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Quando a demência muda a personalidade de uma pessoa querida, o que fazer? 5 estratégias que podem ajudar

Quando a demência muda a personalidade de uma pessoa querida, o que fazer? 5 estratégias que podem ajudar

Alterações de humor e descolamento do real são desafios comuns em quadros como Alzheimer

Susan Hirsch estava visitando seu pai no hospital, onde ele se recuperava de uma queda, e ficou chocada ao encontrar aquele homem — sempre dedicado à sua mãe — flertando com uma enfermeira como se tivesse “17 anos e estivesse na Marinha novamente”, conta.

Hirsch, uma cuidadora de pacientes com demência de 67 anos que mora na Pensilvânia, nos Estados Unidos, repreendeu o pai. Mas a advertência apenas enfureceu o homem de 93 anos. Ela se lembra de que ele usou “palavras não muito gentis” para mandar ela sair de seu quarto.

Mais de 11 milhões de adultos nos EUA cuidam atualmente de pessoas diagnosticadas com Alzheimer e outras formas de demência. Além da perda de memória, a maioria dos indivíduos com demência experimentará mudanças de humor e comportamento, incluindo agressividade, apatia, desorientação, depressão, impulsividade e delírios.

Muitos cuidadores descrevem as mudanças de humor e personalidade como os sintomas mais perturbadores. Embora medicamentos antipsicóticos e sedativos sejam frequentemente usados para gerenciar problemas de humor relacionados à demência, sua eficácia é limitada.

Para lidar com — e se sentir menos sobrecarregado por — essas mudanças de humor, é útil para os cuidadores terem em mente que essas alterações são causadas por mudanças no cérebro, ressalta Nathaniel Chin, um geriatra e professor associado no departamento de Medicina da Universidade de Wisconsin-Madison.

– Não são culpa de ninguém – destaca ele, acrescentando que reconhecer isso pode ajudar a “se sentir menos angustiado em relação ao seu familiar”.

Naquele dia no hospital, por exemplo, a enfermeira acompanhou Hirsch até o corredor e explicou gentilmente que seu pai, que havia apresentado sintomas mais leves de demência antes, não estava agindo de forma inadequada intencionalmente.

– Ela não me repreendeu, e aquilo foi muito útil – lembra Hirsch.

A conversa a ajudou a lidar com as mudanças de humor do pai até sua morte, três meses depois.

Entenda por que as mudanças de humor acontecem

Mudanças de personalidade e humor são frequentemente causadas pela deterioração de partes do cérebro que controlam atenção, aprendizado, sentimentos e outras faculdades. Por exemplo, uma pessoa que perdeu células no lobo frontal, que controla o foco e o comportamento, pode se tornar mais passiva à medida que a capacidade de planejar diminui, segundo o Centro de Memória e Envelhecimento da Universidade da Califórnia, em São Francisco. Ela também pode ficar agitada à medida que o controle dos impulsos diminui.

Além disso, as pessoas com demência têm menos energia cerebral para processar e se ajustar a sensações (como dor ou fadiga) e estímulos ambientais, pontua Chin. Muitos especialistas também concordam que as pessoas com demência têm limiares de estresse mais baixos do que tinham antes e podem se sentir sobrecarregadas mais rapidamente. Esse é o momento em que alguém com demência pode de repente se agitar ou se tornar combativo ou começar a “gritar e berrar”, diz o especialista.

À medida que a doença avança, as pessoas perdem habilidades linguísticas e se comunicam mais por meio do comportamento, explica Fayron Epps, professora de enfermagem na Universidade do Texas Health Science Center em San Antonio. Por exemplo, uma pessoa pode precisar ir ao banheiro, mas não consegue transmitir isso verbalmente, então pode bater em algo para expressar frustração, descreve Epps.

– Como cuidador, você realmente precisa investigar de onde está vindo esse estado de espírito – afirma.

Tenha um método para encarar desafios

Helen Kales, psiquiatra geriátrica e chefe do departamento de Psiquiatria e Ciências Comportamentais da Universidade da Califórnia, em Davis, conduziu pesquisas com colegas e descobriu que cuidadores que têm um sistema para abordar sintomas comportamentais experimentam menos estresse do que outros acompanhantes.

Eles desenvolveram um programa de educação para cuidadores, conhecido como DICE, um acrônimo para “descrever”, “investigar”, “criar” e “estimar”. A abordagem ensina os cuidadores a descrever mudanças de humor em detalhes (anotando quando, onde e até com quem ocorrem), investigar por que elas podem estar acontecendo, criar respostas informadas e estimar seu sucesso.

Kales descreve um caso em que cuidadores treinados no DICE ajudaram e acalmaram uma residente de uma casa de repouso que vagava todo dia, sempre na mesma hora. Após investigar possíveis causas e descobrir que ela costumava ser uma jardineira aplicada, os cuidadores começaram a levar a mulher ao pátio do retiro uma vez por dia e ajudá-la a “colocar as mãos na terra”. Essa dose diária de “jardinagem” interrompeu seu comportamento errante, conta a especialista.

O DICE também pode auxiliar os cuidadores com a sobrecarga pessoal. Ao aprender a notar quem está na sala ou o que está passando na TV quando os sintomas ocorrem, eles podem se tornar hábeis em detectar padrões, enxergar questões com seus parceiros de cuidados e criar planos para reduzir ou eliminar sintomas. Isso pode incluir ligar um vídeo de culinária tranquilo no YouTube em vez do noticiário, por exemplo.

E se a pessoa que você está assistindo ficar violenta, é importante ter um plano de ação, aconselham os especialistas. Hirsch recomenda levar seu telefone com você se precisar sair de casa, para que você possa chamar ajuda para manter a sua segurança e de seu parente.

Enfatize tom em vez da verdade

As pessoas com demência podem não entender exatamente o que você está comunicando, mas elas compreenderão seu tom e linguagem corporal, aponta William Haley, professor de estudos de envelhecimento na Universidade do Sul da Flórida. Ele recomenda que o cuidador se esforce para falar calmamente, com o rosto e a postura relaxados.

Haley defende não se prender demais aos fatos. Dizer a uma pessoa com demência de maneira irritada e corretiva que é quarta-feira, e não quinta-feira, pode perturbá-la ainda mais. E lembrar alguém de uma grande dor que ele esqueceu — que um cônjuge já morreu, por exemplo — pode ser devastador, afirma.

Em vez disso, caso seu familiar pergunte sobre alguém que não está mais vivo, basta dizer que você acha que essa pessoa está bem e mudar de assunto, sugere.

– Não é uma mentira duradoura – sustenta. – E, para mim, é mais digno do que confrontá-los com uma verdade horrível que só causará dor e sofrimento.

Essa filosofia também é empregada por Martin Schreiber, autor de “My two Elaines” (“Minhas duas Elaines”), um livro sobre a experiência de cuidar da sua esposa que viveu com Alzheimer por mais de 15 anos. Alguns cuidadores resistem a mentir, mas amenizar a verdade pode ser uma forma gentil de “se juntar a eles em seu mundo” e aliviar seu próprio estresse, defende Schreiber.

Em vez de discutir com Elaine se ela pedisse um copo de vinho logo depois do café da manhã, ele acabou aprendendo que “não” não é a melhor resposta:

– A resposta é: “Você quer vinho tinto ou branco? Você quer um copo maior ou menor? E devemos tomar nosso cálice com os vizinhos? Então, enquanto pensamos sobre isso, que tal tomar um café?

Procure a luz

Garantir que as pessoas com demência tenham exposição regular à luz natural e outras formas de luz intensa pode melhorar seu sono e humor, concluiu Kales em algumas de suas pesquisas. E ter um sono noturno consistente pode reduzir o que é conhecido como “sundowning”, os colapsos que podem ocorrer nesse quadro quando chega o fim do dia, ou a qualquer hora se houver estresse e fadiga acumulados.

Fazer uma caminhada pela manhã ou realizar outra atividade ao ar livre podem trazer ganhos, afirma Kales. Mas se sair não for possível, boas alternativas incluem fazer com que seu familiar fique voltado para uma janela ou em frente a uma caixa de terapia de luz (um dispositivo que imita a luz do dia) por cerca de 30 minutos, acrescenta.

Reduza o tédio se possível

Como o tédio pode causar mudanças de humor, Kales e seus colegas criaram uma lista de 96 atividades que as pessoas com demência podem fazer sozinhas ou com seus cuidadores. Haley também ouviu relatos de indivíduos com o quadro que têm em passatempos como dobrar toalhas, varrer a entrada de casa ou, no caso de uma professora aposentada, “corrigir trabalhos” fornecidos por seu cuidador, fontes de satisfação e senso de realização.

Epps observa que assistir a cerimônias religiosas online especificamente projetadas para pessoas com demência pode ser reconfortante para pessoas que valorizavam a fé e não podem mais comparecer à igreja pessoalmente.

Mas há muitas outras maneiras que os cuidadores podem adaptar as experiências. Charlie Kotovic, de 62 anos, percebeu que sua esposa, Kathryn, de 64, diagnosticada com Alzheimer de início precoce há quatro anos, estava ficando ansiosa em viagens longas. Então, ele cancelou os planos de viajar para lugares mais distantes.

Dirigir até a cabana da família a algumas horas de distância da sua casa em Minneapolis se tornou sua nova escapada favorita. É algo ainda familiar para ela e gerenciável para ele, diz Kotovic. E ouvir músicas antigas enquanto estão a caminho ajuda a evitar os ocasionais “momentos de tristeza” de sua esposa.

Enquanto Kathryn crescia, sua mãe costumava tocar músicas antigas da Broadway.

– Esse tipo de música realmente a faz viajar – conta Kotovic. – É o lugar feliz dela.