Puberdade precoce: número de crianças diagnosticadas não para de crescer

Entenda os motivos por trás desse aumento e o que você pode fazer – desde cedo – para evitar que esse problema aconteça com seu filho
Todos os dias, a pequena Luiza tomava banho sozinha, de porta aberta, com a supervisão da mãe ou do pai. Um dia, eles notaram um comportamento diferente. “Foi em 2020, ela estava com 6 anos e pediu para fechar a porta na hora do banho. Eu disse que tudo bem e achei que seria só um dia, mas esse hábito persistiu e fiquei preocupada. Decidi, então, perguntar a ela: — Filha, o que você está escondendo da mamãe? “Ela me mostrou um carocinho bem pequeno em um dos seios. Estava com vergonha e incomodada”, conta a gerente de operações Liliane Fernandes Soares, 45 anos.
Após a mãe relatar ao pediatra, a menina foi encaminhada para um endocrinologista pediátrico. O especialista esclareceu que o caroço tratava-se do broto mamário – estrutura que, com o passar dos anos, cresce e origina as mamas. Esse surgimento é chamado de telarca e marca o início da puberdade em meninas. Outros exames de sangue e de imagem indicaram que as alterações hormonais e a idade óssea estava avançada para a idade de Luiza. O diagnóstico de puberdade precoce foi, então, confirmado. Ou seja, aquela transição da infância para a vida adulta pela qual todos nós passamos, havia começado cedo demais para ela.
O que é puberdade precoce?
A puberdade é o período de transição entre a infância e a vida adulta que vai ser marcado, principalmente, pelo aparecimento dos caracteres sexuais secundários, como os brotos mamários nas meninas e barba nos meninos, pela aceleração do crescimento, o chamado estirão, e pela maturação das gônodas, que são os ovários e os testículos. Esse processo vai resultar na aquisição de capacidade reprodutiva. A idade de início da puberdade considerada normal ocorre entre 8 e 13 anos nas meninas, e entre 9 e 14 anos nos meninos. Ela é considerada precoce quando se inicia antes dos 8 anos nas meninas e antes dos 9 anos nos meninos.
Estima-se que entre 1 e 26 a cada 10 mil meninas são diagnosticadas com puberdade precoce a cada ano, segundo estudos populacionais realizados em diferentes países. Nos meninos, esse número é de 10 a 20 vezes menor, mas também apresenta crescimento. “Existe uma tendência mundial de aumento nos casos de diagnóstico de puberdade precoce. Um trabalho populacional realizado na Dinamarca mostrou um crescimento de seis vezes na incidência entre as meninas e de até 15 vezes entre os meninos”, explica a endocrinologista pediátrica Ana Pinheiro Machado Canton, diretora do Departamento de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Culpa da pandemia?
A covid-19 também é responsável pelo maior número de casos. Um estudo feito por pesquisadores do programa de pós-graduação em Endocrinologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) avaliou o impacto do isolamento social na incidência de puberdade precoce. Segundo a revisão de 23 pesquisas, publicadas em 11 países diferentes, que incluíram mais de 250 mil crianças com o diagnóstico, o problema teve um aumento de até cinco vezes durante a pandemia.
Os especialistas, no entanto, não culpam o vírus, e sim, as condições impostas por ele. “O isolamento social tornou as crianças mais sedentárias, ao tirar a possibilidade de sair para brincar ou praticar exercícios. Além disso, aumentou o acesso a telas, como TV, celular e videogame. A alimentação mais desregrada e o acesso a doces e outros alimentos ultraprocessados disparou o ganho de peso. E, por fim, teve o estresse e a ansiedade de estar preso dentro de casa sem saber o que iria acontecer. Todos esses fatores facilitam o aumento no número de diagnósticos de puberdade precoce”, explica o endocrinologista pediátrico Crésio de Aragão Dantas Alves, presidente do Departamento Científico de Endocrinologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Na casa da publicitária Ana Paula Lombardi, 44 anos, a rotina da casa bagunçou durante a pandemia. “No início, parecia que estávamos de férias. Dormíamos e acordávamos mais tarde, com refeições livres, e liberamos mais tempo de tela para a nossa filha Alice, que tinha 6 anos na época”, lembra. Poucos meses depois, Ana percebeu um inchaço no peito da filha. “Alice sempre foi uma bebê cheia de dobras. Com o passar do tempo, foi crescendo e esticando, mas eu fiquei na dúvida se o que estava sentindo era mesmo um broto mamário”, conta. A confirmação do diagnóstico veio após a consulta com o endocrinologista pediátrico e uma bateria de exames.
Meninos também sofrem
Apesar de ser mais frequente em meninas, a condição também afeta os garotos. Mãe de dois meninos, a engenheira de produção Ana Célia Ross, 47 anos, percebeu um comportamento diferente no filho caçula, Daniel, aos 7 anos. “Ele passou a ficar muito tempo trancado no banheiro sozinho e ficava nervoso quando eu questionava. Tive dificuldade de conversar com ele e pedi ajuda ao pai. Nesse papo entre homens, meu ex-marido notou um aumento no pênis e nos testículos. Havia também pelos pubianos, e isso nem meu filho mais velho, de 10 anos, tinha”, conta Ana.
Para os especialistas, diagnosticar a puberdade precoce em meninos é, de fato, mais desafiador, e talvez exista um subdiagnóstico deles. “Os sintomas são menos evidentes, já que o aumento do volume testicular, um dos principais sinais do problema, é pouco perceptível. O exame clínico precisa ser minucioso, e a maioria não colabora”, explica Alves.
Quais são os principais sintomas?
Nas meninas, a puberdade geralmente se manifesta com o surgimento do broto mamário e a aceleração de crescimento, o famoso estirão, que gera curvas no quadril e cintura mais fina. Depois, surgem os pelos pubianos, a pele oleosa e acne. É comum também apresentar oscilações de humor.
Nos garotos, o principal sintoma é o aumento do volume testicular, seguido pelo crescimento do pênis. Pelos pubianos, voz mais grossa e estirão também marcam o início da puberdade. Em ambos os sexos, é importante lembrar que ocorre um avanço rápido da idade óssea, ou seja, a criança começa a crescer mais do que deveria.