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Recado para o Brasil pós COP30: não há transição energética sem transmissão

Recado para o Brasil pós COP30: não há transição energética sem transmissão

Após o final da COP30, ficou ainda mais evidente que o Brasil carrega tanto a distinção quanto a responsabilidade de liderar a transição energética global, com uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo. No entanto, o futuro do nosso crescimento econômico, da nossa segurança energética e da nossa posição como potência verde no cenário mundial depende de uma premissa fundamental: não há transição energética sem transmissão.

O evento global realizado em Belém, no Pará, foi um marco fundamental. Sua mensagem ao mundo foi de pragmatismo e ação: não basta apenas celebrar metas de descarbonização; é preciso construir a infraestrutura que as torne realidade. O desafio é mundial por natureza, mas é particularmente urgente para o Brasil, e a questão primordial está no gargalo da transmissão. Temos o sol, o vento e a água, tudo em abundância, mas a capacidade de gerir e transportar essa energia renovável de forma eficiente e confiável, desde locais remotos de geração até os principais centros de consumo, é o principal obstáculo.

O dilema é claro: o Brasil possui uma enorme capacidade de geração limpa, mas a infraestrutura de transmissão pode e deve ser modernizada para acompanhar o ritmo. Esse descompasso ameaça a conexão de novos projetos renováveis, a segurança energética nacional e o potencial de crescimento do PIB.

A Agência Internacional de Energia (IEA) estima que, globalmente, os investimentos em redes elétricas devem aumentar para US$ 600 bilhões até 2030, em comparação com US$ 400 bilhões neste ano, se o mundo quiser cumprir suas metas climáticas após mais de uma década de estagnação. Para o Brasil, essa estimativa é mais do que um número: trata-se de alerta e uma enorme oportunidade.

As tecnologias necessárias para impulsionar essa transformação, como a transmissão em corrente contínua de alta tensão (HVDC) e as soluções avançadas de digitalização para otimizar o fluxo e a estabilidade da rede, já estão disponíveis aqui e agora. O Brasil, com décadas de experiência sólida e liderança em sistemas de transmissão e domínio de tecnologias de ponta, é a prova viva de que essas soluções funcionam e estão prontas para serem aplicadas em larga escala. Nossos projetos de interconexão regional e a robustez do Sistema Interligado Nacional (SIN) são provas da excelência em engenharia e planejamento.

A eletrificação dos transportes, da indústria, da inteligência artificial e da infraestrutura digital significa que se espera que a eletricidade cresça de 20% para mais de 50% da matriz energética global. Com isso, vêm grandes benefícios econômicos e a necessidade crítica de uma rede elétrica flexível, moderna, confiável e segura. A energia limpa respondeu por 10% do crescimento do PIB global, demonstrando seu valor econômico. Por outro lado, estima-se que os apagões custem às economias em desenvolvimento até 2% do PIB anualmente, segundo o Banco Mundial. Uma rede confiável e segura é, portanto, fundamental para o crescimento e a prosperidade econômica global.

Uma transição energética justa e inclusiva exige planejamento de longo prazo e investimentos urgentes na rede elétrica. É fundamental eliminar os gargalos da transmissão para permitir a conexão de centenas de gigawatts de nova capacidade renovável que aguardam integração. Resolver esse problema terá um impacto fundamental na segurança energética de empresas e consumidores, ajudando a lidar com as incertezas trazidas pela volatilidade geopolítica, tecnológica e social.

No centro do debate sobre infraestrutura está seu impacto social. A eletrificação é sinônimo de desenvolvimento, é a base da qualidade de vida e do crescimento econômico. A eletricidade move nossas indústrias, sustenta a inovação, a manufatura e os serviços.

Além disso, redes modernas e robustas desempenham um papel imprescindível no desenvolvimento sustentável. Elas promovem equidade e oportunidade social, levando energia a comunidades carentes, apoiando a inclusão digital e reduzindo a poluição. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) prevê que o acesso universal à eletricidade, aliado a iniciativas de desenvolvimento sustentável, pode gerar ganhos de até US$ 16 trilhões no PIB global até 2030, tirando 270 milhões de pessoas da pobreza extrema e evitando milhões de mortes.

Acelerar a implementação de tecnologias de rede é vital para reduzir emissões de carbono e reforçar a adaptação climática em regiões vulneráveis, tornando as redes mais resilientes a choques climáticos e desastres naturais.

O Brasil tem tanto a responsabilidade quanto a capacidade de integrar uma visão de infraestrutura com dimensões sociais, de acesso e de equidade.  Nosso Plano Essencial de Infraestrutura deve servir de modelo para mostrar ao mundo que é possível construir redes fortes para um Brasil forte, garantindo que a energia limpa chegue a todos, impulsionando o crescimento do PIB e assegurando um futuro sustentável.

A transição energética já está em curso, mas seu sucesso depende de dar ao sistema de transmissão a atenção e o investimento que ele merece. O momento de agir é agora.

*Glauco Freitas é Presidente da Hitachi Energy no Brasil.

oto de glauco freitas, autor do artigo Recado para o Brasil pós COP30: não há transição energética sem transmissão
Glauco Freitas – Foto: Divulgação