60 mil km² é parte do Corredor Marinho do Pacífico Tropical Oriental (CMAR), que se estende desde o Equador até a Costa Rica, e protegerá a vida marinha das ameaças da pesca industrial e das mudanças climáticas.

A diretora regional do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Jacqueline Álvarez, explica que agora o mundo embarca na visão da efetiva proteção de 30% das áreas marinhas e terrestres do planeta. “A América Latina e o Caribe podem melhorar e expandir a conservação do seu capital natural e, juntos, promover soluções para a tripla crise planetária de mudanças climáticas, perda da natureza e biodiversidade e poluição e resíduos”.

A América Latina e o Caribe representam 24% das ecorregiões terrestres e 19% das marinhas do mundo, mas apenas metade dos biomas presentes no território atinge ou excede 17% de proteção.
Legenda: A América Latina e o Caribe representam 24% das ecorregiões terrestres e 19% das marinhas do mundo, mas apenas metade dos biomas presentes no território atinge ou excede 17% de proteção.Foto: © Parque Nacional Galápagos

Em janeiro, foi criada uma nova reserva marinha no Equador que permitirá a garantia de um corredor biológico para espécies ameaçadas, incluindo tartarugas marinhas, arraias, baleias e tubarões.

A reserva de 60 mil km² é parte do Corredor Marinho do Pacífico Tropical Oriental (CMAR), que se estende desde o Equador até a Costa Rica, e protegerá a vida marinha das ameaças da pesca industrial e das mudanças climáticas. A reserva Hermandad é particularmente importante por ser parte da rota transitória de reprodução de espécies marinhas ameaçadas.

Melhorar a conectividade de áreas protegidas é um dos desafios mundiais da conservação e, apesar do pioneirismo da América Latina e do Caribe, mais ações podem ser feitas, afirmam especialistas. A região conta com mais de dez milhões de km2 de áreas de conservação marinhas e terrestres, ou 24,6% da cobertura terrestre e 23,2% do espaço marinho, que já estão submetidas a alguma forma de conservação.

“Agora que o mundo embarca na visão da efetiva proteção de 30% das áreas marinhas e terrestres do planeta, a América Latina e o Caribe podem melhorar e expandir a conservação do seu capital natural e, juntos, promover soluções para a tripla crise planetária de mudanças climáticas, perda da natureza e biodiversidade e poluição e resíduos”, disse a diretora regional do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Jacqueline Álvarez.

Entre os dias 27 e 28 de janeiro, ocorreu o Fórum de Ministras e Ministros do Meio Ambiente da região para analisar estes desafios, acelerar ações e comemorar os 40 anos de cooperação.

Representatividade dos ecossistemas – Apesar dos esforços globais para alcançar as metas internacionais de cobertura de áreas protegidas, pesquisas revelam que essa proteção ainda não é representativa.

A América Latina e o Caribe representam 24% das ecorregiões terrestres e 19% das marinhas do mundo, mas apenas metade dos biomas presentes no território atinge ou excede 17% de proteção.

Alguns ecossistemas, como as florestas e matagais mediterrâneos, as pradarias temperadas ou as savanas, são particularmente pouco representados, de acordo com o Relatório Planeta Protegido 2020: América Latina e Caribe, elaborado pelo Centro Mundial de Monitoramento da Conservação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP-WCMC), a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), a RedParques e o Fundo Mundial para a Natureza (WWF).

Conforme os países se esforçam para alcançar as metas do Quadro Global da Biodiversidade Pós-2020 — expandir ainda mais as áreas protegidas para cobrir 30% das coberturas terrestres e marinhas — o relatório mostra ser crucial priorizar espécies e ecossistemas em risco em uma grande diversidade de paisagens.

Garantia de conectividade – As onças-pintadas são exemplos de como áreas protegidas e conectadas são importantes. Após dois anos com a mãe, a onça-pintada jovem pode percorrer cerca de 70 quilômetros para encontrar seu próprio território, caçar e reproduzir. Foram detectadas até 26 áreas transfronteiriças onde essas travessias podem ocorrer.

Manter os ecossistemas conectados e protegidos é essencial para que as onças e outras espécies sobrevivam. No entanto, aproximadamente 33% das áreas protegidas na região não estão conectadas, segundo o Relatório Planeta Protegido 2020 do PNUMA. Isso significa que um terço da área funciona como ilhas de conservação, uma situação que impede os fluxos ecológicos e as trocas que garantem a saúde das espécies. Essa situação pode levar à perda de populações locais de espécies e um possível colapso do ecossistema, alertam os autores do relatório.

Para solucionar esse desafio no Caribe, o Escritório Regional do PNUMA para a América Latina e o Caribe atua como o secretariado do Corredor Biológico en El Caribe (CBC), uma iniciativa entre Cuba, Haiti, República Dominicana e, recentemente, Porto Rico. Por meio desse esforço, iniciado em 2007, os países-membros protegem mais de 200 mil km² de ecossistemas marinhos e costeiros, dos quais 91% são importantes para garantir a conectividade.

“Os ecossistemas marinhos e costeiros do CBC são fundamentais para as rotas migratórias e a reprodução de espécies marinhas ameaçadas, como tartarugas marinhas, tubarões-baleia, cachalotes e tubarões oceânicos”, explicou o especialista técnico do CBC, José Gerhartz.

Avaliação da eficácia da gestão – O relatório do PNUMA aponta que menos da metade dos mais de 50 países e territórios avaliados medem e documentam sistematicamente a eficácia de suas áreas protegidas.

A melhoria da transparência e da responsabilidade continua sendo um dos maiores desafios para a região. O relatório também conclui que a análise precisa ser feita sistemática e periodicamente e que outros atores não-governamentais, como a academia, devem ser incluídos para melhorar a transparência.

Um exemplo de progresso é a iniciativa transnacional Visão Amazônica. Lançada em 2015, sua missão é fortalecer e integrar sistemas de áreas protegidas nos nove países e territórios da Amazônia e melhorar a conservação na maior floresta tropical do mundo.

O projeto desenvolveu um protocolo e um guia metodológico para a análise da eficácia da gestão de áreas protegidas, uma ferramenta que orienta as autoridades a produzir dados padronizados para a tomada de decisões com base na ciência.

Visão Amazônica é um projeto financiado pela União Europeia, integrada pelo PNUMA, IUCN, WWF e RedParques, sob a coordenação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Governança e equidade na gestão – O relatório regional Planeta Protegido indica que compartilhar o poder sobre as áreas protegidas nos torna “mais eficazes, eficientes e justos”.

De acordo com o banco de dados do UNEP-WCMC Planeta Protegido, 60% das áreas protegidas da região estão sob gestão governamental, 14,4% são de propriedade privada, 7% são administradas por povos indígenas e apenas 1% são administradas conjuntamente. O resultado disso é que os modelos de governança que não são governamentais têm pouca representação.

Identificação e reconhecimento de outras medidas de conservação -Cerca de 35% das florestas da América Latina estão em áreas ocupadas por povos indígenas. E os territórios indígenas e de populações tradicionais têm uma taxa média de desmatamento mais baixa do que o restante das florestas em praticamente todos os países da América Latina, de acordo com a FAO.

O reconhecimento oficial das medidas de conservação não estatais, incluindo a proteção dos povos indígenas, comunidades e governos locais, é crucial para aumentar o escopo da proteção da natureza.

Um exemplo positivo é o caso do Quilombo Kalunga, cujo território se encontra parcialmente dentro da Área de Proteção Ambiental de Pouso Alto e estava sob a ameaça de desmatamento ilegal. A comunidade Kalunga juntamente com organizações internacionais fez a georreferência do território e identificou habitações, colheitas, nascentes e recursos naturais vitais.

Em fevereiro de 2020, o UNEP-WCMC reconheceu o Patrimônio Histórico e Cultural Kalunga como o primeiro TICCA (Territórios e Áreas Conservadas por Comunidades Indígenas e Comunidades Tradicionais e Locais) do Brasil, uma categoria concedida quando a comunidade é a principal tomadora de decisões em seu território.

“Ao enfrentarmos a urgência de se combater a crise da extinção global, a crise climática e a desintegração de comunidades humanas, temos que reconhecer que a liderança de um estado soberano é insuficiente tanto financeiramente quanto estrategicamente caso desejemos ser bem sucedidos. O papel da filantropia privada e institucional é essencial”, afirmou a presidente da Tomkins Conservation e patrona do PNUMA para áreas protegidas, Kristine Tompkins.

A Tompkins Conservation tem sido fundamental na criação de 13 parques nacionais no Chile e na Argentina, conservando cerca de cinco milhões de hectares. A organização vê a criação de parques como um ponto de partida e trabalha para a restauração de seus ecossistemas. Isso inclui retornar espécies perdidas como as onças aos pântanos de Iberá na Argentina, e o huemul, um cervo sul-andino extremamente ameaçado, ao Chile. Essa reintegração de espécies está ajudando na sobrevivência de comunidades locais por meio de economias com base na natureza.

O Fórum de Ministras e Ministros do Meio Ambiente da América Latina e do Caribe é a cooperação com maior relevância e a mais antiga entre autoridades ambientais da região. O Fórum atualmente promove soluções relevantes para os desafios regionais: fechamento progressivo de lixões, mecanismos para o financiamento de ações climáticas e da proteção florestal, avanço da economia circular, controle da qualidade do ar, entre outros. O Fórum de Ministras e Ministros do Meio Ambiente da América Latina e do Caribe celebra seu aniversário de 40 anos com uma sessão especial realizada na Costa Rica nos dias 27 e 28 de janeiro de 2022.