Por que cientistas brasileiros estão enviando alimentos para o espaço?

Batata doce e grão de bico foram as primeiras espécies selecionadas para serem analisados em gravidade zero. Entenda por que a pesquisa pode ser importante para as pretensões humanas no espaço
A produção alimentos no espaço será uma realidade nos próximos anos – e isso pode acontecer graças a estudos de pesquisadores brasileiros. A Embrapa e a Agência Espacial Brasileira (AEB), em parceria com universidades do Brasil e dos Estados Unidos, enviaram, em abril, deste ano, uma muda de batata doce e sementes de grão de bico para o espaço através da missão NS-31 da Blue Origin.
O objetivo é observar como a falta de gravidade, uso restrito de insumos e de água interferem no crescimento dessas plantas, para que, nos próximos anos, seja possível cultivá-las fora da Terra. Além disso, querem melhorar o cultivo dessas espécies em ambientes terrestres expostos a situações extremas provocadas pelas mudanças climáticas.
Como funciona
Alessandra Fávero, pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste que coordena a Rede Space Farming Brazil, (em português, Rede Brasileira de Agricultura Espacial) conta, em entrevista à GALILEU, que a iniciativa surgiu através do Acordo Artemis, assinado pelo Brasil, em 2021. “Como alguns dos objetivos estavam relacionados ao cultivo de plantas no espaço, no final de 2022, começamos a reunir uma equipe de pesquisadores brasileiro para discutir com quais cultivos poderíamos contribuir”.
A rede brasileira chegou à conclusão de que a batata doce e o grão de bico seriam boas culturas para iniciar as pesquisas. “Escolhemos a batata doce porque ela é rica em carboidratos e é roxa, rica em antioxidantes, o que é bastante interessante em situações de radiação ionizante. E o grão de bico por ser uma leguminosa, rica em proteínas e fibras, cujo grãos podem ter uma grande versatilidade no consumo, que podem ser preparados desde hambúrguer até homus”.
Neste ano, os cultivos foram enviados ao espaço na missão NS-31, que partiu em abril. Agora, os pesquisadores brasileiros aguardam o retorno da muda de batata-doce e das sementes de grão-de-bico para iniciar os estudos comparativos entre as plantas que participaram da missão e aquelas que permaneceram na Terra.
“Com isso, será possível comparar o que acontece em voos suborbitais, orbitais e em simulações na Terra, para verificar se as plantas apresentam diferenças de crescimento – e de que tipo – além de avaliar se são mais tolerantes a esse tipo de estresse quando comparadas a outras espécies que também já foram utilizadas em voos. Caso demonstrem certo grau de tolerância ao crescimento em ambientes com microgravidade e radiação, essas plantas poderão ser candidatas promissoras para o cultivo no espaço”, revelou Fávero.
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O que mudou nas plantas?
Paulo Hercílio Viegas Rodrigues, professor do Departamento de Produção Vegetal da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), que também integrou o grupo de pesquisadores participantes do estudo, conta que nada foi alterado nas plantas para serem enviadas ao espaço.
“Na verdade, no material vegetal nada foi mudado. Já os invólucros contendo as sementes, sim, pois precisam atender a requisitos de segurança que vão desde o nível de resistência à vibração até o tipo de material (matéria-prima) com o qual são produzidos, a fim de não se desintegrarem durante o lançamento ou contaminarem o ambiente da tripulação, evitando assim acidentes graves”, ressaltou.
Alessandra Fávero, pesquisadora que coordena a Rede Space Farming Brazil, explica que, a partir dos resultados obtidos, o grupo prevê, para os próximos cinco anos, uma seleção de plantas, priorizando aquelas que apresentem maior tolerância a condições de radiação ionizante e eficiência no uso de água e de energia. Assim, será possível economizar esses recursos em condições extremas, como as observadas na Estação Espacial Internacional, na Lua e em outros corpos celestes.
“Outra adaptação que prevemos para os próximos estudos de aprimoramento dessas plantas é o cultivo em ambientes fechados com iluminação artificial. A ideia é desenvolver plantas mais adaptadas a essas condições e identificar a iluminação ideal, bem como a fertilização necessária, em sistemas de aeroponia e hidroponia”, afirmou.
Principais desafios
Os pesquisadores são unânimes ao apontar o ambiente, tão diferente do terrestre, como o maior desafio a ser superado para a exploração da agricultura espacial. “Como a gravidade é diferente, ainda não se sabe qual será a resposta real dessas plantas nessas condições. Assim, a diferença gravitacional em relação à Terra é um dos principais desafios, pois sabe-se, por trabalhos anteriores realizados na Estação Espacial, que a microgravidade influencia significativamente o crescimento, a fisiologia e, inclusive, a morfologia das plantas”, destacou Fávero.
A pesquisadora explica que, quando se reduz a gravidade, diversas reações celulares, físicas e bioquímicas podem ser alteradas. “Sabemos que, em condições da Estação Espacial Internacional, onde há microgravidade, ocorrem alterações até mesmo na entrada e saída de cálcio das células. Já em ambientes de baixa gravidade, como na superfície da Lua, ainda não foi possível obter o crescimento completo de plantas.”
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Por isso, em missões lunares, um dos planos para o cultivo de plantas é utilizar tubos de lava, ou seja, áreas fechadas dentro dessas estruturas naturais, que oferecem maior proteção contra a radiação espacial, funcionando como uma blindagem eficiente.
Paulo Hercílio Viegas Rodrigues, professor da Esalq/USP, aponta que a radiação cósmica também pode afetar o desenvolvimento de espécies mais sensíveis, restringindo, assim, o cultivo às áreas com maior proteção contra esses efeitos.
“Para o cultivo no espaço, as plantas necessitam de água e nutrientes, que muitas vezes precisam ser gerados em sistemas bioregenerativos. Dessa forma, procura-se reciclar o máximo possível no ambiente espacial, reutilizando recursos tanto para o cultivo vegetal quanto para o dia a dia da tripulação.”
Em 2021, Paulo também liderou uma pesquisa selecionada pela NASA que desenvolveu um método para plantar morangos na Lua e em Marte. O grupo construiu, na Esalq/USP, um protótipo que simulava o ambiente espacial, com temperatura, umidade, iluminação e composição ambiental reproduzidas artificialmente, e obteve sucesso na produção do fruto.
Na ocasião, o sistema de produção brasileiro foi um dos dez selecionados entre 180 projetos de todo o mundo que concorreram no concurso da agência espacial americana, voltado a soluções para garantir a alimentação dos astronautas em viagens de longa duração.
Benefícios na Terra
A ideia é que, nos próximos anos, mais cultivos típicos da mesa dos brasileiros possam ser enviados ao espaço, com o objetivo de favorecer as futuras missões espaciais. Isso porque, quanto mais adaptadas ao cultivo indoor, eficientes no uso de água, energia e com crescimento acelerado, melhor esses cultivos poderão contribuir para a dieta dos futuros astronautas.
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“Em missões mais prolongadas, quanto mais distantes da Terra, mais caro é enviar alimentos, o que pode inviabilizar as missões pela ausência de comida. Por isso, quando se fala em missões prolongadas e mais distantes, o cultivo local de plantas é fundamental. Como são ricas em carboidratos e proteínas, base da alimentação humana, acreditamos que essas plantas podem contribuir significativamente para a dieta, junto com outras espécies que vêm sendo estudadas por outros países, como tomate, alface, batata e diversas outras”, afirmou Fávero.
Para ela, assim como a NASA desenvolveu mais de duas mil tecnologias espaciais que hoje são utilizadas na Terra, o mesmo deve acontecer com os estudos brasileiros. “Quando falamos em plantas mais eficientes no uso de água e energia, também pensamos nos ambientes extremos observados no nosso planeta. Daqui a 10 ou 20 anos, por causa das mudanças climáticas, as plantas precisarão ser mais tolerantes a temperaturas elevadas.”
“A ideia é utilizar essas tecnologias obtidas no espaço para também auxiliar na segurança alimentar de populações em diversas regiões com condições extremas. Isso inclui desde situações em que falte água em determinado ano até aquelas em que chova demais, causando a perda das plantas”, afirmou a pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste.