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Produção de oxigênio no fundo do mar pode sugerir outra teoria sobre a origem da vida no planeta

Produção de oxigênio no fundo do mar pode sugerir outra teoria sobre a origem da vida no planeta

Rafael Lourenço comenta a descoberta do “oxigênio escuro”, método de geração do gás a partir da eletrólise da água e sem a realização de fotossíntese

Estudo publicado na revista Nature observou a produção de oxigênio nas profundezas do Oceano Pacífico, em uma região entre as áreas do México e do Havaí. Os pesquisadores da Associação Escocesa de Ciências Marinhas (SAMS), responsáveis pela descoberta, nomearam o processo de dark oxygen e acreditam que a pesquisa pode sugerir uma nova alternativa sobre a origem da vida na Terra. Conforme o professor Rafael André Lourenço, do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, a descoberta está sendo comumente tratada no Brasil como “oxigênio negro”, contudo, o termo mais apropriado a partir da tradução do estudo, seria “oxigênio escuro”, denominação que sugere a produção de oxigênio desvinculada da luz solar e dos processos fotossintéticos conhecidos.

Rafael André Lourenço – Instituto Oceanográfico da USP – Foto: Arquivo Pessoal

De acordo com o docente, os pesquisadores da SAMS estavam inicialmente monitorando o Oceano Pacífico a uma profundidade de 4 mil metros para estudar o consumo de oxigênio por organismos bentônicos, os quais habitam e se alimentam no fundo marinho. Lourenço explica que a expectativa dos cientistas era de que, como o oxigênio estava sendo consumido, a concentração dessa substância no fundo do mar seria menor. No entanto, eles observaram que a presença do gás no sedimento marinho estava, na realidade, aumentando.

“Esse aumento da produção de oxigênio no fundo do mar não fazia o menor sentido, já que estavam em uma região muito profunda, na qual a luz solar não era capaz de chegar, portanto, não poderia haver fotossíntese. A descoberta ocorreu meio que ao acaso e talvez essa tenha sido a origem do nome oxigênio escuro, é uma forma de produção de oxigênio numa região completamente escura e sem a chance de ocorrência de fotossíntese”, detalha.

Nódulos polimetálicos

Conforme o especialista, os cientistas resolveram coletar sedimentos desse fundo marinho e constataram a presença de nódulos polimetálicos, que são pequenas partículas de metais como níquel, cobre e zinco conectadas por depósitos minerais. Esses nódulos possuem o chamado potencial de oxirredução diferente, ou seja, transferem elétrons entre eles e, juntamente com a corrente elétrica que passa pela água, produzem a eletrólise da água, isto é, a quebra de sua molécula nos gases hidrogênio (H₂) e oxigênio (O²).

“Esse processo pode ser facilmente reproduzido dentro de laboratórios com a utilização de pilhas. A pilha nada mais é do que alguns metais com um tipo de conexão e, quando o circuito é fechado através da água, por exemplo, começa a fluir elétrons entre os metais que compõem a pilha, o que gera a eletrólise da água. Então é basicamente como se esses nódulos polimetálicos do fundo do mar estivessem funcionando como uma pilha”, detalha Lourenço.

Vida na Terra

Segundo o professor, a descoberta do oxigênio escuro levanta a possibilidade de que os nódulos polimetálicos possam ter sido responsáveis pela produção de oxigênio muito antes do surgimento de organismos capazes de realizar fotossíntese, como as cianobactérias. As teorias mais aceitas atualmente dão conta de que esses microrganismos, que surgiram há aproximadamente 3 bilhões de anos, são os principais responsáveis pela produção em massa de oxigênio na Terra e modificação da estrutura atmosférica como conhecemos hoje.

De acordo com Rafael Lourenço, há indícios de que já existia água líquida no planeta há cerca de 4 bilhões de anos, ou seja, 1 bilhão de anos antes do surgimento das primeiras cianobactérias. “Pode ser que esses minerais já estivessem no planeta desde sua solidificação e produzindo oxigênio na água muito antes dos primeiros organismos fotossintetizantes. Então eu acredito que essa descoberta talvez não venha a modificar a ideia da origem de vida no planeta, mas sugerir que um outro componente pode ter contribuído para essa formação do oxigênio na atmosfera”, finaliza.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira