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Próxima fronteira alimentar: peixe feito à base de plantas, ou em laboratório

Próxima fronteira alimentar: peixe feito à base de plantas, ou em laboratório

O chef Tsang Chiu King está preparando uma mudança sutil, porém sofisticada em seu cardápio: em alguns pratos, está substituindo o peixe por uma alternativa à base de plantas.

“Seu sabor é leve e suave e a textura, como a garoupa, é um pouco mais dura”, disse Tsang referindo-se às variedades alternativas de peixe que vem testando no Ming Court, um restaurante com estrelas Michelin, em Hong Kong. Para reforçar o sabor, ele adiciona ingredientes como tâmaras e bagas de goji.

“Isso pode oferecer uma nova experiência ou surpresa aos nossos clientes, e vai ajudar nosso negócio”, ele disse.

Produtos à base de plantas estão invadindo o mercado gastronômico nos Estados Unidos, após anos em que hambúrgueres veganos e alternativas ao leite ficavam na periferia do mercado. Em parte, isso ocorre porque mais empresas estão mirando os onívoros que buscam reduzir a quantidade de carne consumida, ao invés de rejeitarem-na completamente.

Agora, enquanto alternativas sofisticadas ao peixe começam a atrair investimentos e chegar não apenas a restaurantes americanos, pessoas que acompanham o setor de peixe sem peixe dizem que este pode estar no auge de um crescimento significativo.

Uma razão, eles dizem, é que os consumidores de países ricos estão ficando mais conscientes dos problemas ambientais da indústria do peixe e frutos do mar, incluindo a pesca predatória e os riscos à saúde causados por alguns derivados do mar. Outro é que as startups que lidam com produtos à base de plantas atualmente fazem um trabalho melhor que as anteriores, aproximando-se do sabor e da textura do peixe – algo importante para os não vegetarianos.

Peixes e frutos do mar “mais inteligentes”.

Pessoas que reduzem seu consumo de proteínas animais por razões ambientais geralmente param de comer carne vermelha, pois sua produção requer enormes quantidades de terra e água e emite muito metano como subproduto.

Mas aqueles que defendem os peixes alternativos dizem que o comércio de peixe e frutos do mar também causa problemas ambientais. Práticas insustentáveis de pesca foram danosas nas últimas décadas, um problema tanto para a biodiversidade como para os milhões de pessoas que dependem do mar para obterem renda e comida.

“É simplesmente uma forma mais inteligente de fazer peixe e frutos do mar”, disse Mirte Gosker, o diretor-gerente em exercício do Good Food Institute Asia Pacific, um grupo de advocacy sem fins lucrativos que promove proteínas alternativas. “Ponto final”.

Até agora, produtos derivados de peixe e frutos do mar à base de plantas nos Estados Unidos somam apenas 0.1% das vendas no país, um número menor que o representado pelas alternativas existentes de carne vegana, 1.4 %, de acordo com o Good Food Institute.

Mas, ao redor do mundo, os negócios ligados aos peixes e frutos do mar alternativos receberam ao menos US $83 milhões de investidores em 2020, comparado à soma de US $1 milhão três anos antes, de acordo com as informações do instituto. Em junho deste ano, 83 empresas estavam produzindo peixes e frutos do mar alternativos pelo mundo, um crescimento aproximadamente três vezes maior desde 2017.

Com exceção de 18, todas as outras empresas desse grupo estão focadas em produtos à base de plantas. Outras seis, incluindo uma startup francesa que produz salmão defumado a partir de microalgas, são especializadas em proteínas derivadas da fermentação. Uma dúzia de outras estão desenvolvendo peixes e frutos do mar em laboratórios, mas sua comercialização ainda não está disponível em nenhum país.

Movimentos baseados em plantas

A Impossible Foods, uma força dominante na indústria de proteína alternativa, vem desenvolvendo um projeto de peixe sem peixe por anos. Jessica Appel, porta-voz da empresa, disse que ainda não estavam fabricando produtos de peixe alternativos.

Outras grandes empresas estão. A Bumble Bee Foods, por exemplo, uma gigante em peixes e frutos do mar da Califórnia, disse no ano passado que realizou uma parceria com a Good Catch, uma empresa de peixes e frutos do mar à base de plantas na Pensilvânia que vende produtos como palitos de peixe falso e bolinhos de caranguejo na Whole Foods e outras lojas.

Algumas startups estão desenvolvendo uma proteína alternativa de peixe concebida para imitar o peixe cru. Uma delas, a Kuleana, vende uma versão à base de plantas de sushi de atum em mercados de Los Angeles e também pelo país, através da rede de restaurantes Poké Bar.

Ainda que os palitos de peixe falso empanados tenham ido bem até agora, os produtos que tentam se aproximar do peixe cru vão precisar melhorar se a indústria quiser conquistar não vegetarianos, disse Jacek Prus, CEO da Kuleana.

“Basicamente, ainda precisamos melhorar o produto”, ele disse. “Esse é o maior desafio: Como recriar a estrutura de uma forma muito, mas muito convincente e com um paladar agradável?”

Olhos na Ásia

Das 65 empresas atualmente produzindo derivados de peixe e frutos do mar à base de plantas, 47 estão fora dos Estados Unidos, de acordo com o Good Food Institute. As pessoas do setor dizem que a região da Ásia-Pacífico é o lugar ideal para se prever um crescimento significativo porque ela já consome mais de três terços do peixe do mundo, de acordo com a estimativa das Nações Unidas.

A Thai Union, uma das maiores processadoras convencionais de atum enlatado, disse em março que criou a OMG Meat, uma marca de proteína alternativa cujo alvo são os “flexitarianos” que querem reduzir sua emissão de carbono. E a startup New Singularity tem vendido produtos alternativos de peixe fermentado à base de algas, desde o ano passado na China continental.

Em Hong Kong, a empresa Green Monday vem lançando peixes alternativos em diversos locais desde junho. Isso inclui o Ming Court, onde Tsang está temperando a falsa garoupa com as bagas de goji.

A Green Monday vende sua marca de porco falso, a OmniPork, em aproximadamente 40 mil locais pelo mundo, incluindo a Grã Bretanha, os Estados Unidos e a maior parte da região da Ásia-Pacífico. David Yeung, CEO da empresa, disse que espera que a Omniseafood esteja na maioria, senão em todos os mercados dentro de seis meses.

Yeung disse que sua empresa criou seus produtos de peixe falso para atender a diversos gostos e formas de preparo. Os americanos gostam de grelhar ou fritar o peixe, por exemplo, enquanto os chineses geralmente gostam de fazê-lo cozido.

“Você não pode dizer aos consumidores: você pode fritar mas não cozinhar a vapor, ou você pode cozinhar a vapor mas não pode cozinhar de outra forma”, ele disse. “Você não pode fazer isso porque, para eles, peixe é peixe”.

Um futuro de produção em laboratório?

A próxima fronteira são os peixes e frutos do mar produzidos em laboratório, em que produtos comestíveis são criados a partir de células reais em laboratório. Essa tecnologia ainda está longe das vendas no varejo e da ampla comercialização, mas talvez não tão longe quanto a maioria dos consumidores pode pensar.

Até agora, a única empresa vendendo proteína cultivada de qualquer tipo é a Eat Just, uma startup de São Francisco cujos nuggets de frango cultivados foram aprovados para venda em Cingapura no final do ano passado. A agência alimentar da cidade-estado disse em um breve comunicado que ainda não havia aprovado “nenhum outro produto de carne cultivada”

Gosker disse que mais startups de proteína cultivada podem receber aprovação regulatória este ano nos Estados Unidos. A The Food and Drug Administration disse em outubro passado que os produtos contendo células cultivadas de peixes e frutos do mar “podem entrar brevemente no mercado americano”

Ao menos duas empresas de peixe cultivado na Califórnia – BlueNalu, em San Diego e Wildtype, em São Francisco – já anunciaram planos para começar a vender comercialmente em um futuro próximo. Shiok Meats, uma empresa de carne, peixes e frutos do mar à base de células em Cingapura, também disse que planeja “comercializar” no ano que vem. /TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES.